Augusto Comte foi o filósofo a quem se atribui a criação do Positivismo, corrente filosófica do século XIX que surgiu com o desenvolvimento do iluminismo e das mudanças produzidas pelo fim da Idade Média. O Positivismo propõe uma existência construí-da sobre valores absolutamente humanos, o que o afasta tanto da metafísica quanto da teologia.
Mas foi através de seu livro “Sistema de Política Positiva” que Comte, para mim, deu seu “salto” mais ousado: a proposição de uma nova religião – a Religião da Humanidade. Para ele, as religiões do passado eram apenas formas primitivas, uma vez que se baseavam em mitos, dogmas e na metafísica. Na Religião Positiva, os “deuses” e o sobrenatural eram dispensáveis, pois a verdadeira busca por sentindo se dá na unidade moral humana, no ideal de sua regeneração social.
Sendo assim, o Positivismo se tornou uma refutação ao pensamento cristão, pois ele retirou Deus da cena humana e colocou a ciência em seu lugar. Pois bem, em nosso tempo, vimos algo semelhante acontecer com a chamada Confissão Positiva, um movimento que nasceu no seio das Igrejas pentecostais e neopentecostais e que, pasmem, acabou por retirar Deus da existência, e colocou no lugar dele o homem. A partir de então, o que temos assistido é o Criador tentando servir a criatura, e não o contrário.
A Confissão Positiva, surgida na década de 1980, teve como precursor o pastor Essek William Kenyon. Influenciado na universidade pelo pensamento de Fineias Parkhust Quimby, um curandeiro e hipnotizador, Kenyon construiu a base para a sua “nova teologia” usando técnicas do poder do pensamento positivo, doutrinas das seitas da Ciência da Mente e a metafísica do Novo Pensamento.
É fato que todo vento de doutrina se espalha com excepcional velocidade no meio evangélico. Com a Confissão Positiva não foi diferente, sobretudo quando ela ganhou adeptos de “peso” internacional como Kenneth Hagin, Morris Cerullo e Benny Hinn.
Foi esse “esquadrão” que, inicialmente, se encarregou de espalhar a “nova doutrina” mundo afora. Dessa forma, ela assumiu diferentes nuances, passando a ser reconhecida também como Teologia da Prosperidade, Evangelho da Saúde, Palavra da Fé ou Movimento da Fé.
No Brasil, sua aparição se deu no final do século XX. A Confissão Positiva, ou como a chamamos no Brasil, a Teologia da Prosperidade, baseia-se numa hermenêutica fraudulenta amparada por sofríveis artifícios manipulatórios. Ela fomentou na consciência de toda uma geração o sofisma de que o crente deve reivindicar seus supostos direitos para adquirir tudo o que desejar, pois Deus está obrigado a cumprir aquilo que, inexoravelmente, tenha prometido em Sua Palavra. O resultado de tudo isso não poderia ser outro: o surgimento de um sem-número de aberrações doutrinárias, além de perversas práticas eclesiásticas.
As bases do movimento passam por um sincretismo capaz de misturar o cristianismo ao espiritismo, judaísmo, às religiões de mistérios, cultos afros e até ao gnosticismo. Seus líderes rapidamente transformaram pastores em verdadeiros feiticeiros do sagrado, intermediários exclusivos do trânsito entre o céu e a terra, profetas do apocalipse, mestres de revelações inusitadas para os últimos dias.
Infelizmente, a Teologia da Prosperidade alcançou em pouco espaço de tempo milhões de adeptos, quase sempre gente desesperada em busca de solução para seus problemas. Além do mais, as ofertas das igrejas que abraçaram o movimento tornaram-se irrecusáveis. No “cardápio” tem cura de enfermidades e saúde abundante, prosperidade financeira, restauração de casamentos destruídos, libertação de encostos, dentre outras benesses que, por fim, arrastaram nesse tsunami de heresias incautos e despreparados, os quais, espoliados de todas as formas, passam a engrossar cada vez mais as fileiras das denominações supracitadas.
A Confissão Positiva, como aconteceu com o Positivismo de Comte, criou uma espécie de nova religião, onde Deus tornou-se um ser escravizado a cumprir liturgias performáticas preestabelecidas. Fiéis de outras denominações passaram a ser considerados crentes de segunda categoria, gente que estava fora da “bênção”, do “mover”.
Nesse novo cenário, as mais variadas práticas foram surgindo, todas supostamente respaldadas nas Escrituras. Vieram os cultos de catarse emocional, os seminários de cura interior, as correntes para libertação de maldições hereditárias, os processos de mapeamento de “potestades espirituais”, coisas tão bizarras e absurdas que sou capaz de apostar que até o diabo tem dificuldade em acreditar.
Lembro bem de uma das frases usadas pelo movimento que bem simboliza o nível de consciência e fé dessas pessoas: “Deus te pôs como cabeça e não como cauda”. Era uma espécie de mantra positivista, ufanista, usado para fazer a cabeça dos discípulos e criar neles um embuste mental capaz de aliená-los e afastá-los de toda a verdade do Evangelho.
Uma das curiosidades mais intrigantes da “nova religião” é o fato de suas mensagens retornarem sempre aos heróis da fé do Velho Testamento, pois eles servem de modelo para demonstrar a bênção, a prosperidade, a vitória e a saúde. Em suas homilias, pregadores exaltam personagens como Moisés, Davi, Abraão e Salomão, todos bem-sucedidos e divinamente abençoados, como referencial daquilo que Deus deseja de Seus filhos.
O que eu gostaria, todavia, era de vê-los pregar sobre a simplicidade de Jesus, que não tinha onde reclinar a cabeça, que foi humilhado, difamado, perseguido e, por fim, morto.
Gostaria de vê-los pregar sobre as profundas dores e perdas da vida de Paulo, que dizia ter aprendido a viver na escassez e estar feliz por ter o que comer e com o que se vestir. Quem sabe, ainda, sobre o apóstolo João, já velho e calejado, preso na Ilha de Patmos, privado de tudo e de todos, agonizando sozinho e aguardando a esperança da salvação.
No primeiro século da era cristã, os líderes eram entregues à morte para que os discípulos pudessem experimentar a vida. Hoje a liderança mudou um pouco... “Apóstolos”, “Bispos”, “Patriarcas” e outras “entidades” andam em jatinhos, vestem ternos italianos, possuem um Mercedes na garagem e moram em mansões de 3 pavimentos.
É um contrassenso quando comparado com a afirmação de Paulo de que os apóstolos eram postos em último lugar, como escória do mundo. É triste, mas essa gente virou divindade, seres metafísicos, nem pisam no chão de tão santos que são, astros do mundo gospel, membros desta confraria de hipócritas, dessa panacéia religiosa, dessa pantomima de mambembes do sagrado.
Mas é bom saber que os dias desses pústulas es-tão contados. É fato que, cada vez mais, uma enorme legião de incautos e inocentes acorda para a verdadeira intenção do movimento da Confissão Positiva e de seus “líderes”.
O que creio, como bem disse o pastor Ricardo Gondim, é que “o século XX assistiu ao alvorecer, à consolidação, ao apogeu e ao desgaste do movi-mento evangélico, um ciclo histórico que está prestes a se encerrar. O que virá depois é uma incógnita – contudo, é possível vislumbrar que, passada a crise de pragmatismo que assola a Igreja deste início do terceiro milênio, a espiritualidade será experimentada de maneira mais viva e relacional com Deus”.
Os adeptos da Teologia da Prosperidade afirmam que Deus os colocou por cabeça e não por cauda. Pois é, há quem creia nisso... Para mim, contudo, que sou um cara que anda na contramão, prefiro ficar com outra máxima: “É melhor ser cauda de tubarão do que cabeça de bagre!”.
Carlos Moreira