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Jesus dizia a todos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23.

30 novembro 2010

Crente Lady Kate: "Tô Pagano!"

A Revolução Francesa foi sem dúvida um dos eventos mais significativos do mundo ocidental e da sociedade moderna. A França do século XVIII era um país marcado por profundas injustiças sociais. O arcabouço histórico da revolta se construiu em meio a um regime político absolutista, onde a camada inferior da população, formada por trabalhadores urbanos, camponeses e a pequena burguesia comercial, era obrigada a pagar pesados impostos para manter o luxo das classes privilegiadas.


No topo daquela pirâmide estava o clero que, dentre outras prerrogativas, não pagava impostos. Abaixo dele estava à nobreza, formada pelo rei, sua família, condes, duques, marqueses e outros nobres. O rei era absoluto; controlava a economia, a justiça, a política e até mesmo a religião dos súditos. Qualquer tipo de oposição era punida duramente, pois o "contraventor", além de ser enviado a prisão da Bastilha, era, em seguida, guilhotinado.

A insatisfação com aquela situação chegou ao limite em 1789. Vivendo em extrema miséria, a população saiu às ruas com o objetivo de tomar o poder. Avançaram primeiramente para derrubar a Bastilha e, em seguida, invadiram os palácios e as terras da nobreza em busca de tomar o controle do país. Muitos conseguiram escapar, mas a família real foi capturada, e o rei Luis XVI, juntamente com sua esposa Maria Antonieta, foi julgado e guilhotinado em 1793. Nem o clero foi poupado, pois os bens da igreja foram todos confiscados.

Os contornos estruturais que marcaram o desencadeamento da Revolução Francesa são muito parecidos com a situação da Igreja em nossos dias. Como bem disse o sábio do Eclesiastes, as gerações mudam, mas o “espírito” humano permanece o mesmo. Olho para o que está aí e surpreendo-me com tamanha semelhança. Os fatos são arquetípicos além de fenomenológicos.

Se não, vejamos: o que temos em nossos dias que não uma elite espiritual privilegiada, supostamente dotada de pedigree sacerdotal, vivendo no luxo e na benesse, com seus “líderes” – não seria melhor dizer gestores? – e seus cantores – não seria melhor dizer atores? – refestelados em mansões, andando com carros de grife importada, voando em jatinhos e helicópteros, vestindo ternos italianos e comendo das “iguarias da corte”, enquanto a grande massa da população vive na pobreza ou na miséria?

O que temos hoje senão o tráfico de influência religiosa, o conluio político para a concessão de rádios e canais de TV que, supostamente, divulgam o “reino” de Deus, mas que, na prática, apenas aumentam o poder e a riqueza do “reino dos homens”? O que temos hoje senão a prática de se efetuar barganhas com o sagrado operacionalizadas através da cobrança perversa de “impostos celestes” que têm como único alvo o espólio desmedido de gente incauta e desesperada?

Posso continuar? O que temos hoje senão a pregação fraudulenta de doutrinas bíblicas aberrantemente distorcidas, aplicadas de forma maliciosa, com vistas a estimular a crença em promessas absurdas que, supostamente, trarão a solução para problemas financeiros, conjugais, físicos, espirituais e de toda e qualquer outra sorte? O que temos hoje senão a alienação da consciência, o esvaziamento dos valores éticos, o anestesiamento dos “sentidos” do coração e tudo em favor da catarse cultual, da serialização da “vida” e da commoditização da doutrina?

Vou lhe dizer o que penso. O que temos hoje é a anatomia de uma tragédia anunciada se desenhando silenciosamente debaixo de nossos olhos! O que temos hoje é uma multidão de milhões de pessoas sendo pressionadas, roubadas e enganadas por uma gangue de feiticeiros do sagrado. É gente que, iludida, está em busca de um “Deus performático”, uma divindade que está obrigada a satisfazer as demandas de seus “clientes” a qualquer custo.

Eis o maior dos absurdos: Deus colocado contra a parede tendo que cumprir o que, supostamente, está dito em Sua palavra! O Todo-Poderoso sendo vítima de extorsão para realizar milagres de prateleira: é o problema da falta de emprego, da restauração do casamento falido, do pagamento da dívida do aluguel, da eliminação da ação de despejo, do destravamento do processo judicial, da limpeza do nome no SPC, da libertação do encosto encomendado na macumba, e por aí vai... É tanta bizarrice que eu poderia encher um livro com estas loucuras.

Olho para a cristandade e vejo uma multidão de “crentes Lady Kate”. Você sabe de quem estou falando? Trata-se de uma personagem interpretada pela atriz Katiuscia Canoro no programa humorístico Zorra Total da Rede Globo. Lady Kate é uma aspirante a socialite que vive a todo custo tentando entrar para o High Society. Apesar da origem humilde, Kate herdou a fortuna deixada pelo marido, um senador rico, que, desgraçadamente, "bateu a caçuleta". Enfeitiçada com as novas possibilidades que o dinheiro lhe proporciona, Lady Kate vai em busca do "gramour, causo de que grana ela já tem".

O “crente Lady Kate” é aquele ser que quer por que quer que a vida se transforme num passe de mágica e, para tal, está disposto a pagar o “pedágio religioso” para que “seu milagre” se materialize. Minha questão é bem simples: até onde isso vai? Até quando as pessoas que estão sendo iludidas continuarão pagando esta conta? Sim, porque assim como Lady Kate, que usa o bordão “que que é? Tô pagano”, essa “moçada” também vai querer receber o seu bocado, pois, sem dúvida alguma, eles estão pagando, e pagando muito caro!

Quer saber no que eu acredito: acredito que em muito pouco tempo toda esta farsa vai cair! Acredito que esta multidão de gente espoliada e enganada vai se revoltar, assim como aconteceu na Revolução Francesa, pois eles estarão exaustos de pagar tanto “imposto” travestido de dízimo, e não ver nada acontecer. Estarão fartos de ver “pastores”, “bispos”, “apóstolos”, e outras “divindades” enriquecendo a custa de sua inocência, de seu desespero e, não raro, de suas excentricidades.

Espero firmemente que a farsa termine e que a farra acabe! No que depender de mim, como profeta do Senhor, continuarei a denunciar este estelionato, este anti-Evangelho, esta deformação de fé em Jesus Cristo. Estarei incansavelmente pregando, escrevendo, e fazendo tudo o que estiver ao meu alcance para que este engodo seja, em fim, revelado aos olhos de todos.

Minhas orações estão centradas para que Deus, no zelo que tem por Sua palavra e pelo Seu povo, interfira com justiça e juízo sob tudo o que está sendo feito. Meu desejo é que Ele haja logo, antes que venhamos a experimentar o que hoje acontece na Europa, onde as catedrais viraram boates e o povo nada quer saber sobre Jesus.

Na Revolução Francesa, o destino da família real não poderia ser pior: a guilhotina. Fico pensando que destino espera aqueles que estão profanando a Palavra do Senhor e enganando o povo que foi comprado pelo Sangue do Cordeiro? Não desejo nenhum mal a ninguém, mas se esta moçada for parar no inferno, poderá, usando outro bordão da Lady Kate, fazer a seguinte barganha com o capeta: “que que é ô seu diabo! Descola aí um lugarzinho meior pra nós, causo de que grana nós tem; o que só nos falta-nos é o gramour”. Pois é, se isso acontecesse, sabe o que eu acho que o “tinhoso” responderia: “tá amarrado!”.


Carlos Moreira

29 novembro 2010

Medos de Quem tem Medo


A capa da revista Veja deste último final de semana estampou a notícia: “O Dia em que o Brasil Começou a Vencer o Crime”. Com uma ação coordenada entre as Polícias Militar, Civil, Federal, o Grupo de Operações Especiais – BOPE, Tropas do Exército, e tudo isto suportado por centenas de viaturas, helicópteros, blindados, tanques de guerra dos Fuzileiros Navais, os traficantes do Rio de Janeiro sofreram, talvez, o seu mais duro golpe em décadas.

Além da ação na favela Cruzeiro e no Complexo do Alemão, outras intervenções externas eram realizadas simultaneamente, como a transferência de chefões do tráfico para outros estados, a prisão de familiares dos traficantes, o bloqueio de bens, a decretação da prisão de advogados, uma ação de inteligência e ousadia do Governo do Estado e da Prefeitura que parece ter atingido, pelo menos até agora, resultados satisfatórios. Mesmo depois de termos assistido a série de barbáries proporcionadas pelos contraventores, com carros e ônibus incendiados, piquetes em avenidas, tiros disparados contra policiais, correria, comércio fechado, escolas inoperantes, parece que o saldo final foi positivo, pois as favelas estão controladas pelas forças de segurança e os bandidos presos.

Este não é um fato isolado. A verdade é que no mundo pós-moderno, cada vez mais, vivemos com medo. Criei interesse pelo tema e fui estudá-lo. Na minha análise, observei que existem determinados tipos de medos que são universais e atemporais. Rosemeire Zago, psicóloga clínica com abordagem jungiana, afirma que “o medo é uma reação protetora e saudável do ser humano e que ele se manifesta sempre que há uma ameaça à vida”. Este é o medo, digamos, saudável. Mas também existe o medo danoso, aquele que marca as pessoas e gera seqüelas na existência e que nasce quase sempre das experiências negativas e ameaçadoras que nós experimentamos.

Fato é que o nosso inconsciente não consegue diferenciar a fantasia da realidade, nem mesmo o passado do presente. Por isso muitos de nossos temores estão associados a coisas que vivenciamos e que nós, muitas vezes, não sabemos nem mesmo de onde vêm. Em muitos casos, esse tipo de medo surge, além dos perigos iminentes e reais, de certas associações que fizemos ao longo da vida.

Medo mata! Aliás, não somente ele, mas a ansiedade, que é a versão civilizada do medo, também pode matar. É por isso que os psicólogos dizem que o medo é o câncer da alma. E pior: quanto mais o negamos, mais poderoso ele se torna em nós. O medo é angustiante, apavorante, e, em algumas situações, paralisante. A vida pode ser comprometida por causa do medo. As dificuldades vão desde problemas relacionais, passam pelo comprometimento no exercício de atividades profissionais, e podem até mesmo chegar a gerar problemas físicos, as chamadas doenças psicossomáticas. Os casos mais agudos dão origem as síndromes do pânico, essa muito associada a tensões e temores do mundo contemporâneo.

Você tem medo? E tem medo do que? Ora, de tanto aconselhar pessoas, de ouvi-las em suas dores e dramas, acabei constatando que existe um conjunto de “medos genéricos”, sensações e sentimentos que são comuns as pessoas. Usando o Salmo 91 como pano de fundo para esta análise, uma vez que é um Salmo escrito durante um período de guerra, ou seja, numa situação onde surgem todos os tipos de medos, vamos tentar identificar, através da análise hermenêutica contextualizada, quais são estes medos presentes na vida das pessoas.

O primeiro medo é o medo da morte – Sl. 91:6 “Não te assustará... a mortandade que assola ao meio-dia”. Segundo Elizabeth Kubler Ross, nós vivemos numa cultura de negação da morte, por isso evitamos hospitais, funerais, doentes terminais, e tudo que nos remeta ao fim da existência. O fato é que este medo da morte está muito associado às incertezas que existem sobre o além. Samuel Johnson escreveu “não importa como uma pessoa morre, mas sim como ela vive”. E Paulo afirma, “completei a carreira e guardei a fé!”. Gosto muito da forma como Leonardo Boff fala da morte. Ele afirma que nós não estamos rumando para o fim, mas avançando para o começo, pois nossa vida foi predestinada para aquilo que ainda está adiante. Neste momento, estamos indo de encontro ao nosso nascimento, e isto com vistas a realizarmos aquilo que Deus planejou, portanto, somos o agora e o ainda-não!

O segundo medo é o que falamos no começo, o medo da violência. Sl. 91:7 “caiam mil ao teu lado, e dez mil, à tua direita; tu não serás atingido”.  A vida humana perdeu o valor e o significado. Mata-se uma pessoa por questões banais, por uma discussão no trânsito, por um tênis, pela inveja, pelo poder, pela ganância. Com 20 ou 30 reais você pode extinguir a vida de uma pessoa. Este medo da violência nos trancafiou dentro de nossas casas. Temos medo de qualquer pessoa que tenta se aproximar de nós, nem mesmo com os vizinhos queremos relacionamento. Nossas “trocas” agora são virtuais, pois imaginamos estar protegidos atrás do computador. Ledo engano. Centenas de crimes são cometidos pela internet, desde os financeiros, até seqüestros, com pessoas seduzidas em sites de relacionamento.

O terceiro medo é o medo do futuro. Sl. 91:10  “nenhum mal te sucederá, praga nenhuma chegará à tua tenda”. A música popular diz: “como será o amanhã, responda quem puder, o que irá me acontecer...”. Nós vivemos num mundo onde, economicamente, os recursos são cada vez mais escassos. O capitalismo produziu um estilo de vida sufocante, onde as pessoas têm de sobreviver a qualquer custo e, para tal, vale tudo: passar por cima de regras, da ética, dos valores absolutos, pois o que vale é a negociata, o conluio, o suborno, uma vez que, no final, vencerá aquele que for mais “esperto”. É nesta perspectiva que o existencialismo de Sartre afirma que “o inferno é o outro”. Sim, o outro quer tomar o meu lugar, roubar a minha mulher, ocupar o meu cargo, morar na minha casa, desfrutar daquilo que deveria ser meu. É daí que surgem os transtornos de ansiedade, as doenças psicossomáticas, as demandas por diazepínicos, muletas existenciais que utilizamos para ter condições de tomar o transporte e encarar a rotina da vida. Disse Mário da Silva Brito “quem muito pensa no futuro, perde o presente”. 

O quarto medo é o medo do fracasso. Sl. 91:11 “porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos”.  Existimos na sociedade dos campeões. Você tem de chegar ao topo, tem de ser o melhor, o mais bonito, o mais bem sucedido, o que mora no melhor bairro, no melhor apartamento, que trabalha na melhor empresa, que tem os filhos no melhor colégio. Ai de quem fracassar! Ai do empresário que falir! Ai da mulher de meia idade, cheia de dores e de filhos, que foi abandonada pelo marido! Ai daquele que foi surpreendido em pecado, pois a “plebe” urge e grita “crucifica-o!”. Ai do homem de meia idade que não se recoloca mais no mercado, ai da mulher que não conseguiu casar, ai daquele que sucumbiu a depressão, ou que foi atingido por um câncer. As pessoas têm medo de perder, de cair, de beijar a lona. Judith Vriost afirma em seu livro “Perdas Necessárias” que nós só cresceremos quando aprendermos a perder, por isso, dê significado as suas derrotas, encontre lições em seus fracassos, tire da dor princípios para a vida, e da amargura valores para o ser. Diz o salmista, “não dormitará aquele que te guarda... ele guardará a tua entrada e a tua saída”. Aprenda a confiar e lembre-se “a maior perda é a das coisas que nunca tivemos” Mauro Motta.
 
Outro medo muito comum, o quinto, é o medo de amar. Sl. 91:14 “porque a mim se apegou com amor, eu o livrarei; pô-lo-ei a salvo”. A alusão do salmista é o amor de Deus por nós, mas eu bem que posso transportar isto para o amor que envolve um homem e uma mulher. Hoje ninguém se apega mais a ninguém, por isso “ninguém está a salvo”! Estamos na sociedade dos descartáveis, pois aprendemos a amar as coisas e usar as pessoas. “tem gente que pensa que gente se entrega a outra gente e nada acontece. Tem gente que se dá a outra gente sem saber que a gente é feita de gente. Tem gente que se ilude com a idéia de que gente não transfere gente para outra gente. Tem gente que não entende que gente é contagiada quando se faz ‘um’ com outra gente.” Caio Fábio. Eis uma realidade! Gente reciclando relacionamento, passando de mão em mão, simbiotizando a alma com toda sorte de ser, e ainda diz que o bom é experimentar a variedade. Coisa nenhuma! Quanto mais relações mais distorções, mais confusão sentimental, mais referências cruzadas, a pessoa acaba perdendo a noção do que é amor, pois tantas são suas experiências que ela já não distingue o bom do ruim. Amor não é um sentimento, mas uma decisão. Esta é a cura para este mal: “o verdadeiro amor lança fora todo medo... o amor tudo crê, tudo suporta, tudo espera”.

O sexto e último medo é o medo da solidão. Sl. 91:15 “Ele me invocará, e eu lhe responderei; na sua angústia eu estarei com ele”. A violência nos aprisionou em nossas casas. A tecnologia nos transportou para mundos distantes sem sair do lugar. Nossa vida se tornou impessoal, não relacional. É um tempo de impermanência, onde a existência de qualquer coisa duradoura está ameaçada. As pessoas se relacionam como empresas, fazem “contratos” de curta duração, pois não existem mais projetos de longo prazo, tudo é perecível. Por isso canta o poeta Cazuza: “solidão a dois de dia faz calor depois faz frio”. É a vivência que não gera conjugalidade, que não gera relacionamento, é apenas sexo e diversão, não existe renúncia, não existe amor, não existe doação. Vivemos na cultura da imagem: corpo sarado, mas a mente vazia; é a supervalorização do invólucro remendado pela plástica, a despeito das celulites e rugas, mas que vêm acompanhadas de precioso conteúdo existencial. É a tirania do se fazer acompanhar, pois é melhor estar mal acompanhado do que só. Que tragédia! Deus te diz: “nunca te deixarei, jamais te desampararei”. Viver de forma solitária, mas reverente para consigo mesmo, pode ser uma escolha difícil, mas que eliminará de tua vida muitos males. Quanto a isto não tenha dúvidas, pois é o que a vida tem me mostrado.    

Em minhas análises encontrei estes que são os medos de quem tem medo. Se você os identificar na sua vida, saiba: não há nada de anormal com você. Apenas, com coração apaziguado pela graça e com a alma pacificada pela fé, busque vencê-los, pois aquele que conhece a Deus é liberto de todos os seus temores. Diz o salmista “clamou este aflito, e o Senhor ouviu, e o livrou de todas as suas tribulações”. Por isso, não tema, mas apenas confie...

Carlos Moreira

28 novembro 2010

Uma Conversa com o Nazareno

Entrei no bar por volta das dez da noite, queria tomar uma cerveja, relaxar. Não planejava encontrar com ninguém, queria mesmo era ficar só. Pra falar a verdade, eu admitia outras presenças, mas não as pessoas que eu conhecia. Será que eu as conhecia mesmo?

Pedi ao garçom uma Bohemia. Não estava gelada, mesmo assim tomei-a rapidamente, sorvendo-a em grandes goles. Eu estava com "sede"!

Foi só depois da terceira garrafa que olhei na mesa ao lado e tive uma grande surpresa. Lá estava ele, tomando uma cerveja como eu. Esfreguei os olhos como sempre fazia quando via coisas que não deveria ver e voltei a olhar para a mesa do lado. Para o meu espanto, era mesmo ele, bem ao meu lado, num bar, Jesus de Nazaré.

Não estava usando roupas brancas e reluzentes como o pintaram os artistas renascentistas, nem muito menos tinha cabelos longos e olhos azuis, como o Cristo ariano. Antes, os seus cabelos eram curtos e crespos.


Olhei para a sua mesa e vi com espanto que ele estava na quarta cerveja enquanto eu tinha tomado apenas três. Neste exato momento, ele olhou para mim com simpatia e profundidade, ergueu o copo americano no qual bebia e propôs um brinde a distância.

Depois disso me convidou para sentar com ele a sua mesa. Não hesitei, ergui-me um pouco zonzo e num pulo só fui até onde ele estava. Ele sorriu carinhosamente e disse: “você parece um pouco triste”.

Respondi com uma avalanche de perguntas: “O que você faz aqui? Por que freqüenta este lugar? Ele é digno de você? Isto não é contra os princípios religiosos?

Ele me olhou outra vez, agora com ar inquiridor e fez uma pergunta retórica; “Por que não freqüentaria?”

“Bom, eu achei que o seu lugar fosse na igreja, nos altares, nos sermões, compondo os credos... Ele me respondeu: “Altares são prisões, sermões são meras peças oratórias, credos são fórmulas vazias, como, aliás, também são vazios os seus formuladores.

Na verdade, estou aqui porque me expulsaram dos templos, enxotaram-me de lá, construíram uma estrutura na qual não havia lugar para a verdade, por isso venho sempre aqui.

“Mas não foi você mesmo que fundou a igreja e que chamou os apóstolos? Nos evangelhos não estão escritas as suas palavras que dizem: “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja? Não foi você quem disse isso?”

“Você não entendeu nada do que eu disse, nem você e nem aqueles que se dizem meus seguidores. Você não entende o que eu falo por que as suas idéias são preconcebidas. Mesmo antes de se dirigir a mim, você já tinha um arcabouço de idéias prontas na cabeça. Você procura em mim apenas a legitimidade para endossar aquilo que você já decidiu que era verdade!”

“Viu, por exemplo, como você achava que eu não poderia estar aqui neste lugar? A essa altura, depois de ter lido tantas vezes a Bíblia, e de ter freqüentado tanto a igreja, você já deveria saber que são as pessoas que fazem o lugar e não contrário”.

Dito isto ele tomou um grande gole de cerveja e continuou: “Vocês não dizem que eu sou onipresente, por que eu não estaria aqui também? Ah, já sei, estes jargões só servem para algumas situações, para outras não, não é?”

“Vocês cristãos de brincadeirinha me transformaram em um fantasma, em um ghost no melhor estilo platônico, mas quando o meu pai resolveu enviar-me para o seu planeta, a primeira coisa que fez foi tornar-me homem. A expressão “se fez carne” lhe diz alguma coisa?”


“Eu sou carne, como você. Eu não sou nada do que disseram de mim. Eu não flutuo, não pego carona em nuvem de algodão, não sou transparente como vidro... sou carne entende? Isso mesmo amigo, carne”. Disse tudo isso enquanto eu o olhava atônito.

“Minha carne, porém, não me aprisiona, como faz a sua no melhor estilo grego. Nesse particular, reconheço, sou legitimamente judeu. Para mim, o corpo é meio de vida e não instrumento de morte. Dionísio e não Apolo, entende?”

“E tem mais, a imagem que a tradição cristã preservou de mim não é nada do que eu queria. A cruz foi real e dolorosa, mas não era ela que eu queria ver associada ao meu nome.” Nessa hora, parei, respirei fundo e disse: “Me perdoe, mas você está louco”. “Não era como um moribundo desfigurado e ensangüentado num madeiro que eu queria ser conhecido pela posteridade. Gostaria de ter ficado marcado na mente de vocês de outra forma”. Ele continuava falando, e cada palavra era uma sentença, uma flecha encravada nas minhas convicções.

Neste ponto interrompi-o e perguntei: “E como você gostaria de ter sido lembrado pelos homens que vieram depois de você?” Ele sorriu e me disse: “Como mestre, como professor. Eu queria ter sido associado com alguém que ensina e não com alguém que morre violentamente. Os que morrem violentamente só suscitam horror e pena”. Eu continuava a escutá-lo, mas agora já não mais o inquiria.


“Gostaria que quando as pessoas se lembrassem de mim, a imagem que viesse a cabeça delas fosse a de alguém entre elas, misturado com os homens, instruindo-os. A grande falácia da religião foi me separar das pessoas, retratarem-me numa cruz longínqua fincada no topo de um monte sombrio”.

Depois continuou: “Pense nisso amigo, reflita sobre estas coisas. Era em um bar que eu planejava me encontrar com você, e não em um templo, embora tenha ido lá algumas vezes”. Tendo dito isto, pagou a conta, levantou-se e desapareceu pelos becos escuros da cidade enquanto os cães latiam ao vê-lo passar.

Quanto a mim, precisei de alguns minutos para me recompor de tudo quanto ouvi do nazareno. Quando voltei à razão, o copo logo a minha frente estava vazio, como se alguém tivesse acabado de bebê-lo.


André Pessoa via Século XXI

26 novembro 2010

Enterrado Vivo


“Deus está morto, e o seu túmulo é a igreja”. A frase famosa de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, filho de uma família luterana, homem que pensou em seguir o sacerdócio, mas que “rejeitou a fé” durante a adolescência para dedicar-se a filosofia, é de chocar, a primeira vista. Mas para entender o pensamento de Nietzsche, primeiramente, você deve lê-lo. Criticá-lo utilizando-se de frases feitas por fundamentalistas é por demais clichê. A leitura de um filósofo é como a leitura de um profeta, nunca deve ser feita fora de sua matriz existencial, de seu tempo, sua cultura e sociedade. São estes matizes históricos que constroem o mosaico sobre o qual o pensamento e as palavras de alguém ganham significado.

As críticas de Nietzsche ao cristianismo e as suas asseverações sobre a “morte de Deus”, sobretudo aquelas encontradas no livro “Assim Falou Zaratustra”, precisam levar em consideração a herança medieval que a igreja de seu tempo trazia consigo. O “Deus” que o filósofo afirma que está morto é o ídolo que entorpece os sentidos e percepções humanas, o ser castrador, manipulador e egocêntrico criado pela Instituição, o “Deus” do dogma, da repressão, do medo e da punição.

Se Nietzsche vivesse em nossos dias, observando as aberrações praticadas em nossas igrejas, seus escritos seriam transmutados de profanos para proféticos! O que se faz hoje, comparado com o que se fez na Idade Média, transforma os monstros da santa inquisição em criancinhas dóceis de escola dominical.

Creia-me, em termos de bizarrice, deformidade, estelionato e manipulação, nada se compara ao que estamos assistindo ao vivo e em cores nos cultos de algumas denominações, nos shows gospel de astros evangélicos, nas campanhas e correntes de fé, onde o sincretismo associa práticas judaizantes, religiões de mistérios, macumba, feitiçaria e espiritismo, tudo em nome de Deus!

Essa afirmação de Nietzsche de que o túmulo de Deus é a igreja não é despropositada. No passado, era prática comum enterrar as pessoas dentro de igrejas, sobretudo aquelas que possuíam maiores posses. Famílias influentes, ricas e poderosas, tinham seus próprios jazigos nos corredores e assoalhos das catedrais e igrejas. Sacerdotes também eram enterrados no “solo sagrado”, sobretudo em locais próximos ao altar ou mesmo abaixo dele.

Com a pandemia da peste negra na Europa do século XIV, que dizimou aproximadamente 75 milhões de pessoas, o sepultamento em igrejas tornou-se algo inviável.

Nessa época, sobretudo por questões de saúde pública, os cemitérios começam a ser implantados nos grandes centros. Assim, os sepulcros sacros, tanto do lado de dentro quanto do lado de fora das igrejas, foram totalmente abandonados, ficando a prática restrita apenas ao clero que, em determinados lugares, ainda mantinha o ritual.

Tudo isso me veio à mente porque eu tenho considerado a igreja dos nossos dias como cemitério de gente, com uma distinção fundamental em relação ao passado: hoje as pessoas estão sendo enterradas vivas! Desgraçadamente, elas vão sendo sepultadas paulatinamente, em doses homeopáticas. A afirmação é terrível, mas a explicação é lógica e simples.

O sujeito existe no mundo sem Deus, sem qualquer tipo de espiritualidade ou de relação com o sagrado. Não raro, sua vida está arrebentada, ele vive desacreditado de tudo, desencontrado de quem de fato é, de sua própria alma, cético e, por vezes, cínico.       

Em muitas situações, sua família está esfacelada, isso quando ele já não vem separado. Os filhos, em muitos casos, são outro grande problema, pois ou cresceram com péssimas referências, ou estão sendo criados pela TV e pelas babás.

Sexo é outra dificuldade. A grande maioria vem de relacionamentos reciclados, com parceiros dos mais diversos com os quais trocaram não apenas fluidos, mas, sem perceber, simbiotizaram suas próprias almas e espíritos com gente de todo tipo. Isso dilui o ser, torna a substância interior uma pasta, muda referências e até padrões comportamentais e psicológicos.

Não bastasse tudo isso, há questões periféricas, mas que também são importantes. Por exemplo: a vida financeira quase sempre está desarrumada. Movidas pela concupiscência dos olhos e pela necessidade de manter aparências, as pessoas de nossa sociedade fazem do cartão de crédito uma arma apontada para suas próprias cabeças! 

Ética é também outro tema confuso. Isso aparece mais claramente quando estamos tratando de práticas profissionais. Percebo que em muitas situações, para manter privilégios ou garantir oportunidades, pessoas estão dispostas a relativizar o absoluto e absolutizar o relativo, negociam tudo, até suas próprias almas, se preciso for.
 
Quando uma pessoa chega a uma comunidade de fé com toda essa bagagem, naturalmente espera que ali possa encontrar pacificação e alívio. Mas a ilusão dura pouco, apenas o tempo necessário para ela constatar como as coisas, de fato, funcionam...

A máquina institucional-religiosa é cruel e não poupa ninguém. Não há fé que resista, não há paixão que suporte. A morte compulsória começa justamente aí, é o enterro antecipado, o sepultamento desdobrado em módicas parcelas.

Massacrado por práticas perversas, dogmas irrefutáveis, liturgias alucinógenas, ritos, mitos, medos e modos, além de um compêndio de doutrinas bizarras, que vão dos absurdos “usos e costumes” até o pagamento do imposto-dízimo, o fiel vai tendo a sua consciência cauterizada, suas emoções anestesiadas. Suas inquietações vão aumentando ao invés de diminuírem, e suas contradições vão se tornando ainda mais realçadas. Em resumo, o indivíduo passa a viver na igreja em situação pior do que vivia fora dela. Pode?!

De fato, creio que a igreja tornou-se novamente um cemitério, um lugar onde a morte é mais propagada que a vida. Ela vem embalada de várias maneiras: nas leis eclesiais, nas proibições, nas castrações, na propagação do medo – medo do inferno, do diabo, do castigo, da alegria, da diversão, da cultura, do saber, e até medo de Deus!

A cada domingo, a cada culto, a cada pregação, o sujeito vai perdendo a vida, não da forma como Je -sus falou, que é a perda que produz ganho, mas da pior forma possível, a perda que produz frustração e angústia existencial.

Há muitos anos, aprendi algo importante: o lugar mais rico da terra é o cemitério. Sim, o cemitério é o lugar onde muitos sonhos foram enterrados. Nele há livros que nunca foram escritos, canções que nunca foram compostas, ideias que nunca se materializaram, negócios que jamais se realizaram e relações que nunca foram a lugar algum. Tudo, absolutamente tudo ali foi tragado pela morte. É um tesouro incontável, mas que não tem qualquer proveito.

Como é triste ver igrejas se transformarem em cemitérios. Como é de estarrecer ver pessoas sendo enterradas vivas! Não morra desta forma! Não perca sua alegria, não permita que sua esperança sucumba, não consinta com o sepultamento de sua consciência, de sua razão, de sua autocrítica, sua sensibilidade, seu gosto pelo belo, pela arte, pela música, pela dança, pelo amor!

Fuja de todo radicalismo, de toda ortodoxia neurótica, de todo fundamentalismo insano, de toda dog-matização presunçosa. Nada disso tem a ver com o Evangelho ou com Jesus de Nazaré, pois seu convite é para que experimentemos a vida, nunca a morte!

Georges Clemenceau, jornalista francês, escreveu: “Os cemitérios estão cheios de pessoas insubstituí-veis”. Tenho convicção de que para Deus você é irrepetitível e insubstituível! Ele não lhe vê como mais um, pois você não é um número nem um rosto na multidão. Não é apenas um dizimista, ou alguém que executa funções na igreja. Para Deus, você é singular!

Muito em breve chegará o dia em que serei sepultado. Não sei quem fará o ofício, mas espero um funeral de categoria, com muita música e alegria.


Quero que celebrem a minha vida, nunca a minha morte, pois, naquele momento, estarei indo de en-contro para aquilo a que fui predestinado, para ser integral, conhecer como sou conhecido, para não mais ver por espelho, mas face a face, existir em es-sência, com corpo ressurreto e vida eterna.

Apesar de tudo isso, não estou com nenhuma pressa de morrer e muito menos de ser sepultado antes da hora, principalmente, porque ainda estou vivo! E mais: Deus não está morto, mas vive, não pode, todavia, ser algemado a uma religião, pois, por sofrer de claustrofobia, não é possível ser contido ou enclausurado. Quem puder entender que entenda...



Carlos Moreira

25 novembro 2010

O Funeral da Catedral


Introdução


“Quincas Berro D’água”, personagem do livro de Jorge Amado, era um funcionário público, pai e marido exemplar, até a sua aposentadoria. Daí para frente, jogou tudo para o alto e passou a viver no baixo meretrício de Salvador, afundado na bebedice e na jogatina. Quincas morreu de forma triste e solitária. Os amigos, sentindo sua falta, foram ao seu encontro e, sem perceber que ele estava morto, pois estavam embriagados, saíram arrastando-o pelos bordéis da cidade. A gandaia só foi terminar de manhã, num saveiro, onde Quincas, que estava jogado num canto do barco, escorregando pela beirada do mesmo caiu ao mar e desapareceu nas águas da Bahia.


Quando olho para o cristianismo de nossos dias, para a instituição que o representa – a igreja –, para os postulados que tenciona defender, para as convicções que almeja fomentar, para as transformações que pretende introduzir, para os conteúdos que propõe anunciar, para os líderes que consegue produzir, para as dores que deseja aliviar, acabo achando tudo muito parecido com a história de “Quincas Berro D’água”. No fundo, a sensação que tenho é que nós estamos arrastando um “defunto”, talvez até, sem perceber!


Um dos piores problemas do cristianismo sempre foi a sua falta de senso crítico. De fato, de Constantino até os nossos dias, a fé cristã “evoluiu” bastante como religião organizada e institucionalizada, tornando-se, sem dúvida alguma, um fenômeno de massa, um “sucesso”! Entretanto, do meu ponto de vista, involuiu drasticamente como proposta de ressignificação da existência e de apaziguamento do ser através de uma relação íntima com Deus por meio de Jesus Cristo. Myles Munroe, conferencista internacional, no seu livro “Understanding your Potential”, afirma que “o sucesso é o grande inimigo do progresso”. Ele usou a expressão para se referir aos riscos existentes em todo empreendimento quanto ele alcança um expressivo êxito em seus objetivos. Diante do pressuposto, pensei: não seria esta uma das causas que tem levado a igreja ao explícito enfraquecimento atual?


Uma Crise Global: Ética, Moral e Espiritual


O fato é que o cristianismo enfrenta problemas sérios, e isso não tem mais como ser escondido. A exceção de algumas partes do continente Africano, onde os números atestam para uma expressiva adesão a fé em Jesus Cristo, a despeito de qualquer ligação confessional, em boa parte do resto do mundo a coisa vai de mal a pior.


No continente Asiático somos, simplesmente, insignificantes. O Hinduísmo, o Islamismo e o Budismo são maioria absoluta. A famosa Janela 10/40, uma faixa de terra que vai do oeste da África até a Ásia, revela que cerca de 3,2 bilhões de pessoas, que vivem em 62 países, ou seja, mais de 50% de todos os habitantes do planeta, ainda não foram evangelizados. Neste território estão contidas megalópoles como Tóquio, Calcutá, Bagdá e Bancoc. Dados da Junta de Missões Mundiais atestam que no Japão existem 3% de evangélicos, na Índia 1%, no Iraque 0,5% e na Tailândia 0,3%, que são, respectivamente, os países destas cidades citadas anteriormente.


Na Europa, um dos lugares onde a crise é mais grave, a falência do cristianismo é um fato concreto e, talvez, irrecuperável. No velho continente, a igreja cristã, tanto Católica Romana, quanto Protestante, está agonizando. Na Itália, por exemplo, país onde 95% da população está vinculada a Sé de Roma, só 30% vai à igreja. Na França, há cidades onde os Mulçumanos são maioria absoluta em relação aos Cristãos. 40% dos britânicos, tradicionalmente Protestantes, declararam não acreditar em Deus. Em artigo recente, a jornalista Adele M. Stan, articulista do jornal New York Times, escreveu que “a rejeição da Europa ao catolicismo tem menos a ver com a perda da espiritualidade e mais com a falência da instituição”.


Mas a crise não para por aí... Nos Estados Unidos e no Canadá o cristianismo também entrou na UTI. Na América os escândalos de pedofilia da Igreja Romana abalaram o mundo todo, tendo inclusive desencadeado uma forte reação do Vaticano e, em ambos os países, as igrejas Protestantes, algumas de origem histórica, sobretudo a Igreja Episcopal, vem enfrentando graves problemas de desvios doutrinários com questões ligadas a uniões de pessoas do mesmo sexo, inclusive sacerdotes. Um escândalo sem precedentes...


Brasil: Mostra a tua Cara


No Brasil, maior país Católico Romano do mundo, que representa quase metade da América Latina, a crise não parece ser perceptível, porém, certamente, mais cedo ou mais tarde, será. A fé cristã continua perdendo sistematicamente fiéis para as religiões de origem Afro e também para as seitas espiritualistas. Outro fato preocupante é a migração adensada, sobretudo nos últimos 15 anos, de fiéis tanto da Igreja Romana, quanto da Evangélica – tradicionais e históricos – para as chamadas igrejas Neo-Pentecostais.


O neo-pentecostalismo no Brasil é um capítulo à parte. Ele tem como precursor a Confissão Positiva de Gossett e Hagin nos Estados Unidos, na década de 1980. Seu arcabouço teórico é o que denominou-se chamar de “Teologia da Prosperidade”, uma doutrina baseada em promessas de sucesso e felicidade. A estratégia eclesiástica, que tem arrebanhado milhões de pessoas, está baseada no trinômio: discipulado manipulativo, hermenêutica tendenciosa e cultos de catarses. Numa época de “igrejas cegas”, uma que tem um olho vesgo vira majestade!


Não se deixe iludir, a situação é gravíssima! Não acredite em estatísticas triunfalistas, elas são fraudulentas! Infelizmente o último censo do IBGE não contemplou a questão das pessoas que abandonaram igrejas. Gente séria, que lida com dados, estima que o número de evangélicos “desviados” é superior ao número dos que afirmam pertencer a alguma denominação. Se de fato representamos algo em torno de 25 milhões de pessoas, temos, pelo menos, o mesmo número de gente que, tendo aceito de bom grado a mensagem da salvação, acabou vindo a rejeitar a mensagem e o proceder da igreja. Agora, imagine o que acontecerá quando esta legião de gente iludida, que hoje encorpa as fileiras das igrejas Neo-Pentecostais, se decepcionar com “Deus” por não ter recebido a “benção” que lhes foi prometida? Viraremos o novo continente Europeu, onde as catedrais tornaram-se boates? Deus se apiede de nós!


Olhando para Dentro Antes de Olhar para Fora


Se quisermos ser honestos e verdadeiros, veremos que a Igreja Cristã como um todo não está preparada para enfrentar os desafios do século XXI. Aliás, aqui cabe, inclusive, perguntar: você acha que a igreja, do jeito que está, vai sobreviver a este novo milênio? Se não, que igreja, então, sobreviverá? Quais serão suas características? Que perfil terá os seus líderes? Será possível articular e contextualizar a milenar mensagem da salvação às idiossincrasias do mundo pós-moderno? Como usar a hermenêutica e a exegese de tal forma a não desprezar a ortodoxia histórica, nem sufocar as questões prementes de nosso tempo? Não me leve a mal, mas se sua igreja não está refletindo estas questões ela é uma séria candidata a virar defunto, se é que já não virou! Acorde: igrejas também morrem!


Sendo pragmático, creio que a situação do cristianismo ainda não aponta para uma morte súbita. Sua patologia, entretanto, sugere o diagnóstico de uma doença crônica, que vem avançando desde o século XVIII, com o secularismo e iluminismo. No século XX o existencialismo deu mais um duro golpe na fé cristã e, nos dias atuais, uma soma de fatores como o modernismo, o relativismo e o multiculturalismo, servem como elementos desestruturadores da igreja e de sua mensagem. A verdade é que as pessoas estão cada vez mais desiludidas com a proposta cristã. Ser religioso, nos nossos dias, é sinônimo de ser obscurantista, moralista, hipócrita e até manipulador. Eu que sou pastor que o diga...


Olho para a igreja e vejo a tragédia na qual estamos mergulhados. Nossos púlpitos estão esvaziados, a mensagem é direcionada para atender as exigências dos ouvintes, não suas necessidades. O discipulado se resumiu a um enfadonho estudo bíblico, não é mais a vida sendo ministrada através da experiência prática e da convivência fraterna. Os programas, recursos aos quais recorremos para entreter pessoas, ocuparam o lugar da oração, do jejum e do estudo aprofundado das Escrituras. As famílias vivem um drama a parte. Separação já virou coisa natural, até mesmo de líderes e pastores. Por isso tanta miséria social, tanta catástrofe! A Terra foi ferida com maldição, pois os entes familiares não converteram os seus corações uns aos outros. Nossos filhos não sabem nada sobre a nossa fé e, quando sabem alguma coisa, nunca a transformam em prática de vida. Talvez porque faltam-lhes exemplos...


Somos tão presunçosos que continuamos utilizando métodos e formas do século XIX, como se eles fossem eficazes no século XXI. Não são! É um fato! Precisamos acordar! Muitos dos nossos programas não conseguem mais atingir as pessoas. Perdemos terreno para outras seitas que parecem entender o nosso mundo e as pessoas que nele vivem bem melhor do que nós. Nossos líderes são fracos, não foram treinados, não sabem, sequer, interpretar os textos mais elementares. Até em termos de administração e finanças nós ficamos a dever. Nem avançamos no espiritual, nem damos conta do natural. Trágico, convenhamos!


Diante deste contexto nefasto, há algo que ainda possa ser feito? Há! Mas tem que ser feito logo, de forma inteligente e planejada. Todavia, e é bom não esquecer, devemos começar por onde tudo, em toda a história, sempre começou, quando grandes mudanças aconteceram: no arrependimento. Sem ele, sem um olhar que nos permita ver que estamos “nus”, sem o desejo de continuar reformando aquilo que apenas começou com a Reforma, sem quebrantamento, sem humilhação perante o Senhor da Igreja, sem confissão de culpa, sem desapego de vaidades, sem o desmantelamento de estruturas adoecidas, nunca conseguiremos recolocar a igreja no lugar onde Deus deseja que ela esteja. Creia-me: se esta geração falhar, a bronca ficará para a próxima...


Semelhanças Entre o Passado e o Presente


Foi mais ou menos isto que aconteceu nos dias de Josué. Diz as Escrituras: “Depois que toda aquela geração foi reunida aos seus antepassados, surgiu uma nova geração que não conhecia o Senhor e o que ele havia feito por Israel”. Jz. 2:10. O contexto do texto é o estabelecimento do povo Hebreu na terra de Canaã. Moisés, o líder que havia tirado o povo do Egito, já havia falecido. Em seu lugar assumira o “moço que ficava a porta da tenda”; Josué. Aquela geração foi testemunha dos feitos do Senhor e guardou as Suas leis e preceitos, conforme lhes fora ordenado. Contudo, eles falharam no ensino e na propagação da mensagem e esta falha lhes saiu muito caro...


A continuação do texto de Juízes nos mostra as conseqüências desastrosas do que aconteceu. O povo, sem referências de quem era Deus, sem uma vida pautada em princípios, sem experiências práticas que significassem sua fé, foi se extraviando e se afastando do Senhor. Abandonaram o Deus de seus antepassados e seguiram a adorar deuses estranhos, prestando culto a Baal e Astarote. Por conta disto, a ira do Senhor se acendeu contra Israel e Ele os entregou nas mãos dos invasores que os saquearam, havendo para toda aquela geração muita dor e muito sofrimento.


A história está aí para que aprendamos com ela. Se isso não nos for possível, de fato, somos uma geração obtusa e arrogante. Ainda há tempo de reconhecermos nossos equívocos e voltarmos ao Senhor nosso Deus! Estamos vivendo uma espiritualidade banalizada e uma fé dessignificada. Nossas igrejas estão cheias de um amontoado de gente perdida e vazia, que transformou o evangelho em barganhas com o sagrado, que esqueceu dos preceitos e princípios do Reino e passou a viver pelo sistema caído do mundo que nos cerca, adorando aos “deuses” deste tempo.


Fim dos Tempos ou Nova Era?


Por outro lado, correndo paralelamente as fragilidades da igreja, está aí a Nova Era. Diferentemente do que muitos pensam, Nova Era não é uma religião, nem mesmo uma seita, mas uma espécie de “sentir” deste final dos tempos. Ela está misturada a todas as coisas, inclusive, a mensagem de salvação de algumas correntes da igreja. O movimento da Nova Era é uma miscelânea de ensinos metafísicos, de influência oriental, de linhas teológicas, de crenças espiritualistas, animistas e paracientíficas, que tem como proposta um novo modelo de consciência moral, psicológica e social além de integração e simbiose com o meio envolvente, a natureza e até o cosmos. Sim, amigo, eles sabem como “enfeitar o bolo” e “vender a festa”.


A Nova Era está conectada com as demandas deste tempo, com os dramas das pessoas, suas angústias, medos e perplexidades. Para cada questão tem uma resposta clara, objetiva. Fala da necessidade de uma nova ordem mundial de unificação global, ou sobre o fato da cultura ser determinada ecleticamente, respeitando a diversidade dos povos do mundo. Propõe acrescentar ao estilo de vida capitalista elementos do Budismo, Hinduismo, religiões africanas, e outras tradições místicas – tudo conforme o gosto de cada um. É a religião self-service!


Contudo, há um ponto determinante na proposta da Nova Era que afeta diretamente a Mensagem do Evangelho de Jesus Cristo: o fim das diferenças entre as várias religiões. Segundo seus postulados, todas as religiões adoram o mesmo Deus e, partindo-se de uma cosmo visão ecumênica, todas poderão aprender muito mais umas com as outras e isto, obviamente, permitirá uma melhor compreensão de quem é Deus. No fundo é uma espécie de “todo caminho dá na venda”. É pouco ou quer mais?


Você já ouviu falar do “Ponto de Mutação”? Trata-se de um tratado científico em que o físico Fritjof Capra, com uma aguda crítica ao pensamento cartesiano na biologia, medicina, na psicologia e na economia, explica como a nossa abordagem, limitada aos problemas orgânicos, nos levou a um impasse perigoso, ao mesmo tempo em que antevê boas perspectivas para o futuro e traz uma nova visão da realidade, que envolve mudanças radicais em nossos pensamentos, percepções e valores.


Capra se inspirou nos escritos do I Ching, – Livro das Mutações, um texto clássico chinês, milenar, composto de várias camadas sobrepostas ao longo do tempo – que expressa que "depois de uma época de decadência chega o ponto de mutação". Ele pondera que os movimentos sociais dos anos 60 e 70 representaram na verdade o início de uma nova cultura em ascensão, destinada a substituir as nossas rígidas instituições e suas tecnologias obsoletas. É a era de Aquários! No fundo, as premissas de Capra estão mais do que nunca conectadas aos pressupostos da Nova Era e, desgraçadamente, é esta “mensagem” que está atraindo as pessoas, e não a única mensagem que pode transformar de fato o homem, de dentro para fora, dando a ele valor e significado, a mensagem de Jesus Cristo!


A Nova Era é mais perigosa do que qualquer outra seita ou religião, sobretudo porque não se “vende” como tal. Ela é uma espécie de “oxigênio”, que não se pode ver, mas que se pode sentir. Almeja estar em todo lugar, buscando ocupar todos os espaços vazios de tal forma que, sem ela, nada que possua vida possa existir. Você está preparado para enfrentá-la? E sua igreja, está?


Conclusão


Se a esperança é a última que morre, é bom você começar a passar o terno para o funeral da catedral. A igreja, conforme a conhecemos hoje, ou muda radicalmente sua forma de ser, seus programas, seus modelos, sua estratégia, sua liderança e até mesmo a forma de anunciar a mensagem da salvação, não subtraindo-lhe as verdades e conteúdos, mas repensando os meios e as formas, ou veremos o cristianismo, como religião institucionalizada, perder cada vez mais espaço para outras confissões, mergulhando assim num ocaso sem precedentes.


Diante de tudo isto, o que me deixa tranqüilo e seguro é saber que, mesmo que esta “peleja” seja perdida, o campeonato, contudo, já está ganho. Aleluia! Haverá um dia onde o Leão da Tribo de Judá, reunindo seus anjos e arcanjos virá buscar a Sua Igreja. Se ela será esta que aí está, não sei. Sinceramente, espero que não! Mas, certamente, existe uma Igreja, invisível e indivisível, aconfessionalista, que ama a Jesus mais que a tudo, que guarda os Seus mandamentos e que espera ansiosamente a Sua vinda. Esta, sem dúvida, nunca sucumbirá, pois está destinada ao triunfo e a vida eterna ao lado do seu “Noivo”.


Meu desejo e minha oração é que, tanto eu, quanto você, estejamos sempre almejando por fazer parte desta Igreja, e que jamais venhamos a ser como os amigos de Quincas Berro D’água, que arrastaram o defunto noite a dentro até ele afundar nas águas profundas do oceano. Que tal não aconteça com as nossas catedrais!


Carlos Moreira

23 novembro 2010

Igreja ou Reinismo?

Igreja do Futuro não pode ser em-si-mesmada, isto é, voltada para si mesma, mas para o mundo, tendo por objetivo primordial a implantação do Reino de Deus. Ela tem que serreinista, em vez de ser igrejista. '

Assim como o Espírito Santo não chama a atenção para Si, mas para Cristo, a Igreja do Futuro não pretende ser o centro das atenções, mas projeta seus holofotes para a nova humanidade, a ser edificada ao redor do Trono.

A igreja contemporânea (salvo exceções), não passa de uma caricatura mal acabada da verdadeira igreja de Cristo, cujo protótipo pode ser claramente visto nas páginas de Atos dos Apóstolos.

Urge reformularmos nossa concepção eclesiológica.

A igreja enquanto instituição deveria ser vista como a placenta onde a nova humanidade está sendo gestada. Quando chegar a hora do parto, a placenta pra nada mais servirá, e será descartada.

Por isso, não há templos na Sociedade Definitiva vislumbrada por João em Apocalipse.

A igreja é o andaime usado pelo Grande Construtor,que será removido tão logo a obra tenha sido concluída.

A Igreja que perdurará por toda a Eternidade é a Nova Humanidade, a Civilização do Amor, que tem como Cabeça o Novo Adão, Jesus Cristo.

Enquanto a "igreja" insistir em trabalhar voltada para si mesma, e para a manutenção de seus projetos, ela estará fadada a perder a relevância no Mundo. A igreja precisa converter-se ao Mundo, pois foi para o benefício dele que ela foi levantada.

Paradigma Igrejista x Paradigma Reinista

O neologismo “igrejismo” aponta para a concepção eclesiológica vigente em nossos dias, onde a igreja se confunde com o próprio Reino de Deus, e se acha o centro das atividades divinas entre os homens.

igrejismo é mais do que uma concepção, é uma postura promotora de alienação e sectarismo. A igreja acaba por se tornar um gueto religioso, com sua própria subcultura, repleta de jargões e clichês.

Já o neologismo “reinismo” pretende resgatar uma concepção eclesiológica bíblica e condizente com os anseios da pós-modernidade, onde se mantém a distinção entre o Reino e a Igreja, e o foco deixa de ser as atividades religiosas para ser o agir de Deus na História, envolvendo todas as dimensões da existência humana.

Ser reinista não é apenas pertencer a uma agremiação eclesiástica, mas ser um agente do Reino de Deus, empenhado na transformação do Mundo por intermédio da implementação do conjunto de valores e princípios ensinados por Jesus.

Neste contexto, a igreja é o farol, a humanidade é o navio, e o Reino de Deus é o Porto Seguro.

Um farol não pode apontar sua luz para si mesmo. Seu papel é iluminar o caminho, possibilitando ao navio chegar seguro ao porto. Assim, a igreja tem a missão de ser paradigma civilizatório, a fim de que as nações andem à sua luz. A igreja deve ser uma espécie de microcosmos, de protótipo, de amostra grátis, de plano piloto. Ela, portanto, não é um fim em si mesma.

A Igreja do Futuro deve ser proativa, em vez de reativa. Deve antecipar-se, como fez a mulher que derramou o perfume sobre Jesus. Deve ser vanguardista. O Mundo deve conformar-se aos valores por ela apregoados, e não vice-versa. Ela deve estar sempre um pé à frente, e isso com respeito a qualquer questão de interesse humano. Ela não apenas responde questões pertinentes ao seu tempo, como prevê questões que ainda surgirão, e busca respondê-las ainda antes que se tornem pertinentes.

Embora sua origem seja celestial, ela emerge da realidade em que está inserida. Portanto, ela só pode ser emergente, se for antes, imergente. Ao emergir, ela atrai para si, não os holofotes, mas a responsabilidade por tudo o que diz respeito à condição humana e suas demandas. Por isso, ela é convergente. Sua cosmovisão é ampla e abarca a realidade como um todo, desde a cultura, a educação, as ciências, a justiça social e o meio-ambiente.

Hermes Fernandes via Hermes Fernandes

21 novembro 2010

A Consagração das Toupeiras


Já fazia muito tempo que, entre os bichos da floresta, os ministros religiosos eram escolhidos entre as corujas. As razões que explicam esta preferência eram as mais diversas, citemos algumas: a) As corujas possuíam carinho tal pelos seus, que achavam seus filhos lindos ainda que toda a floresta os visse como criaturas abomináveis. b) há muito tempo, por passar inúmeras noites acordadas, dedicando-se ao estudo, ficaram famosas e foram consideradas símbolos da sabedoria. c) O fato de serem aves e viverem em lugares altos dava-lhes uma melhor visão das coisas que aconteciam lá em baixo. d) Seu aspecto taciturno fazia com que os outros lhe atribuíssem uma grande capacidade de reflexão.


Enfim, entre os animais, as corujas pareciam ser, sem sombra de dúvidas, os mais aptos para o sacerdócio, e a sua escolha pelos outros bichos demonstrava que na floresta o critério utilizado para eleger o guru espiritual era bastante rigoroso e levava em conta vários aspectos da vida do escolhido e não apenas alguns, afinal de contas à atividade religiosa mostra sempre que o líder espiritual tem que ser um pouco de tudo.


O tempo passou e as coisas mudaram. Certos paradigmas foram quebrados e muitas revoluções tiveram início. No campo ético, por exemplo, a figura do sacerdote já não era mais associada à honra e ao respeito, pelo contrário, o mercantilismo da fé fazia com que muitos bichos olhassem para as corujas como grandes espertalhonas que não queriam trabalhar e sim ter vida fácil, o que, em alguns casos, era verdade. Por outro lado, muitas corujas tinham dado motivos suficientes para essa desconfiança tendo agido imprudentemente com relação ao dinheiro e ao sexo. Diante de tudo isso os bichos começaram a questionar a aptidão das corujas para o sacerdócio e, depois de muita briga, foi eleito para o ministério religioso o primeiro animal que não era daquela espécie: uma toupeira.


Uma toupeira? Admiravam-se os mais experientes, uma vez que as toupeiras possuíam, entre os animais, a fama de serem bichos desprovidos de inteligência e que sabiam apenas cavar buracos.


A escolha das toupeiras, porém, tinha lá seus motivos, afinal de contas, já dizia um antigo filósofo: “todo efeito tem uma causa”.


Em primeiro lugar, as toupeiras ascenderam ao poder por causa da própria degeneração e inaptidão das corujas que, há muito tempo no poder, julgaram-se seguras e começaram a tratar as coisas do mundo religioso com desdém. Seus sermões já não diziam nada, seus ensinamentos menos ainda, a administração era um caos, a Teologia tinha sumido dos púlpitos e a vida no lar deixava muito a desejar. Portanto, a escolha das toupeiras era o resultado direto da decadência das corujas.


Em segundo lugar, a escolha das toupeiras se deveu também a sagacidade desse animal, que neste ponto tem muitas semelhanças com uma antiga conhecida nossa que habitava os belos bosques do Éden (a serpente).


Muito embora fossem julgados animais pouco inteligentes pela maioria dos outros bichos, as toupeiras souberam aproveitar bem a situação de crise no âmbito religioso e com relativa facilidade alcançaram seus objetivos. Grandes oportunistas, era um termo que definia bem este pérfido animal.


As toupeiras perceberam que uma comunidade pouco instruída, revoltada e em crise, perdia a capacidade de escolher sensatamente seus líderes, o que lhes facilitava o empreendimento. Talvez fosse por isso que odiavam tanto o conhecimento e o estudo.


Elas (as toupeiras) também perceberam que o antigo critério de escolha que levava em consideração vários aspectos da vida do líder antes de escolhê-lo, havia sido suprimido e agora se recomendava para o ministério qualquer um que fosse julgado honesto, inteligente, bom orador ou que tivesse lido o grande livro religioso dos animais 50 vezes. Este último critério revelou-se, ao longo do tempo, como o mais equivocado de todos, uma vez que todo sacerdote deveria, obrigatoriamente, conhecer e ter lido o livro religioso dos animais, mas nem todos que conheciam e tinham lido o livro religioso dos animais tinham sido chamados para exercer o sacerdócio. Essa confusão de conceitos fez muitas vítimas no mundo religioso da floresta, algumas jamais se recuperaram.


Dessa forma, as toupeiras perceberam que não existia nada mais fácil do que ascender ao posto de sacerdote, já que não existia mais critério entre os outros animais para escolher os ministros religiosos. Assim, a crise se instalava tendo como principais protagonistas às toupeiras e algumas corujas que, em pleno exercício de ministérios fracassados, tentavam se manter no poder através de uma política intransigente e legalista.


Enfim, esta é a história da ascensão e consagração das toupeiras aos serviços religiosos. Sobre estas coisas, refletia um macaco solitário que morava no alto de uma árvore na floresta e que dizia consigo mesmo: “Quem não tem coruja apta se vira com toupeira; quem tem toupeira como sacerdote, vai de mal a pior”.

André Pessoa via Século XXI

19 novembro 2010

Uma Mulher de 40 é igual a Soma de duas de 20


Como pastor tenho aconselhado muitos casais em crises conjugais e, não raro, em processos de separação, alguns dos quais litigiosos, outros, mais raramente, amigáveis.

É triste ver uma família se desfazer, implodir, ruir perante os olhos perplexos, sobretudo, dos filhos, que quanto mais novos mais sofrerão as conseqüências do litígio. Como bem disse o Caio Fábio – e ele têm autoridade no tema, não só pelo que viu, mas também pelo que sofreu – separação é uma amputação, algo que se faz quando a conjugalidade atingiu um grau onde a convivência se tornou insalubre, ou seja, viver junto produz morte e não vida. Aí, ou corta a parte “gangrenada”, ou o corpo todo morrerá por septicemia.    

Existem muitas relações que já estão em estado de putrefação. Elas “fedem” em meio a mentiras, disfarces, subterfúgios, e toda sorte de arranjo existencial quando se tenta, sabe-se lá porque, salvar o que é irremediavelmente irrecuperável. Às vezes é por causa do patrimônio, outras por conta dos filhos, outras por que ambos já possuem vidas duplas, há também os casos em que a coisa é pura safadeza mesmo. E por aí vai... Como disse um colega, “desgraça pouca é bobagem”.  

Não sou fundamentalista. Aprendi que a misericórdia de Deus vai além de meus juízos humanos e minhas exegeses de 3ª categoria de textos bíblicos complexos. Já deixei a muito tempo de “esfregar” na cara das pessoas coisas do tipo “o que Deus uniu não o separe o homem”. Minha hipocrisia já não dá para tanto... E isto por um motivo muito simples: tem coisas que, simplesmente, Deus não uniu. E mais... Creio firmemente que alguém que vem a Cristo tem a chance de reescrever a própria história. Se for um escravo, poderá ser liberto; se sua liberdade representa dessignificação existencial, poderá tornar-se escravo da lei do amor e da graça. Em síntese, quem conhece a “Verdade” é liberto de todas as suas mazelas e inquietudes. O mais, é doutrina barata de “igreja”...

Mas, voltando ao gabinete pastoral, tenho observado um fenômeno social curioso, e isto não apenas no meio “evangélico”. Homens de meia idade separando-se de suas esposas, quase sempre de idade próxima, e assumindo relações com mulheres bem mais novas. Alguém recentemente me disse: “pastor, troquei minha mulher de 40 por uma de 20. Aí eu perguntei: “e como está agora? ”. Ele me respondeu com uma melodia conhecida dos Beatles: “Love, Love, Love... All you need is Love”.   

Nas minhas pesquisas mais aprofundadas, quando converso com a “macharada” mais a sério, o que ouço é que mulheres de 20 anos são extraordinárias. Em primeiro lugar elas são facilmente manipuladas por homens mais maduros, sobretudo se houver um cartão de crédito e um carro bacana. Em segundo lugar porque fazem sexo como ninguém, estão ávidas por noites ardentes, e são capazes até de “ressuscitar mortos”, segundo um me comentou. Além do mais, elas não exigem grandes demandas relacionais, não querem fazer “DR” todo dia, e não tem muito assunto para conversar, quando muito papo de faculdade. Assim, o tempo é gasto mesmo com festa, sexo, sexo, festa, festa, sexo e, para variar um pouco, sexo e festa.

Como todos sabem, sou avesso a generalizações. O que trago aqui é apenas a observação de conversas pastorais e a percepção sobre o que vem acontecendo na sociedade como um todo. Nem estou dizendo que todo homem de meia idade quer ninfetas para se relacionar, nem tão pouco que mulheres de 20 ou 25 anos são fúteis, frívolas, ou esvaziados de conteúdos. Sei que existe gente boa por aí, gente que gostaria muito de encontrar o seu “sapato velho”, que aquece o frio e, para tal, basta você o calçar...

Mas o fato é que a banalização das relações afetivas chegou ao seu limite. Homens e mulheres relacionam-se hoje sem que haja, por vezes, qualquer tipo de sentimento envolvido. É apenas sexo pelo sexo. Como diria o poetinha, numa das poucas frases dele que não concordo: “é melhor está mal acompanhado do que só”. É o que eu chamo de “tirania do está a dois”, ou seja, tantos são os preconceitos e as questões que envolvem estar sozinha(o) que a “moçada” acaba “pegando” qualquer coisa apenas para não aparecer só num barzinho, num casamento, num clube, num aniversário de criança, e por aí vai. É o típico caso de dois que jamais fazem-se um...

Garotas de 20, 25 anos são fantásticas para viver com homens da mesma idade, envoltos nos mesmos dilemas, partícipes dos mesmos dramas, contradições e desafios. Eles possuem linguagem comum, sabem o que é Blog, Twitter, Facebook, Orkut, coisas que muitos quarentões não sabem, pois não raro não tem “saco” de ver ou usar. Não estou afirmando que não existam mulheres novas com cabeças mais maduras, mas essa exceção, estatisticamente, é muito baixa.

Por outro lado, mulheres de 40 anos ou mais são fascinantes! Eu tiro pela minha, que quanto mais velha, vai ficando melhor. Acho que ela aos 80 estará no auge da forma, e eu serei um velho cheio de rabugices... Mulheres na faixa dos 40 ou mais são mais sofridas, são mais vividas, são mais “espertas”. Elas já andaram bastante e sabem o que querem. Dificilmente você as verá colocando “remendo novo em vestido velho”, ou seja, estou cansado de ouvir: “pastor, o “mercado” está muito ruim, prefiro ficar só”. E eu retruco: “melhor só que pessimamente acompanhada”.

Mulheres de 40 são fascinantes porque tem conteúdo, porque dá para tomar um vinho e conversar sobre dimensões da vida que as de 20 ainda não viveram. Elas transitam bem em todos os temas, desde política, passando por cultura geral, religião, filosofia, cinema, etc. Já notei que mulheres de 40 gostam muito de ler, gostam de ver filmes, gostam de teatro, gostam de museus. Elas já estão em outra fase da vida, onde a plasticidade neurótica das academias de ginástica foi substituída por um bom programa com uma pessoa que valha a pena sentar na mesa e conversar, ou por uma tarde no parque, ou por um cineminha básico.

O sábio do Eclesiastes me ensinou que tudo na vida tem o seu tempo. Acho o texto perfeito. Se pudesse fazer um pequeno retoque, incluiria apenas: “tempo de namorar mulheres de 20 e tempo de namorar mulheres de 40. É que tudo na vida tem um tempo determinado, até o amor precisa ter suas estações próprias...

Eu não gostaria que as mulheres de 20 ficassem com raiva de mim pelos comentários deste texto. Vocês são maravilhosas, fantásticas, mas para uma “outra turma”. Para nós, quarentões vivendo crise de meia idade, é necessário mulheres que entendam a vida do ponto de vista de nossas inconcretudes, inseguranças, de nossos medos bobos, de nossas contradições, máscaras, vivências existenciais que não se aprendem vendo filmes, mas apenas experimentando e degustando os sabores e aromas da vida, as sombras e silêncios, as cinzas e o pó do caminhar pela terra.

Sei que na sociedade da imagem, onde parecer é melhor do que ser, na sociedade das aparências, onde o botox, a lipoaspiração, as plásticas corretivas para tirar, aumentar, modelar, os cosméticos, e todo este exército que aguça sentidos está à disposição das mulheres, para enfeitiçar os homens que ficam, diante de tanto esplendor, totalmente “vendidos”. Deixo-lhes, contudo, dois conselhos: o primeiro é que o invólucro nunca é mais importante que o conteúdo. Mas isto, por vezes, só se descobre com muito sofrimento. E o segundo, citando Stendhal é que “as mulheres muitíssimo belas surpreendem menos no dia seguinte. E eu ainda vou mais além: esta surpresa, via de regra, é proporcional ao teor alcoólico ingerido na noite anterior. Agora é com você...

Carlos Moreira

18 novembro 2010

Evangelho Anticorpos


Uma série de doenças contagiosas sempre assolou a humanidade desde os seus primórdios. Surtos de Peste Negra como o de 1347 a 1350 que dizimou boa parte da população européia do mundo medieval deixam em pânico a sociedade e até bem pouco tempo atrás causaram bastante estrago pelo mundo a fora.

Algumas dessas doenças podem ser causadas por bactérias, fungos, protozoários e outras ainda pela ação nociva dos vírus. Graças a Deus e a sua sublime inteligência manifesta na natureza o corpo humano é capaz de desenvolver mecanismos de defesa contra os agentes etiológicos (organismos causadores de doenças) através dos anticorpos.

As células do sistema imunológico produzem os anticorpos responsáveis por combater as patologias e impedir a morte do indivíduo infectado. A produção de anticorpos também pode ser colocada em marcha pela administração de vacinas que estimulam o sistema imunológico no cumprimento de sua função.

E o que tem o evangelho a ver com essa pequena aula de biologia? Percebi que aquilo que é bom para o corpo em se tratando de doenças endêmicas e epidêmicas é ruim para a religião quando se trata de “pregação do evangelho”.  Talvez você continue perguntando que relação existe entre estas duas coisas.

Eu explico. Enquanto no ser humano a própria exposição ao agente etiológico é benéfica porque estimula a produção de anticorpos impedindo a grande mortandade de pessoas afetadas  por um vírus ou uma bactéria, no evangelismo é exatamente o contrário que acontece.

Quanto mais as pessoas forem submetidas a uma pregação vazia, monótona e sem verdadeiro e profundo significado espiritual, mais resistente a ela se tornará. Aquilo que estamos fazendo e intitulando de pregação do evangelho não passa da estimulação do ateísmo e da proliferação de “anticorpos” contra a própria igreja.

Encontro diariamente com dezenas de pessoas em todos os lugares que embora mantenham um respeito solene e nostálgico quanto à pregação evangélica não querem em hipótese alguma freqüentar uma igreja por que já desenvolveram “anticorpos”, defesas contra a mensagem pregada por evangelistas entusiasmados que se aventuram debaixo do sol escaldante do domingo.

Nenhum ser humano sensato e medianamente instruído tolera uma mensagem tão banal como a pregada normalmente pela igreja. Jargões amplamente disseminados por igrejas neopentecostais e tradicionais como “Deus é bom e Jesus é fiel”, “aceite Jesus pra ir morar no céu”, “Deus sabe todas as coisas”, “Jesus tem um plano para a sua vida”, “conta o teu problema a ele”, tudo isso já não surte mais efeito nas pessoas.

Estas frases feitas que deveriam servir para evangelizar prestam na verdade um desserviço à igreja evangélica brasileira. O problema é que o homem contemporâneo,  acossado pela quebra de paradigmas e pela confusão pós-moderna, não é atingido por essa mensagem superficial cujos jargões são repetidos em cultos de oração sem sentido e em treinamento de evangelistas pouco eficientes.

A igreja está clamando no deserto, jogando palavras ao vento, atirando em um alvo que não existe, lutando contra moinhos de vento pensando que são dragões. As pessoas estão dia após dia se tornando mais invulneráveis a este tipo de mensagem estereotipada e vazia que comunica apenas tradições eclesiásticas e não o verdadeiro evangelho de Jesus Cristo.

Certos evangelistas não passam de caricaturas bizarras de leviatãs eclesiásticos que mesmo pensando que estão colocando ordem no caos estão apenas destruindo o restinho do que sobrou da igreja brasileira. Se ainda restava alguma possibilidade de fé no coração das pessoas estes arautos das frases feitas estão dizimando-a.

Como resolver este problema? Renovando aquilo que nós chamamos erradamente de igreja, repensando o evangelho, buscando o seu sentido mais profundo e se arrependendo de ter feito da estrutura eclesiástica um palco de lutas políticas e currais eleitorais, derrubando pastores profissionais que destroem o rebanho com as suas mentiras e voltando ao primeiro amor!

André Pessoa via Século XXI

17 novembro 2010

Errar é Humano. Permanecer no Erro Também é.

Carlos Moreira



É bem provável que você já tenha ouvido falar da Torre de Pisa. Aliás, talvez muitos já, inclusive, tenham visitado-a. Trata-se de um campanário da Catedral da cidade, que fica por trás da igreja, e compõe juntamente como o batistério o Campo dei Miracoli.

O fato que a torna extraordinária, além de sua beleza magnífica – uma obra em mármore branco projetada pelo arquiteto Guglielmo e Bonanno Pisano em 1173 – é a controvérsia que há sobre o seu “defeito”. A questão é que a torre enfrentou problemas em sua fundação desde o início das obras e, por conta disso, ficou destinada a permanecer ligeiramente inclinada na vertical. Não obstante, permanece incólume na belíssima paisagem de Pisa e constitui-se, sem dúvida, num dos mais importantes pontos turísticos do mundo.

Em 1964 o governo da Itália solicitou ajuda mundial para evitar que a torre viesse abaixo, uma vez que a inclinação estava se acentuando gradativamente. Foi montada uma força-tarefa para trabalhar na estratégia de reparação e, entre 1990 e 2001, reforços ainda mais consistentes foram feitos com o objetivo de evitar a queda. Depreendi, então, destes fatos que “torre que nasce torta, morre torta”. A verdade é que, mesmo com as correções realizadas, colocar a torre em equilíbrio absoluto sempre foi algo impensável e, talvez, até impossível.

A inclinação da Torre de Pisa, com suas sucessivas tentativas de “concerto”, acabou me fazendo lembrar das “inclinações” da natureza humana. Mesmo aqueles que já tiveram suas vidas regeneradas pela “água” e pelo Espírito, intrigantemente, ainda continuam se “inclinando” para aquilo que já não lhes diz mais respeito. Paulo me ajuda a explicar isto com o texto de Romanos a seguir: “Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo.” Essa famosa afirmação é uma das mais estudadas e comentadas das Escrituras. Autores notáveis da teologia já nos brindaram com exegeses extraordinárias sobre ela. Mas o que eu gostaria mesmo era sair dos aspectos teológicos, que me apaixonam, e entrar nos desdobramentos existenciais, que tratam das questões práticas e cotidianas da vida.


Você certamente já ouviu a famosa frase de Cícero: “Qualquer pessoa pode errar; mas ninguém que não seja tolo persiste no erro”. Pois bem, na minha insignificância, ouso discordar dela, ao menos de um determinado ponto de vista. E qual é ele? O fato de tratarmos a existência apenas como “coisa” lógica, matemática, científica, exata. Errar duas vezes a soma de (2 + 2) parece algo impensável e despropositado. Mas achar-se em contradições, perceber-se em ambigüidades, flagrar-se cometendo o mesmo pecado ou surpreender-se amedrontado, são eventos que não podem ser tratados desta forma, pois não fazem parte da mesma “categoria” de coisas. Nestes casos, não estamos lidando com a existência cartesiana, mais com vivências existenciais que nos projetam para o inexato, para o terreno pantanoso da alma, das idiossincrasias de cada ser, para as dimensões psicológicas, intrasubjetivas e até inconscientes dos humanos.

Digo isto porque tenho observado, nas conversas com pessoas religiosas, que elas estão se tornando “seres” neurotizados, gente apavorada, ansiosa, que está tentando “domesticar” os impulsos do corpo, as fragilidades da mente, as pulsões da alma e isto utilizando como recurso único as famosas “bulas” do jejum e da oração. Que tragédia! E vou explicar... Não estou afirmando que a santificação seja algo superado para se enfrentar os dramas do mundo contemporâneo. Sei que estas práticas são armas poderosas para destruir sofismas e fortalezas. Mas olhar para certas questões restringindo-as apenas a esfera “espiritual” é produzir um reducionismo na vida que, inexoravelmente, gerará o esvaziamento da fé, a falta de compreensão sobre a graça e a desilusão quanto à misericórdia de Deus.

Minha constatação é que essa bizarrice, filha de uma hermenêutica adoecida, pregada nos púlpitos de muitas igrejas como sã doutrina, apenas nos remete aos ditames e modelos da idade média. Olho para certos comportamentos e me surpreendo ao ver pessoas vivendo práticas monásticas – a “fé” que busca “mortificar” o ser – o que as leva a experimentar um “gnosticismo repaginado”, um “estoicismo reformado”, um sincretismo de doutrinas desviantes de um cristianismo, cada vez mais, agonizante.

Deixe-me lhe dizer algo: há problemas que são espirituais e lutas que são de dimensões metafísicas e, contra estas coisas, não digo que você se dê ao desplante de resolvê-las com “manuais de auto-ajuda evangeliquês” tipo: “10 passos para a vitória em Cristo”. Este vento de doutrina gospel produzirá apenas frustrações, pois estas “teses” não possuem qualquer eficácia contra tais situações. Considerar isto já revela uma espiritualidade infantilizada, crianças brincando de “batalha espiritual”. Em circunstâncias desta natureza, sugiro colocar seus joelhos no chão e, com coração contrito, buscar a face de Deus, conforme Vauvenargues nos ensina, pois “a fé é a consolação dos miseráveis e o terror dos felizes”.

Mas há dimensões da existência que estão no plano horizontal, na instância da normalidade, das circunstanciais triviais, ainda que alguns queiram transformar tudo em “ataques demoníacos”. Ora, existem questões que fazem parte do caminhar do caminho e se elas nos levam, por vezes, a experimentar a “queda”, é apenas para que retomemos o fôlego e voltemos à “batalha”. Há pecados que você vencerá em definitivo em sua história. Contra outros, todavia, você lutará indefinidamente sem, contudo, conseguir livrar-se totalmente deles. O pecado só será extirpado em definitivo de sua vida na Redenção do seu ser, quando não só sua consciência, mas suas próprias entranhas serão reconstruídas pelo poder da Ressurreição de Cristo. Aí, sim, você será como Ele é, com um corpo incorruptível! Até lá, é levantar, cair, e levantar de novo.

Quem assim entender a vida cristã, caminhará com o coração pacificado, pois estará sempre a ouvir “a Minha graça te basta, pois o poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Quem quiser teologizar e criar doutrinas baseadas em exegeses de homens será, na melhor das hipóteses, carregador de fardos de fariseus e escribas e, tristemente, verá sua fé minguar e suas forças se esvaírem. Quem viver verá...

Todos nós estamos sendo transformados pelo Espírito Santo – de dentro para fora. Mas Deus é inimigo da pressa! Ele não esmagará a nossa alma nem aniquilará nossos sentimentos no intuito de que possamos atingir rapidamente uma espiritualidade biônica. Não. O que nos certifica as Escrituras é que, “aquele que começou a boa obra em sua vida irá completá-la até o dia de Cristo”. Paulo nos ensina que, mesmo desejando ardentemente experimentar outras dimensões da fé, ainda continua a fazer coisas que abomina. Discerne, todavia, que aquilo já não é mais ele quem faz, e sim o pecado que nele habita. Assim, crê que, um dia, o corruptível se revestirá de incorruptibilidade, e o mortal de imortalidade.

A Torre de Pisa continuará inclinada, mesmo que esforços tenham sido feitos para corrigir o problema. Alguns dizem que é por causa do turismo, do mito, do inusitado. Outros dizem que é por questões de engenharia, de estrutura, e que é impossível resolver a questão sem destruí-la. Mas que importa? Relevante é o fato que ela dignifica o espírito humano, brinda-nos com sua beleza, desafia as leis da física e, o mais importante, continua de pé!

Antônio Vieira afirma: “Todos atiram ao alvo e poucos acertam, porque o acertar é de uma só vez, e o errar é de muitas”. Você tem um alvo: Jesus. Ele é a plenitude de todas as coisas e para onde tudo converge. Ele é a estatura do homem perfeito, o “arquétipo” do humano preenchido pela excelência do Divino. Por isso saiba: aqui, ali, você errará o alvo; e não serão raras as vezes que se desviará do “caminho”, pois “o cair é do homem, e o levantar é de Deus”. Mas lembre-se: para cada erro seu, existe 70x7 perdões de Deus! E essa medida é apenas para um único dia. No outro, o saldo zera, e a misericórdia renova-se como a aurora. Para os que não sabem o nome disso é Graça.

Carlos Moreira é culpado pelo que escreve. Já está julgado e é réu confesso do Genizah. Outos textos seus podem ser lidos em A Nova Cristandade.



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