Eu cheguei uma hora antes da partida do trem na estação central de Bruxelas. Meu destino era a cidade de Londres, um sonho de consumo antigo, uma metrópole como poucas no mundo.
Vencida a imigração, um tanto autoritária, sentei-me e fiquei esperando o trem da Eurostar chegar. Imaginei, com um pouco de ansiedade, as maravilhosas horas que se seguiriam. Um dia antes, havia feito o caminho de Amsterdam para Bruxelas, vendo paisagens inimagináveis, campos verdes, moinhos solitários, raios de sol rasgando o cinzento chumbo do céu, um pouco de neve preguiçosa teimando em se manter como cobertor sobre a terra.
Enquanto flertava com meus devaneios, a voz rouca do maquinista – deve haver outro nome, mas eu sou das antigas – informou em francês, inglês e alemão que o trem ia partir. Sentei-me perfilado, olhei pela janela, suspirei com sofreguidão e agucei os olhos para o espetáculo que se seguiria...
Confesso que os primeiros minutos foram um tanto frustrantes, pois a paisagem era aquela de periferia urbana, muitas casas amontoadas, nada mais do que tijolo e cimento. Mas em seguida, quando a cidade foi ficando para trás, o cenário começou a se descortinar. E então, veio a grande frustração! É que o trem não andava, ele voava a mais de 200 km por hora!
Sim, aquele trem deslizava pelos trilhos frios em direção a Londres numa velocidade de fórmula 1. Na verdade, ele é o resultado do progresso, da tecnologia que insiste em me lembrar em que tipo de mundo eu vivo. O trem corre, voa, não apita, não tem fumaça, não faz barulho! Esse é um trem para gente ocupada, que precisa chegar rápido, que tem reunião marcada, que vai enfrentar o trânsito, que precisa remir o tempo.
E foi com tristeza que segui me deslocando para Londres, de forma melancólica, vendo as paisagens borradas, pessoas que não tinham rostos, as imagens me imploravam para se agarrar a janela, mas eram despejadas pela força do vento, ficou tudo sem sabor, sem luz, sem poesia. Corre trem, sufoca a alegria, rasga o tempo porque a hora urge, rouba de nós a beleza do sol fazendo sombra nas árvores, dos pingos de chuva balançando nas folhas, das bolinhas de neve aglomeradas no teto das casas.
Corre trem, ninguém se importa mesmo com a paisagem, o que interessa não é o que há no caminho, mas apenas chegar ao destino. Corre trem, rouba de nós sonhos contidos, sufoca sensações adormecidas, faz a vida acontecer sem graça, com a brevidade que sequestra dos olhos aquilo que poderia virar soneto no coração. Vai trem, corre trem...
E assim eu cheguei em Londres, na hora certa, na estação correta, mas um tanto frustrado. Cheguei cheio de malas e vazio de emoções. A contemporaneidade nos roubou as coisas mais simples, amputou nossa sensibilidade, gangrenou nosso coração. Somos gente de lata, com nervos de aço, somos iguais ao trem da Eurostar, frios, rápidos e precisos.
Londres, inverno de 2015.
© 2015 Carlos Moreira
Outros textos podem ser lidos em http://anovacristandade.blogspot.com
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