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23 junho 2011

Trair e Coçar: é Só Começar


Introdução

Euclides Rodrigues da Cunha foi, entre outras coisas, escritor, sociólogo, historiador, poeta e engenheiro brasileiro que viveu no século XIX. Sua história ficou conhecida como a “Tragédia da Piedade”, ou seja, ele foi vítima de um dos acontecimentos mais corriqueiros na existência humana: a infidelidade conjugal.

Euclides da Cunha, como era conhecido, foi casado com Anna de Assis. Sua viçosa e bela esposa, pelas “vias do destino”, veio a apaixonar-se e envolver-se com um primo 17 anos mais novo do que ela, o qual, inicialmente, se hospedara em sua casa.

Do romance com Dilermando de Assis, Ana teve dois filhos, um dos quais morreu. O outro menino, um garoto loiro numa família morena foi, aparentemente, acolhido por Euclides. Não obstante isto, em 1909, já desconfiado da traição, nosso “herói” vai até a casa de Dilermando com a intenção de matar ou morrer, “lavar a honra” com sangue, ato de “cabra macho”.

O desfecho do encontro foi trágico. Dilermando, que era perito em tiro e experiente militar, matou Euclides com um tiro certeiro. Ao depois, inocentado pelo tribunal, casou-se com Ana e os dois viveram juntos durante 15 anos.

Essa tragédia brasileira, bem ao estilo Nelson Rodrigues, poderia carregar como título o nome de uma de suas polêmicas peças: “Perdoa-me por me Traíres”. Sim, essa insígnia representa com propriedade os contornos da epopéia carioca, ou ainda, citando Pittman, a mais cara de todas as loucuras é acreditar apaixonadamente naquilo que claramente não é verdade”.

Consciência com as Conseqüências

Traição, ao contrário do que, talvez se pense, não é coisa de “pagão”. Algo de natureza e contornos bem semelhante ao drama de Euclides pode ser encontrado na própria Escritura Sagrada na traição de Davi com Bate-Seba.   

O mavioso salmista de Israel, Rei da nação, não resistiu aos encantos da mulher de seu general Urias, e, numa história cruel, bem ao estilo do Nelson, onde há traição e assassinato, o “homem segundo o coração de Deus” viu o seu ser tomado por todos os matizes do pecado, desde sua elucubração até a consumação. O coração de Davi era, sem dúvida, de Deus, mas ele parecera esquecer de consagrar ao Todo-Poderoso outras partes importantes do seu corpo. Deu no que deu...

Fato é que as conseqüências do adultério são sempre trágicas. Enganam-se os que imaginam ser ele algo inócuo ao ser. Enganam-se os que pensam que “aquilo que os olhos não vêem o coração não sente”. Sexo é coisa espiritual. Coito é coisa carnal. Há uma grande diferença entre sexo e coito. Um trata da celebração prazerosa da vida em todas as suas dimensões, no encontro de corpo, alma e espírito que acontece entre os que se amam. O outro é apenas tesão, troca de fluídos, prazer de ocasião, hedonismo na melhor concepção do termo.        

Também há uma grande diferença entre conjugalidade e casualidade. A primeira dimensão trata da vida a dois, do amor estabelecido como decisão, de projeto existencial, de acolhimento e entendimento do propósito de Deus. A segunda trata do sexo fortuito, descompromissado, algo desencadeado pela emoção, pela tara, pelas pulsões interiores, pelo desejo do perigo, pela necessidade de “novidades”, pela adrenalina da traição.   

Como bem citou Cáio Fábio, em artigo sobre sexualidade, “há quem queira muita ‘variedade’... Meu Deus, que ilusão! Mal sabem que a tal ‘variedade’ vai deixando gambiarras penduradas pela gente, como fios desencapados e ‘em curto’. Se pudéssemos ver espiritualmente tais pessoas, as veríamos como troncos cheios de cabeças, braços, olhos, e pernas. Sim, completamente monstrificadas... Simbiotizadas de tantas formas e de tantas maneiras, que elas mesmas assustar-se-iam se pudessem se enxergar. Mas não é preciso enxergar para ver. Basta que se olhe para dentro do coração, para as legiões de seres..., para sentimentos que cada vez mais se complexificam na alma, para mentes cada vez mais compartilhadas pelos entes psicológicos que foram sendo agregados no caminho”.



A Pesquisa “O Crente e o Sexo”

Este tema do adultério apareceu de forma muito contundente na pesquisa que o recém criado BEPEC – Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã – www.bepec.comm.br produziu durante o mês de abril. A pesquisa foi realizada com o público “evangélico” via e-mail marketing e pode ser consultada no site acima a partir da próxima semana.

Enviamos mais de 71 mil e-mails e obtivemos, a partir de um questionário de coleta de dados pré-formatado, aproximadamente 6 mil respostas válidas para o grupo “casados”. O resultado, decididamente, não me surpreendeu em nada. Abaixo farei algumas considerações. A pesquisa, até este momento, levou a mim e ao Danilo – Editor Chefe do Genizah – a sermos entrevistados pela revista “Cristianismo Hoje” e também a irmos ao programa “Papo de Graça” com o Rev. Caio Fábio.  

Para mim, o grande resultado da pesquisa é mostrar à enorme farsa que existe no meio “evangélico” brasileiro em relação à sexualidade. Todos os tabus caíram como as muralhas de Jerusalém quando o General Tito, no ano 70 da era Cristã, invadiu a cidade e a destruiu. E ”mano”, sobra “tijolada” para todos os lados, quase ninguém escapa.

Focando no tema do artigo, trago-lhe alguns dados. A pesquisa retratou que a média dos entrevistados quanto a alguns aspectos importantes para traçar o perfil da sexualidade entre os “evangélicos” foram os seguintes: 56% eram homens e 44% mulheres. Aproximadamente, eles possuíam 8 anos de casados, 7 anos de convertidos e faixa etária entre os 35 anos de idade.
O percentual de pessoas que já traíram seus cônjuges foi de 12% para as mulheres e 24,5% para os homens. Comparados estes números com dados de pesquisa do Ministério da Saúde - 2008, ficou posto que os homens “evangélicos” traem mais do que a média da população brasileira, mesmo considerando-se a margem de erro. No caso das mulheres, o índice foi praticamente o mesmo. Em síntese, já não podemos afirmar, como disse o profeta Malaquias, “então vocês verão novamente a diferença entre o justo e o ímpio, entre os que servem a Deus e os que não o servem”. Ml. 3:18.

Na verdade, a pesquisa nos chama a consciência, a revermos não só nosso discurso, altamente esvaziado por nossas práticas, mas, sobretudo, nossa postura hipócrita e dissimulada ante a sociedade, nossa falta de misericórdia diante dos transtornos dos que “caíram”, nosso juízo temerário em face a situações que nós, sequer, conhecemos os “contornos”. Façamos o que nos disse Jeremias, sentemo-nos a sós e fiquemos em silêncio... Isso já seria um bom começo.

Os dados revelados acima mostram apenas as questões relativas à traição. Se formos ver os pontos ligados à pornografia, relação homossexual, uso de “acessórios” e outras práticas sexuais veremos que os cristãos vivem da mesmíssima forma que aqueles que não professam qualquer fé confessional.

Em absoluto a pesquisa me surpreendeu. Ser “evangélico” em nossos dias não significa, de forma alguma, ter valores e conteúdos do Evangelho. Ser “evangélico” revela apenas a adesão de um indivíduo a uma determinada denominação cristã. Tratar os “evangélicos” como uma categoria diferenciada da população é alimentar um mito, é imaginar que esta “fatia” da sociedade possui hábitos e costumes diferentes das outras pessoas. Engano e engodo! Se isto algum dia foi verdade, hoje, já não é mais.

E mais.... Se essa pesquisa fosse sobre outro tema qualquer, como ética, por exemplo, os resultados seriam os mesmos, ou seja, revelariam discrepâncias semelhantes. Os dados colhidos só corroboram com minha experiência pastoral no aconselhamento de casais há, pelo menos, 15 anos.

A Solução não está na Desumanização do Humano

A bem da verdade, sexo para os cristãos sempre foi um problema, e isso desde o início da igreja. Paulo já carregava, notadamente, certa dose de “impregnação” quanto ao tema em suas epístolas, muito provavelmente como forma de antagonizar a doutrina cristã frente à devassidão da sociedade romana, na qual ele vivia. Esta, por sua, vez, já carregava em suas “entranhas” as influências do helenismo grego, onde o sexo assumia diversos matizes contrários aos costumes hebreus.

Daí para frente à questão só piorou... No século IV, com Santo Agostinho, o sexo tornou-se algo terrível, uma nódoa na consciência dos cristãos. Agostinho, que vinha de uma vida dissoluta, introduz um sentimento de culpa que esmaga toda e qualquer ação que gere prazer sexual. Nele o sexo torna-se feio, sujo, impuro, perverso e vicioso. Em sua famosa obra “Confissões”, chega a afirmar: "... a felicidade não é um corpo e por isso não se vê com os olhos". É sobre este pensamento que a cultura cristã ocidental vai se desenvolver, ou seja, sobre a premissa de que sexo e pecado são coisas que andam juntas.

Com o surgimento da psicanálise de Sigmund Freud, no século XIX, estas questões foram analisadas por um outro ângulo e, assim, essa idéia de sexo como coisa maligna foi praticamente abolida. Contudo, e isso é fato, a igreja sempre foi impermeável a ciência e, convenhamos, Freud nunca esteve entre os pensadores que a influenciaram. Há algo que me chama a atenção na pesquisa? Não. Talvez apenas o fato de pessoas que praticam uma religião terem a coragem de responder, ainda que anonimamente, a perguntas de caráter extremamente explícito. 

Segundo a psicóloga Gelly Marques Pereira, “ainda hoje, em pleno século XXI, percebe-se que, para muitas pessoas, o que justifica o casamento é um amor apaixonado, idealizado, absoluto. E o que justifica um bom número de divórcios e recasamentos é a decepção com as histórias vividas, associadas ao 
redespertar da esperança, à procura inebriante de novas ilusões. A proliferação de relações paralelas, ocultas e proibidas nasce desse desejo insaciável, representando exatamente a mesma busca, a partir da convicção nem sempre consciente de que o fantástico não subsiste ao dia-a-dia, não passa por nenhum teste de realidade”.

Com tristeza tenho visto, nos últimos anos, muitos lares cristãos se esfacelarem. Alguns foram destruídos em conseqüência de casos de adultério, inclusive de pessoas envolvidas com o ministério, no caso, pastores e pastoras. Confesso que é desestimulante para alguém que trabalha para ajudar a consolidar famílias ter de lidar com a sua falência. Mas, por outro lado, não há como colocar mordaças nos olhos e na consciência diante do que está acontecendo.

O fenômeno da traição no mundo contemporâneo é muito bem resumido por Pittman: “paixão e romance têm pouco a ver com amor, que significa trazer prazer, conforto, paz e segurança um para o outro, ao invés de dor, excitação e ansiedade. No entanto, em nossa sociedade, essas paixões intensas, desorientadoras, serviram, nas últimas décadas, como a base para muitos casamentos”.

Conclusão

Como já tenho dito e escrito, em síntese, a pesquisa desvela um universo que, talvez, ainda seja desconhecido do público em geral. Contudo, para mim que sou pastor, ela apenas comprova o que já escuto todos os dias no meu gabinete, durante as seções de aconselhamento.

O que existe na verdade, e aí entramos no terreno da “mitologia evangélica”, é que a sociedade imagina que a religião é um “cabresto” para determinados impulsos da natureza humana, como a sexualidade, por exemplo. Essa ilusão continua sendo “vendida” nos púlpitos de muitas igrejas, como se a doutrina, por si só, fosse capaz de tornar-se instrumento de sacralização dos impulsos da “carne”, um meio de transformar o indivíduo comum num asceta medieval, de remetê-lo a ataraxia grega, a sublimação do sentir do ser.

É fato que há um afrouxamento do ensino e da pregação da santificação na igreja cristã contemporânea e, sem dúvida, isto ajuda a construir um cenário de liberalismo e permissividade. Mas não há como negar que essas questões existem desde sempre, pois podemos encontrá-las presentes no livro de Gênesis, na cidade de Sodoma, nas orgias da Grécia, nos bacanais de Roma, na boemia francesa da idade média e nos bailes funks do Rio de Janeiro.

Esta não é uma questão ligada a uma época ou a uma cultura, é algo atemporal, intrínseco ao ser humano, faz parte de nossa natureza “caída”, devia ser visto como coisa real, pois, tratar o tema de outra forma só faz proliferar o que temos aí, o sexo como algo insalubre, como perversão escondida, como neurose religiosa, e tudo o que é proibido explode da alma para a vida nas formas mais hediondas possíveis. Sente numa sala de aconselhamento e você comprovará o que estou dizendo. 

Ora, eu não sou legalista, ou contra separações, mesmo sendo pastor de igreja. Crucifique-me quem quiser! E não me venha com sua “exegese de gaveta”, viciada, baseada no uso do texto que exalta a letra das Escrituras, mas exclui o Espírito do Evangelho. Sei, todavia, que meu trabalho, como sacerdote, é ajudar pessoas a construir vínculos afetivos fortes e duradouros.

Contudo, não há como negar que, às vezes, vida de marido e mulher torna-se uma fábrica de neuroses e amarguras. Nesses casos, quando verifico que o ficar junto se constitui algo totalmente insalubre ao ser, pois está diluindo a substância interior das pessoas, além do desastre que é para os filhos ter de conviver com essa “ferida purulenta”, não raro apenas para manter as aparências, sejam religiosas, sejam sociais, aceito o fato de que, o que Deus NÃO uniu, o homem pode separar.

O que tenho visto em certos tipos de vínculos conjugais é que eles, de tão adoecidos que estão, acabam se constituindo em algo profundamente nocivo a psique do casal. Dentro deste contexto, surgiu em nossa sociedade um tipo de patologia relacional que vem crescendo assustadoramente nos últimos 10 anos. Trata-se da famosa “solidão a dois”.

A “síndrome” baseia-se na premissa de que os casais modernos estão mais preocupados em competir do que em construir, vivem juntos, mas existem desconectados. Moram na mesma casa, dormem no mesmo quarto, mas não conseguem experimentar um mínimo de conjugalidade. Possuem dois carros, duas camas, dois computadores e duas contas correntes. Têm amigos separados, lazer separados, filhos separados, bens separados, ou seja, tantas coisas fora do comum, e tão poucas em comum que, por fim, acabam olhando-se nos olhos e se perguntando: “por que foi mesmo que nós nos casamos?”.
O que fazer então? Bem, alguém já me disse que “galha” não existe, isto é algo que colocam na cabeça das pessoas. Eu, por via das dúvidas, continuarei a fazer o que tenho feito nos últimos 20 anos de convívio afetivo-conjugal com minha esposa: sexo de boa qualidade, livre, prazeroso, consensual e romântico. E não me esquecerei que casamento é obra de tapeceiro, tem de ser construído todos os dias, com singularidade, respeito e compromisso. Quanto ao mais, lembro apenas aos “incautos” que “trair e coçar: é só começar”.

Carlos Moreira

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