Estamos na pós-modernidade, apesar de muitos ainda acharem que vivemos na idade média. Não há como comparar as manifestações que aconteceram nestes últimos dias no Brasil com nada que, historicamente, tenha ocorrido antes, ainda que os contornos possuam semelhanças com outros acontecimentos libertários, como a “Queda da Bastilha” na França do século XVIII, por exemplo.
Hoje, após um milhão de pessoas saírem às ruas marchando e cantando em mais de cem cidades brasileiras, vimos surgir inquietações de lideranças políticas, sociais, de filósofos e antropólogos que estão em busca de entender o que está acontecendo. Eles perseguem velhos paradigmas e se ocupam com modelos que não servem mais para nos levar a conclusões que, antes, nos saciavam.
Digo isto porque li e ouvi em blogs, nas redes sociais, em canais especializados de informação, pessoas em busca de identificar as lideranças do movimento, a pauta de reivindicações, a agenda com os próximos passos, etc. Ora, quem assim está pensando não analisou o fenômeno com os “óculos” corretos, mas está querendo esmiuçá-lo através de lentes que não mais se adéquam para este fim.
Na verdade, estamos vivendo algo totalmente novo, com uma fenomenologia própria. O que percebemos é que este movimento de protesto é multifacetado, policromático, independente. Ele se articulou através de pequenos grupos, das redes sociais, do marketing viral, não segue as regras que foram utilizadas no passado.
O fato histórico e de suma importância é que o movimento, em poucos dias, conseguiu mobilizar um espectro importante da sociedade, notadamente composto pela classe média, a qual vem reprimindo desejos de manifestações contra as políticas públicas, econômicas e sociais no Brasil. Uma vez que os objetivos mais tangíveis foram alcançados – no que diz respeito às tarifas de transportes públicos – não há mais o que protestar. As pessoas voltam para casa e aguardam uma nova convocação!
Se eu pudesse comparar o que aconteceu, de forma a termos um modelo conceitual, afirmaria que este fenômeno que assistimos é como um furacão, que se forma num determinado momento, concentra uma enorme força reprimida, provoca “estragos” por onde passa e, em seguida, se dissipa. Ele pode se formar novamente, a qualquer instante, bastando que haja condições e fatores necessários para tal.
Ninguém espere que este movimento produza um ícone nacional, ou faça surgir uma nova legenda partidária, ou que se crie a partir dele uma agenda de protestos organizados, etc. Eu acredito que o que o povo descobriu foi uma forma rápida, poderosa e eficiente de se manifestar sem que haja o envolvimento de sindicatos, partidos políticos, associações de classes ou grupos sociais. Se pudéssemos atribuir a um grupo a liderança das manifestações que presenciamos, poderíamos dizer que foi o “grupo dos brasileiros”!
Como se sabe, nem tudo está pronto. E nem era mesmo para estar! O que fica como lição para políticos e governantes é que não há mais como não se aperceber das grandes demandas e insatisfações da sociedade. Não há mais como manipular massas como se fez no passado, utilizando meios de comunicação subservientes e métodos alienantes. Mesmo em meio a uma Copa da FIFA, onde a seleção do Brasil vai bem, o povo foi às ruas deixando claro que a época do “pão e circo” acabou, ficou para trás.
Este novo Brasil que surge não tem um rosto, mas milhões deles, não tem um partido, a não ser aquilo que tome partido em função da coletividade. Este novo Brasil não precisa de canais de TV ou Rádios, usa a internet e as redes sociais – uma mídia que não possui donos – como meio por onde as informações podem trafegar alcançando milhões de cidadãos de forma rápida e objetiva.
O que está acontecendo neste momento, ainda está longe de se poder compreender. Muitos especularão e tentarão dar ao fenômeno uma forma, colocar uma marca, impingir velhas regras e conhecidos controles. Inútil. O que foi, já não é mais.
Daqui há alguns anos, quando falarem do dia 20 de junho de 2013, o dia em que eu e você assistimos a “queda dos poderes”, ainda que ela tenha sido mais moral do que institucional, dirão o seguinte: “era uma vez um país...”, e relatarão o que ocorreu. Hoje, todavia, o que vejo, concretamente, é que nada do que era é mais...
Carlos Moreira