Que tempo este que nós vivemos. As mulheres buscam emagrecer para ficar com uma silhueta adequada ao “padrão” de beleza. Os homens, por sua vez, empenham-se em engordar, aumentam o volume para transformá-lo
O culto a imagem não é coisa da sociedade
contemporânea. Em nossos dias, todavia, exacerbou-se a tal ponto que virou
patologia. No caso dos homens, a disfunção chama-se vigorexia e, no caso das
mulheres, anorexia. Ambas as doenças se remetem a transtornos dismórficos
corporais, ou seja, a percepção por parte do doente de que sua própria imagem está
distorcida.
Foi Platão, na Grécia antiga, o primeiro a
formular a pergunta: “o que é o belo?”. Para os gregos, a beleza sempre foi algo
fundamental. Mas eu penso que só agora, em nosso tempo, a questão ganhou
contornos neurotizantes. As pessoas preocupam-se tanto com a imagem que esquecem
que são mais do que apenas um corpo! Bem falou Confúcio, filósofo chinês, "ainda não vi ninguém que ame a virtude tanto quanto ama a beleza do corpo". O avanço da indústria dos cosméticos,
associado com as novas práticas da medicina estética – com plásticas
restauradoras e modeladoras – tornou, a meu ver, o tema ainda mais dramático.
Para quem tem dinheiro, o “céu” é o limite –
ou seria o “inferno”? Corta, puxa, estica, infla, pinta, tudo é possível! É
gente de 50, 60 anos querendo ter corpo de 20, ainda que a “cabeça” continue nos
15. Hoje, inclusive, estas práticas estão sendo cada vez mais buscadas
precocemente. Até os adolescentes já entraram na “dança” do “culto ao corpo”, a
“caça” pela perfeição estética, ainda que, do lado de dentro, falte-lhes um
elemento essencial ao ser: a ética. Sou contra se investir na aparência? Não. Sou contra tudo o que maquia a verdade e camufla a essência, sou contra a falta de bom senso, de equilíbrio e inteligência. Ademais, lembrando David Hume "a beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla".
Na verdade, assisto com desânimo homens de
40, 50 anos trocando suas esposas, companheiras de toda uma vida, por garotas
de 20. O mesmo acontece com as mulheres... Talvez nenhum deles saiba que “enganosa é a beleza e vã a formosura”. Sim,
haverá um tempo em que será inevitável esconder rugas, calvície, celulites,
cabelos brancos, culotes, varizes, marcas que o tempo produziu no corpo que,
ainda sem querer, teve de acolher as “pinturas” que a vida trouxe com o findar
da “primavera”.
De que adianta um corpo perfeito numa alma
disforme? De que vale cabelos bem tratados e um coração amargurado? Ou um rosto
bonito e uma mente perversa? Pernas e braços torneados e uma alma árida, áspera?
Pele de seda e olhos de aço? Há, como gostaria de ver gente investindo em ser
mais generosa, mais misericordiosa, quebrantada, obediente, santa, temperante,
amorosa, humilde e verdadeira! Gente que desejasse ser mais do que “carne
emoldurada”, e sim “alma esculpida”, talhada pelo cutelo do Espírito Santo, refeita
e ressignificada para servir aos propósitos do “Oleiro”.
Não é a toa que a alma adoece tanto, pois a
ela não é dispensado qualquer tipo de cuidado. Toda nossa atenção está voltada
para o corpo, para a imagem. E de tanto se viver de disfarce, de futilidades, a
substância interior se dilui, as estruturas do ser desmoronam, as “vigas” da
alma se quebram e fazem irromper toda sorte de somatização que, não raro, acabam
por destruir os “investimentos” realizados no corpo.
Certo estava Lenine quando, em sua poesia
urbana, declarou que o corpo precisava mais de alma! Sim, um corpo sem alma é
como uma casa sem mobília – triste, vazia e sem vida. Num tempo onde a aparência
conta mais do que o caráter e a beleza mais do que valores, sei que estou na
contramão do “sistema”, investindo em ter conteúdos e consciência. Cuido
razoavelmente do corpo que recebi, mas estou mesmo interessado no que ainda está
por vir.
Carlos Moreira
Carlos Moreira