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03 fevereiro 2011

Ou se É o que se É, ou não há o que Ser


Li hoje no facebook algo curiosíssimo: “‎ninguém é tão feio como na identidade, tão bonito como no Orkut, tão feliz quanto no Facebook, tão simpático como no Twitter, tão ausente como no skype, tão ocupado como no MSN e nem tão bom quanto no Curriculum Vitae”. Silvia Souza.

Queria lhe fazer uma perguntar: você entende algo sobre falsificação? Se visse um Van Gogh, poderia afirmar: parece; mas não é? E uma bolsa Luiz Viton? Teria condições de dizer se é original ou falsa? Um Rolex? É verdadeiro ou paraguaio?

A falsificação já foi considerada uma arte. É bem verdade que era utilizada por ladrões, mas, ainda assim, tornava-se imperativo reconhecer o talento do criminoso. Hoje a falsificação é uma indústria que gera perdas na economia mundial da ordem de 800 bilhões de dólares. Só no Brasil, somando-se apenas as indústrias fonográfica, cinematográfica e de programas de computador, a cifra chega a um bilhão de dólares anuais.

Por outro lado, a falsificação não está restrita aos bens de consumo. Já dizia Justiniano que ela “nada mais é do que a imitação da verdade”. Nos dias em que vivemos, é comum encontrá-la não só em coisas, mas, sobretudo, nas pessoas. E é este tipo de símile da realidade que é extremamente danosa, pois nada mais é do que uma adulteração, cada vez mais comum, de valores e conteúdos que deveriam construir o ser e que, invariavelmente, revelariam não só quem nós somos, mas, sobretudo, como e baseados em que vivemos.

Fato é que a sociedade contemporânea esta calcada sob a cultura da imagem: gente mais preocupada em parecer ser do que em ser de verdade. Kierkegaard com propriedade afirmou que “a vida é um baile de máscaras”, e essas máscaras tornam-se “escudos” atrás dos quais almas se escondem de si mesmas, e não apenas faces. Hoje, ser socialmente aceito ou parecer politicamente correto pode, em muitas situações, exigir de nós posicionamentos que, na verdade, abominamos ou rechaçamos. Todavia, para ficarmos bem na foto...

Mas o pior tipo de estelionato, convenhamos, é aquele ligado ao ser religioso. Sobre isto, bem conceituou Nietzsche: “o disfarce sob o manto da religião e da transfiguração através da moral são metamorfoses da escravatura”. Foi por isso que João escreveu que, conhecer a verdade liberta, mas, digo eu, se amasiar com a religião, escraviza.

Creia-me, não há coisa mais danosa a alma humana do que alguém que se tornou um simulacro eclesiástico, que abraçou uma espiritualidade performática, que pincelou um verniz de santidade na consciência, que viciou-se na hermenêutica que exuma letras mortas, mas recusa-se a trazer a vida a palavra que liberta, alguém que tem no olhar a impregnação do juízo e nas atitudes o proceder calcado na intolerância.

A figueira sem fruto, do texto de Marcos, bem nos revela este cenário. Ela nada mais era do que um arquétipo que apontava para o que acontecia com o povo de Israel. Era a religião das folhagens, das aparências, dos ritos, dos mitos, mas onde não se encontravam frutos. Jesus discerniu naquela geração o embuste, a mentira, a falsidade, o culto a aparência, o disfarce tentando travestir-se de verdade. Por isso a árvore foi amaldiçoada, pois para Deus ou se é o que se é ou não se é coisa alguma. O ser só torna-se ser quando se assume como verdade-existente. Evadir-se disto é tornar-se não-ser.

Isto me fez lembrar da belíssima passagem do livro “Todos os Homens são Mentirosos”, de Alberto Manguel quando afirma: nenhum rosto era verdadeiro, todos dissimulavam algo, cada qual mentia quase por hábito, era uma mascarazinha que refletia a máscara da cidade inteira, uma cidade que pretendia não ser o que era...”. Sei que não tem qualquer correlação, mas aí está um retrato do que era Jerusalém nos dias do Galileu... Por isso a figueira secou e, com ela, toda aquela geração de falsários e embusteiros.

Eu já fui figueira
Travestido de folhagens, mas sem frutos
Invertendo as estações da existência
Ocultando minha nudez outonal com atitudes performáticas
com exuberância desprovida de fruto
Amargava existir para fora
Sem poder ser exatamente eu mesmo
Eu... Nu... e em Cristo
Mas Deus
reverteu a morte gerada pela falsificação

Caio Fábio.

Como é difícil, mas desejo ardentemente fugir da falsificação. Tenho pavor da dissimulação, da representação, da mediocridade, dos que não são e nunca serão, pois existem como desmonte existencial, estão travestidos com as vestes da mentira, habitados por um espírito falsário, seu interior é como labirinto de trevas, masmorra que perpassa medo e solidão.

Se pudesse pedir algo a Deus, de todo o coração, gostaria de terminar os meus dias expressando o que disse o Luiz Fernando Veríssimo “eu sou hoje a melhor versão de mim mesmo”. E isso afirmaria na certeza de não ter tido qualquer mérito na construção de nada, em absoluto, mas a clareza de que tudo se fez em mim pelo poder da cruz e pela misericórdia que se derramou como orvalho em meu ser através da preciosa e incomparável graça de Deus.

Carlos Moreira

1 comentários:

Nossa...

Um dos posts mais lindos que li nos últimos tempos...

=)

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