"Por isso, tendo o que comer e com que
nos vestir, estejamos satisfeitos". 1 Tm. 6:8.
O título deste texto não é meu. Peguei emprestado da
escritora Martha Medeiros em seu livro de crônicas que carrega esse nome. A
passagem citada acima também não é minha; é do apóstolo Paulo em sua carta pastoral
ao seu discípulo Timóteo. O que vem abaixo, todavia, em parte é meu. Digo em
parte porque em mim há vários “eus” que não são meus, eles estão em mim e, ainda
que não sejam “eu”, entraram em mim e acabaram ficando...
Pois bem, minha questão aqui é saber onde
Paulo estava com a cabeça quando escreveu esta frase. E digo isto por uma razão
muito simples: é impossível ser feliz com o que ele oferece. Para ser mais
exato, não posso nem dizer que ele está oferecendo alguma coisa, uma vez que o
que explicita é o mínimo para existir!
A única explicação que encontro para esse
descabimento é o fato de que Paulo vivia num mundo desprovido de tudo. Imagine
se ele vivesse hoje! Será que teria a coragem de escrever a mesma coisa? Pense
bem: seria possível, por exemplo, viver sem um i-Phone? Será que as mulheres
poderiam sobreviver sem, pelo menos, uma ida ao salão de beleza por semana? E
os homens? Seriam felizes sem ter um carro possante?
Ora, você pode estar pensando que eu exagerei,
pois só estou citando futilidades. Tudo bem. Então imagine viver sem chuveiro
elétrico? Que tal não ter um ar-condicionado? Você conseguiria conceber a sua
cozinha sem um microondas ou sua sala de TV sem um home theater? Deixei, todavia, o pior
de tudo para o final: imagine sua casa sem conexão de alta velocidade a
internet? Agora eu te peguei! Você poderia viver sem estas coisas? Diga a
verdade? Poderia? Sim. O pior, é que poderia...
George Carlin, escritor norte americano,
escreveu que nós “aprendemos a sobreviver, mas não a viver; adicionamos anos à
nossa vida e não vida aos nossos anos”. De fato, que existência medíocre tem
sido esta experimentada pela sociedade contemporânea. Desgraçadamente, dentre outras coisas terríveis,
tornamo-nos escravos da imagem. Imagem é o que interessa! Ela está em todos os
lugares, somos movidos por ela, ela é o parâmetro para tudo. Até nossos sonhos
são compostos a partir de “imagens armazenadas”.
Bem citou José Geraldo Couto: "a
sociedade contemporânea é uma permanente guerra pela conquista do olhar". E
haja marketing para chamar nossa atenção, nos fascinar diante das vitrines, dos
letreiros, dos anúncios das revistas. É a imagem movendo o mundo, fazendo as
pessoas existirem para fora, apenas baseadas na aparência. Cria-se o desejo de
ter em detrimento da necessidade de ser.
De fato, a frase de Paulo é absurda, como
absurdo é, tanto a Mensagem da Cruz, quanto o Crucificado. O Evangelho é puro
absurdo, pois a proposta de Jesus tem a ver com a desconstrução do “eu” com
vistas a se tornar possível a construção do “ser”. É o “ser” que é, não o “eu”.
Enquanto houver “eu”, nunca poderá existir “ser”, e nós só podemos “ser” em
Deus, pois, fora dEle, nada é, tudo torna-se "não-ser".
Sei que o que digo parece loucura e, de fato, é. A insanidade está associada ao fato de que há um grande equívoco em nossa percepção sobre o propósito de Deus quando nos criou. Ele não nos fez para sermos felizes por causa daquilo que possuímos, mas como conseqüência de quem acabamos por nos tornar. Jesus nos incentivou a vencer o mundo, não a vencer no mundo!
Em suma, a intrigante frase de Paulo nos
remete a uma inexorável constatação: quem tem Jesus pode ser “feliz por nada”,
e isto pelo fato de que Ele é todo suficiente para aquele que, conscientemente,
abraçar sua insuficiência em tudo. Tristemente ,
todavia, tenho que concordar com Marcelo Soriano quando ele afirma que: "depois
do ócio criativo, agora a onda é a futilidade fértil".
Termino com poesia... ou seria profecia?
"Essa felicidade que supomos, árvore milagrosa, que sonhamos, toda arreada
de dourados pomos, existe, sim, mas nós não a alcançamos, porque está sempre apenas onde a pomos, e
nunca a pomos onde nós estamos". Vicente de Carvalho.
Carlos Moreira