"Na vida, você precisa ou de inspiração ou de desespero". Anthony Robbins. O desespero é algo universal e todos os homens o vivenciam, mesmo não tendo consciência plena dele.
Soren Kierkegaard, teólogo e filósofo dinamarquês do século XIX, um dos pais do existencialistmo, dedicou sua vida para entender o desespero no qual o ser humano, pela sua condição de estar no mundo, vive cotidianamente. Na sua obra "Desespero Humano - Doença até a Morte", ele procura refletir sobre o seu significado, tendo como questão principal a seguinte temática: será que o desespero advém, exclusivamente, de acontecimentos externos?
A princípio, para a grande maioria das pessoas, sim. É que a tragédia não marca nem dia nem hora para acontecer; materializa-se surgindo do nada e é sempre acompanhada por um poder avassalador. Num abrir e fechar de olhos destrói sonhos, desfaz esperanças, suspende projetos em andamento, acaba com relacionamentos afetivos, desconstrói histórias de sucesso, faz até mesmo cessar a vida, arrasa tudo o que encontra pelo caminho.
De fato, o desespero é muito mais do que um fenômeno social motivado apenas por fatores externos, mas, consiste também, de questões emocionais e interiores que podem nos remeter ao fracasso ou ao triunfo. O homem em desespero costuma se considerar uma vítima das circunstâncias, porque o desespero acaba revelando a nossa miséria e a nossa grandeza, trata da oportunidade de nos chegarmos a nós mesmos, ao nosso eu próprio. Quando esta “estação da vida” chega, surge com ela um momento singular, pois a crise pode levar-nos à superação de muitas de nossas interjeições e desencontros. Por isso, cabe perguntarmos: o que devemos fazer diante da perplexidade das tragédias? É legítimo, em situações como estas, indagar: será que existe Deus? Será que Ele me ama? Por que isto aconteceu justamente comigo?
Olhar para a tragédia exige um olhar desprovido de autocomiseração. É preciso, antes de tudo, entendê-la como sub-produto do fato de existir, do acumular nos pés a poeira que se faz pelo caminho da existência humana. Por isso, mesmo nas situações mais adversas, é possível semear no coração algo de bom, ainda que haja de se ter reverência para com a dor. Mas isto só é possível quando não sucumbimos em meio aos raciocínios simplistas, as construções fatídicas. Na verdade, o dia da perplexidade e do desespero sempre chega, e ele, invariavelmente, é solitário, por que surge da aparente indisponibilidade de Deus para conosco. Seu maior perigo não está na concretude dos fatos em si mesmos, mas nos desdobramentos que, a partir deles, podem sobrevir sobre a alma humana.
Foi justamente isto o que aconteceu com Jó, um homem atingindo por uma das maiores catástrofes narradas pela Bíblia Sagrada. Nela encontramos a “anatomia da tragédia”, a forma concatenada e quase planejada como, por vezes, a vida parece conspirar contra nós. E é aqui, neste vale da sombra da morte, onde teremos de escolher entre apaziguar o coração e aquietarmo-nos diante do inexplicável e do imponderável, ou darmos vazão a ira, ao ódio, ao medo, e permitir que se instaurem em nós as pulsões geradoras da amargura e da morte.
Mas quem é Jó? Curiosamente, não é um Hebreu, não é um “homem de Deus”, um membro da “fé institucionalizada” de Israel. Ele está para além das genealogias do sagrado, das heranças baseadas no “DNA de Abraão”. Contudo, no texto escrito cerca de 2.500 anos a.C., nos deparamos com um homem inculpe, reto, que teme a Deus e se desvia do mal. Casado, pai de 7 filhos e 3 filhas, Jó é um latifundiário próspero, dono de muitas terras, de rebanhos e manadas. Tem a seu serviço servos e servas e é tratado como o maior de todos os do Oriente. Não fosse isso bastante, é ainda um indivíduo devotado a valores – generoso, solidário e leal.
O texto do livro que tem o seu nome, por ser de estilo poético, e não narrativo, sem as preocupações sócio-históricas que dariam contornos outros ao seu drama, não retrata com detalhes a dimensão da desgraça que lhe sobrevém. O fato é que certo dia, Jó, sem qualquer explicação, sem que haja um motivo aparente, sem que exista uma lógica mensurável, sem que se delineie uma questão plausível, é alcançado pela tragédia. Vitimado por duas calamidades da natureza, fogo do céu e ventos do deserto, perde todas as suas plantações e terras e, conjuntamente a tudo isto, recebe a pior de todas as notícias de sua vida: seus filhos, filhas e netos estão todos mortos.
O desdobramento de todos estes fatos produz a desconfiguração existencial de Jó. Alquebrado pela vida, vitimado pelo inesperado, descontruído emocionalmente, ele começa a somatizar suas perdas através de tumorações que lhe rasgam a carne, feridas que vão dos pés até a cabeça. Não fosse isto o bastante, ainda tem de lidar com três amigos santarrões que, a todo custo, tentam lhe convencer de que tudo aquilo é fruto de um grande pecado que ele cometera e que insistentemente não confessara a Deus. Até a sua própria mulher, que já não suporta mais vê-lo em tais condições, dá-lhe como conselho o seguinte: “blasfeme contra Deus e morra!”.
Como você se comportaria diante de algo desta magnitude? Eu penso que, o mínimo a ser feito, é requerer da vida uma explicação, um motivo, uma justificativa. E Jó vai em busca dela... Ele procura respostas, pede e até as exige. A sua boca se abre e dela sai uma dor que não se compara a nada. É a dor que dói por fora e por dentro, de dia e de noite. E é aí, neste estágio, não raro extremamente perigoso, onde começam os infindáveis e insondáveis questionamentos da razão humana: por que nasci, diz Jó? Por que isto me acometeu? Por que não morro de uma vez? Por que permites isto, Senhor? Por quê? Por quê? Por quê? É a queixa de um farrapo humano desesperado com o inesperado!
Mas, para todo inexplicável, sempre há algum tipo de explicação... Os existencialistas dizem que não há qualquer padrão na ordem dos fatos e das coisas e que tudo se desenvolve a partir de um movimento desordenado das escolhas humanas. Os espiritualistas dizem que a vida desenvolve-se a partir de um carma pré-concebido e que os seres humanos têm de experimentar as tragédias para poderem purgar os males de existências passadas. Os filósofos acreditam que o universo físico é regido por leis exatas, mas que a desordem e as injustiças não combinam com a existência de um Deus soberano. Assim, a tragédia é um acontecimento aleatório e sem qualquer propósito. Os religiosos falam que o trágico é conseqüência de uma teologia moral de causa-efeito que remete o ser humano a experimentar a desgraça sempre que ele faz algo que vai de encontro a Deus. Se alguém está sofrendo, é porque pecou.
E eu, na minha perplexidade, como alguém que já se deparou com o desespero muitas vezes, que conhece estes “ambientes” não apenas de ouvir falar, não de vislumbrá-los em livros, olho para estas definições de gaveta e não me satisfaço com nenhuma delas. Sim, de fato, elas não me servem como possibilidades de explicar a dor e o desespero humano, se é que isto, em si mesmo, pode supor algum tipo explicação. Jó, como bem diz Caio Fábio no seu livro “O Enigma da Graça”, tenta a partir de sua dor e desespero descatastrofizar a existência alcançada pela catástrofe, de tal forma a poder se livrar de todos os seus medos, inquietações e frustrações. Ao final o que encontramos no seu Livro é uma porção das Escrituras que fala da Graça, e não da desgraça. É o depoimento de um homem que mesmo em meio ao caos total, busca encontrar um bem maior, um sentido mais amplo, um propósito mais sublime para o que lhe acontece, pois, diz Jó, “eu sei que o meu Redentor vive e, por fim, se levantará sobre a Terra”.
E assim, após cessarem todas as indagações, após retirarem-se todas as indulgências pessoais, após secarem-se as lágrimas e subtraírem-se todas as lamúrias, após o mar revolto ter se aquietado e os ventos tornarem-se brisa suave de fim de tarde, quando a escuridão da noite se fez luz do amanhecer que veio abraçar o raiar do dia, Deus pôde, enfim, falar com Jó. E aquele homem, desencontrado de si mesmo e de sua própria alma, começa a ser reconstruído, de dentro para fora, num novo ser, pois diz Jó, capítulo 42:1 “sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos será frustrado”.
No fim das contas, a melhor coisa que a tragédia pode fazer é nos levar a rendermo-nos a soberania absoluta e inquestionável de Deus. A dor, talvez, jamais nos deixe, mas, se serve como consolo, “temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós. De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos. Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo”. 2ª Co. 4:7-10.
Carlos Moreira
Carlos Moreira