Introdução
“Quincas Berro D’água”, personagem do livro de Jorge Amado, era um funcionário público, pai e marido exemplar, até a sua aposentadoria. Daí para frente, jogou tudo para o alto e passou a viver no baixo meretrício de Salvador, afundado na bebedice e na jogatina. Quincas morreu de forma triste e solitária. Os amigos, sentindo sua falta, foram ao seu encontro e, sem perceber que ele estava morto, pois estavam embriagados, saíram arrastando-o pelos bordéis da cidade. A gandaia só foi terminar de manhã, num saveiro, onde Quincas, que estava jogado num canto do barco, escorregando pela beirada do mesmo caiu ao mar e desapareceu nas águas da Bahia.
Quando olho para o cristianismo de nossos dias, para a instituição que o representa – a igreja –, para os postulados que tenciona defender, para as convicções que almeja fomentar, para as transformações que pretende introduzir, para os conteúdos que propõe anunciar, para os líderes que consegue produzir, para as dores que deseja aliviar, acabo achando tudo muito parecido com a história de “Quincas Berro D’água”. No fundo, a sensação que tenho é que nós estamos arrastando um “defunto”, talvez até, sem perceber!
Um dos piores problemas do cristianismo sempre foi a sua falta de senso crítico. De fato, de Constantino até os nossos dias, a fé cristã “evoluiu” bastante como religião organizada e institucionalizada, tornando-se, sem dúvida alguma, um fenômeno de massa, um “sucesso”! Entretanto, do meu ponto de vista, involuiu drasticamente como proposta de ressignificação da existência e de apaziguamento do ser através de uma relação íntima com Deus por meio de Jesus Cristo. Myles Munroe, conferencista internacional, no seu livro “Understanding your Potential”, afirma que “o sucesso é o grande inimigo do progresso”. Ele usou a expressão para se referir aos riscos existentes em todo empreendimento quanto ele alcança um expressivo êxito em seus objetivos. Diante do pressuposto, pensei: não seria esta uma das causas que tem levado a igreja ao explícito enfraquecimento atual?
Uma Crise Global: Ética, Moral e Espiritual
O fato é que o cristianismo enfrenta problemas sérios, e isso não tem mais como ser escondido. A exceção de algumas partes do continente Africano, onde os números atestam para uma expressiva adesão a fé em Jesus Cristo, a despeito de qualquer ligação confessional, em boa parte do resto do mundo a coisa vai de mal a pior.
No continente Asiático somos, simplesmente, insignificantes. O Hinduísmo, o Islamismo e o Budismo são maioria absoluta. A famosa Janela 10/40, uma faixa de terra que vai do oeste da África até a Ásia, revela que cerca de 3,2 bilhões de pessoas, que vivem em 62 países, ou seja, mais de 50% de todos os habitantes do planeta, ainda não foram evangelizados. Neste território estão contidas megalópoles como Tóquio, Calcutá, Bagdá e Bancoc. Dados da Junta de Missões Mundiais atestam que no Japão existem 3% de evangélicos, na Índia 1%, no Iraque 0,5% e na Tailândia 0,3%, que são, respectivamente, os países destas cidades citadas anteriormente.
Na Europa, um dos lugares onde a crise é mais grave, a falência do cristianismo é um fato concreto e, talvez, irrecuperável. No velho continente, a igreja cristã, tanto Católica Romana, quanto Protestante, está agonizando. Na Itália, por exemplo, país onde 95% da população está vinculada a Sé de Roma, só 30% vai à igreja. Na França, há cidades onde os Mulçumanos são maioria absoluta em relação aos Cristãos. 40% dos britânicos, tradicionalmente Protestantes, declararam não acreditar em Deus. Em artigo recente, a jornalista Adele M. Stan, articulista do jornal New York Times, escreveu que “a rejeição da Europa ao catolicismo tem menos a ver com a perda da espiritualidade e mais com a falência da instituição”.
Mas a crise não para por aí... Nos Estados Unidos e no Canadá o cristianismo também entrou na UTI. Na América os escândalos de pedofilia da Igreja Romana abalaram o mundo todo, tendo inclusive desencadeado uma forte reação do Vaticano e, em ambos os países, as igrejas Protestantes, algumas de origem histórica, sobretudo a Igreja Episcopal, vem enfrentando graves problemas de desvios doutrinários com questões ligadas a uniões de pessoas do mesmo sexo, inclusive sacerdotes. Um escândalo sem precedentes...
Brasil: Mostra a tua Cara
No Brasil, maior país Católico Romano do mundo, que representa quase metade da América Latina, a crise não parece ser perceptível, porém, certamente, mais cedo ou mais tarde, será. A fé cristã continua perdendo sistematicamente fiéis para as religiões de origem Afro e também para as seitas espiritualistas. Outro fato preocupante é a migração adensada, sobretudo nos últimos 15 anos, de fiéis tanto da Igreja Romana, quanto da Evangélica – tradicionais e históricos – para as chamadas igrejas Neo-Pentecostais.
O neo-pentecostalismo no Brasil é um capítulo à parte. Ele tem como precursor a Confissão Positiva de Gossett e Hagin nos Estados Unidos, na década de 1980. Seu arcabouço teórico é o que denominou-se chamar de “Teologia da Prosperidade”, uma doutrina baseada em promessas de sucesso e felicidade. A estratégia eclesiástica, que tem arrebanhado milhões de pessoas, está baseada no trinômio: discipulado manipulativo, hermenêutica tendenciosa e cultos de catarses. Numa época de “igrejas cegas”, uma que tem um olho vesgo vira majestade!
Não se deixe iludir, a situação é gravíssima! Não acredite em estatísticas triunfalistas, elas são fraudulentas! Infelizmente o último censo do IBGE não contemplou a questão das pessoas que abandonaram igrejas. Gente séria, que lida com dados, estima que o número de evangélicos “desviados” é superior ao número dos que afirmam pertencer a alguma denominação. Se de fato representamos algo em torno de 25 milhões de pessoas, temos, pelo menos, o mesmo número de gente que, tendo aceito de bom grado a mensagem da salvação, acabou vindo a rejeitar a mensagem e o proceder da igreja. Agora, imagine o que acontecerá quando esta legião de gente iludida, que hoje encorpa as fileiras das igrejas Neo-Pentecostais, se decepcionar com “Deus” por não ter recebido a “benção” que lhes foi prometida? Viraremos o novo continente Europeu, onde as catedrais tornaram-se boates? Deus se apiede de nós!
Olhando para Dentro Antes de Olhar para Fora
Se quisermos ser honestos e verdadeiros, veremos que a Igreja Cristã como um todo não está preparada para enfrentar os desafios do século XXI. Aliás, aqui cabe, inclusive, perguntar: você acha que a igreja, do jeito que está, vai sobreviver a este novo milênio? Se não, que igreja, então, sobreviverá? Quais serão suas características? Que perfil terá os seus líderes? Será possível articular e contextualizar a milenar mensagem da salvação às idiossincrasias do mundo pós-moderno? Como usar a hermenêutica e a exegese de tal forma a não desprezar a ortodoxia histórica, nem sufocar as questões prementes de nosso tempo? Não me leve a mal, mas se sua igreja não está refletindo estas questões ela é uma séria candidata a virar defunto, se é que já não virou! Acorde: igrejas também morrem!
Sendo pragmático, creio que a situação do cristianismo ainda não aponta para uma morte súbita. Sua patologia, entretanto, sugere o diagnóstico de uma doença crônica, que vem avançando desde o século XVIII, com o secularismo e iluminismo. No século XX o existencialismo deu mais um duro golpe na fé cristã e, nos dias atuais, uma soma de fatores como o modernismo, o relativismo e o multiculturalismo, servem como elementos desestruturadores da igreja e de sua mensagem. A verdade é que as pessoas estão cada vez mais desiludidas com a proposta cristã. Ser religioso, nos nossos dias, é sinônimo de ser obscurantista, moralista, hipócrita e até manipulador. Eu que sou pastor que o diga...
Olho para a igreja e vejo a tragédia na qual estamos mergulhados. Nossos púlpitos estão esvaziados, a mensagem é direcionada para atender as exigências dos ouvintes, não suas necessidades. O discipulado se resumiu a um enfadonho estudo bíblico, não é mais a vida sendo ministrada através da experiência prática e da convivência fraterna. Os programas, recursos aos quais recorremos para entreter pessoas, ocuparam o lugar da oração, do jejum e do estudo aprofundado das Escrituras. As famílias vivem um drama a parte. Separação já virou coisa natural, até mesmo de líderes e pastores. Por isso tanta miséria social, tanta catástrofe! A Terra foi ferida com maldição, pois os entes familiares não converteram os seus corações uns aos outros. Nossos filhos não sabem nada sobre a nossa fé e, quando sabem alguma coisa, nunca a transformam em prática de vida. Talvez porque faltam-lhes exemplos...
Somos tão presunçosos que continuamos utilizando métodos e formas do século XIX, como se eles fossem eficazes no século XXI. Não são! É um fato! Precisamos acordar! Muitos dos nossos programas não conseguem mais atingir as pessoas. Perdemos terreno para outras seitas que parecem entender o nosso mundo e as pessoas que nele vivem bem melhor do que nós. Nossos líderes são fracos, não foram treinados, não sabem, sequer, interpretar os textos mais elementares. Até em termos de administração e finanças nós ficamos a dever. Nem avançamos no espiritual, nem damos conta do natural. Trágico, convenhamos!
Diante deste contexto nefasto, há algo que ainda possa ser feito? Há! Mas tem que ser feito logo, de forma inteligente e planejada. Todavia, e é bom não esquecer, devemos começar por onde tudo, em toda a história, sempre começou, quando grandes mudanças aconteceram: no arrependimento. Sem ele, sem um olhar que nos permita ver que estamos “nus”, sem o desejo de continuar reformando aquilo que apenas começou com a Reforma, sem quebrantamento, sem humilhação perante o Senhor da Igreja, sem confissão de culpa, sem desapego de vaidades, sem o desmantelamento de estruturas adoecidas, nunca conseguiremos recolocar a igreja no lugar onde Deus deseja que ela esteja. Creia-me: se esta geração falhar, a bronca ficará para a próxima...
Semelhanças Entre o Passado e o Presente
Foi mais ou menos isto que aconteceu nos dias de Josué. Diz as Escrituras: “Depois que toda aquela geração foi reunida aos seus antepassados, surgiu uma nova geração que não conhecia o Senhor e o que ele havia feito por Israel”. Jz. 2:10. O contexto do texto é o estabelecimento do povo Hebreu na terra de Canaã. Moisés, o líder que havia tirado o povo do Egito, já havia falecido. Em seu lugar assumira o “moço que ficava a porta da tenda”; Josué. Aquela geração foi testemunha dos feitos do Senhor e guardou as Suas leis e preceitos, conforme lhes fora ordenado. Contudo, eles falharam no ensino e na propagação da mensagem e esta falha lhes saiu muito caro...
A continuação do texto de Juízes nos mostra as conseqüências desastrosas do que aconteceu. O povo, sem referências de quem era Deus, sem uma vida pautada em princípios, sem experiências práticas que significassem sua fé, foi se extraviando e se afastando do Senhor. Abandonaram o Deus de seus antepassados e seguiram a adorar deuses estranhos, prestando culto a Baal e Astarote. Por conta disto, a ira do Senhor se acendeu contra Israel e Ele os entregou nas mãos dos invasores que os saquearam, havendo para toda aquela geração muita dor e muito sofrimento.
A história está aí para que aprendamos com ela. Se isso não nos for possível, de fato, somos uma geração obtusa e arrogante. Ainda há tempo de reconhecermos nossos equívocos e voltarmos ao Senhor nosso Deus! Estamos vivendo uma espiritualidade banalizada e uma fé dessignificada. Nossas igrejas estão cheias de um amontoado de gente perdida e vazia, que transformou o evangelho em barganhas com o sagrado, que esqueceu dos preceitos e princípios do Reino e passou a viver pelo sistema caído do mundo que nos cerca, adorando aos “deuses” deste tempo.
Fim dos Tempos ou Nova Era?
Por outro lado, correndo paralelamente as fragilidades da igreja, está aí a Nova Era. Diferentemente do que muitos pensam, Nova Era não é uma religião, nem mesmo uma seita, mas uma espécie de “sentir” deste final dos tempos. Ela está misturada a todas as coisas, inclusive, a mensagem de salvação de algumas correntes da igreja. O movimento da Nova Era é uma miscelânea de ensinos metafísicos, de influência oriental, de linhas teológicas, de crenças espiritualistas, animistas e paracientíficas, que tem como proposta um novo modelo de consciência moral, psicológica e social além de integração e simbiose com o meio envolvente, a natureza e até o cosmos. Sim, amigo, eles sabem como “enfeitar o bolo” e “vender a festa”.
A Nova Era está conectada com as demandas deste tempo, com os dramas das pessoas, suas angústias, medos e perplexidades. Para cada questão tem uma resposta clara, objetiva. Fala da necessidade de uma nova ordem mundial de unificação global, ou sobre o fato da cultura ser determinada ecleticamente, respeitando a diversidade dos povos do mundo. Propõe acrescentar ao estilo de vida capitalista elementos do Budismo, Hinduismo, religiões africanas, e outras tradições místicas – tudo conforme o gosto de cada um. É a religião self-service!
Contudo, há um ponto determinante na proposta da Nova Era que afeta diretamente a Mensagem do Evangelho de Jesus Cristo: o fim das diferenças entre as várias religiões. Segundo seus postulados, todas as religiões adoram o mesmo Deus e, partindo-se de uma cosmo visão ecumênica, todas poderão aprender muito mais umas com as outras e isto, obviamente, permitirá uma melhor compreensão de quem é Deus. No fundo é uma espécie de “todo caminho dá na venda”. É pouco ou quer mais?
Você já ouviu falar do “Ponto de Mutação”? Trata-se de um tratado científico em que o físico Fritjof Capra, com uma aguda crítica ao pensamento cartesiano na biologia, medicina, na psicologia e na economia, explica como a nossa abordagem, limitada aos problemas orgânicos, nos levou a um impasse perigoso, ao mesmo tempo em que antevê boas perspectivas para o futuro e traz uma nova visão da realidade, que envolve mudanças radicais em nossos pensamentos, percepções e valores.
Capra se inspirou nos escritos do I Ching, – Livro das Mutações, um texto clássico chinês, milenar, composto de várias camadas sobrepostas ao longo do tempo – que expressa que "depois de uma época de decadência chega o ponto de mutação". Ele pondera que os movimentos sociais dos anos 60 e 70 representaram na verdade o início de uma nova cultura em ascensão, destinada a substituir as nossas rígidas instituições e suas tecnologias obsoletas. É a era de Aquários! No fundo, as premissas de Capra estão mais do que nunca conectadas aos pressupostos da Nova Era e, desgraçadamente, é esta “mensagem” que está atraindo as pessoas, e não a única mensagem que pode transformar de fato o homem, de dentro para fora, dando a ele valor e significado, a mensagem de Jesus Cristo!
A Nova Era é mais perigosa do que qualquer outra seita ou religião, sobretudo porque não se “vende” como tal. Ela é uma espécie de “oxigênio”, que não se pode ver, mas que se pode sentir. Almeja estar em todo lugar, buscando ocupar todos os espaços vazios de tal forma que, sem ela, nada que possua vida possa existir. Você está preparado para enfrentá-la? E sua igreja, está?
Conclusão
Se a esperança é a última que morre, é bom você começar a passar o terno para o funeral da catedral. A igreja, conforme a conhecemos hoje, ou muda radicalmente sua forma de ser, seus programas, seus modelos, sua estratégia, sua liderança e até mesmo a forma de anunciar a mensagem da salvação, não subtraindo-lhe as verdades e conteúdos, mas repensando os meios e as formas, ou veremos o cristianismo, como religião institucionalizada, perder cada vez mais espaço para outras confissões, mergulhando assim num ocaso sem precedentes.
Diante de tudo isto, o que me deixa tranqüilo e seguro é saber que, mesmo que esta “peleja” seja perdida, o campeonato, contudo, já está ganho. Aleluia! Haverá um dia onde o Leão da Tribo de Judá, reunindo seus anjos e arcanjos virá buscar a Sua Igreja. Se ela será esta que aí está, não sei. Sinceramente, espero que não! Mas, certamente, existe uma Igreja, invisível e indivisível, aconfessionalista, que ama a Jesus mais que a tudo, que guarda os Seus mandamentos e que espera ansiosamente a Sua vinda. Esta, sem dúvida, nunca sucumbirá, pois está destinada ao triunfo e a vida eterna ao lado do seu “Noivo”.
Meu desejo e minha oração é que, tanto eu, quanto você, estejamos sempre almejando por fazer parte desta Igreja, e que jamais venhamos a ser como os amigos de Quincas Berro D’água, que arrastaram o defunto noite a dentro até ele afundar nas águas profundas do oceano. Que tal não aconteça com as nossas catedrais!
Carlos Moreira
Adoração em tempo integral
Há 6 dias
1 comentários:
Meu caro, mais um excelente texto.
Pena que, como eu, você deve saber que pessoas não leem textos grandes.
Mas as coisas que você escreve têm que ser lidas.
Se posso, gostaria de sugerir que você particionasse seus artigos (I,II, III, etc.). Assim as pessoas não se assustariam em ver um texto grande deixando-o de ler.
Forte abraço.
Postar um comentário