Desde pequeno sempre gostei de fotografia. Lembro que ganhei minha primeira máquina quando viajei de férias para o Rio de Janeiro, em 1981. Era uma Kodak, pequena, e tinha muito menos recursos do que a que tenho agora no meu telefone celular.
Quem viveu essa época lembra-se que era muito comum a gente ter vários álbuns de retratos, quase todos confeccionados de forma temática, ou seja, as fotos de uma viagem, de uma festa de aniversário ou de um jogo de futebol. Hoje, com os avanços da tecnologia, o hábito de confeccionar álbuns de retratos vem diminuindo sucessivamente. As pessoas mantêm suas fotos no celular, no iPad, no computador, e até em porta-retratos eletrônicos que passam as imagens digitais como um letreiro em miniatura.
Recentemente estive olhando alguns álbuns de retratos antigos dos meus pais. Impressionante como eles têm o poder de eternizar momentos, cristalizar emoções e sentimentos que se projetam para muito além do papel. Foi inevitável que as lágrimas me banhassem a face e o coração se enchesse de saudades...
Não sei se você já se deu conta, mas em todo álbum de retratos só existem fotos que revelam alegria, felicidade, ternura, instantes mágicos! Nenhum álbum registra as dores da vida, as perdas, os fracassos e a solidão. É que os álbuns parecem ter sido feitos para guardar apenas coisas boas, jamais as ruins.
Enquanto fitava as fotos dos meus pais, em circunstâncias diferentes de suas vidas, fui lembrando de suas lutas e dificuldades. Quem olhar para aquele álbum sem conhecer a história, terá a impressão de que tudo na vida deles foi maravilhoso. Mas eu sei que não foi bem assim...
Na verdade, a mágica que há por trás de todo álbum de retratos é que, apesar de nele só estarem contidas as cenas mais belas de nossas vidas, entre uma foto e outra, entre um evento e outro, há muita estrada, não raro sofrimentos contidos, ainda que ali não esteja revelado. Sim, entre duas poses, dois sorrisos, dois beijos, dois olhares, existe muita tristeza e todos os matizes dos quais a vida é feita. São esses momentos que acabam por criar a “ponte” que permite que uma foto se una a outra.
Na vida cristã também é assim. Todas as semanas escuto pessoas me dizendo o quanto é difícil viver o Evangelho, na perspectiva do que Jesus propõe. Elas normalmente vêm de uma experiência de conversão daquelas que prometem o céu na terra, acabaram comprando ilusões, foram enganadas por falsas promessas de prosperidade, saúde e bem-estar. Elas queriam um Deus para servi-las, não um Deus para amá-las.
Se eu fosse publicar, com todas as “cores”, o meu álbum de retratos, como discípulo de Jesus, certamente apareceriam mais perdas do que ganhos, mais dores do que alegrias. É que sem sofrimento eu e você jamais nos tornaremos singulares, pois, como disse certa vez o escritor Goethe: “Quanto mais um homem se aproxima de suas metas, tanto mais crescem as dificuldades”.
É dentro dessa perspectiva que o autor do livro do Eclesiastes, no capítulo 3, nos traz uma afirmação difícil de interpretar: “Tempo de atirar pedras e tempo de ajuntá-las.”. Eu creio que isto tem a ver com o caminho que trilhamos em nossas vidas. Há um tempo na vida onde nós “espalhamos pedras” – agimos no impulso, de forma despudorada, sem medirmos as consequências de nossos atos.
Mas, quando chega a idade adulta, quando já estamos talhados pelo cutelo da vida, muitas daquelas “pedras” espalhadas precisam ser novamente recolhidas, uma a uma, pacientemente. Eu já estou vivendo esse tempo, pois, durante muitos anos, espalhei pedras pelas estradas que trilhei...
Hoje, todavia, entendo que essas pedras que diante de mim estão não são meros obstáculos, mas sim grandes oportunidades, ou, como diz o escritor Fernando Pessoa: “Pedras no caminho? Guardo-as to-das; um dia vou construir com elas um castelo...”.
Carlos Moreira
Ah, e quando fizer isso, certamente não esquecerei de bater umas fotos. É para colocar no meu álbum de retratos da vida!
Carlos Moreira
*Na foto acima, Augusto Moreira, Eunice Moreira e Carlos Moreira em 1980