Déjà vu, numa tradução literal do francês, “já visto”, é uma reação psicológica do cérebro que acusa que aquilo que vimos, ou sentimos, já aconteceu antes, sem, contudo, jamais ter ocorrido.
Nos trilhos do cotidiano, por entre os becos da vida, tenho encontrado os que sofrem com este mal. São amputados de afetos, solitários inveterados, irresolutos contumazes. Eles sofrem ao ar livre, mas ninguém os percebe. São Déjà vu, gente que geme em voz alta sem ser notada, como o jornal de ontem, levado pelo vento, elas vão e vem pelas calçadas.
Quando a alma desembarca nesta estação, acredite, é porque a vida já esculpiu no mural dos dias muita dor. O tempo desfigura a face e o sofrimento enruga o ser. Existir assim, sem retoques, preto no branco, não é para qualquer um, só gente com duas dobras é capaz de suportar.
“Eu já passei por isso”, eles me afirmam. Com semblante esmaecido, que denuncia ambientes internos vazios, falam páginas inteiras só com a expressão do olhar. “Sim, moço, eu já senti esta dor, eu já andei neste traço, já fui feito parte e pedaço, já me perdi até de mim”.
Hoje eu sei que a amargura produzida pela dor da desesperança caleja o chão do ser e faz ferida no coração. Quem já sofreu com a navalha do destino, desde cedo, desde menino, sabe requentar lágrimas para servi-las no prato da ceia. O que não mata hoje, cala a esperança do amanhã que nunca chega.
Na vida, ou você abre portas ou levanta paredes, ou se escancara para mundos, ou sucumbe asfixiado pelo sofrer. Nada há de novo debaixo do sol, tudo já foi feito, não há nada por se fazer, tudo é Déjà vu, na janela do trem, a paisagem é sempre a mesma, não importa o lado nem a direção, o trilho sempre leva ao mesmo lugar, sempre a mesma estação...
Mas creia, há cura para esta chaga! E nem é preciso unguento ou cachaça, basta embeber o coração em alegria e untar a alma com gratidão. Sim, não há força maior na vida do que um vivente que insiste em sorrir sem motivo, em seguir sem aviso, arando a terra com as lágrimas do caminho, gotas de esperança semeadas no solo seco de cada amanhecer.
E assim, com portas e janelas abertas, a vida convida o sol para o café, faz sala e veste a mesa com toalha rendada de crochê, tecida fio a fio, que nem trabalho de aranha, que desenha na teia pintura tamanha, que artista nenhum consegue reproduzir.
Aprende, portanto, a ser agradecido, bebe com singeleza o teu vinho e come graciosamente o teu pão, pois o sábio ensina que fazendo assim, agradarás a Deus. Vai, então, faze isto e viverás, pois querer mais do que isso é desejar o infinito, e basta a ti ser finito, sombra, silêncio e solidão.
Carlos Moreira