Eu não sei quando, mas chegará o dia em que eu serei apenas uma lembrança...
Sim, virá o tempo em que eu não mais escreverei textos, ou subirei em púlpitos para pregar, não casarei ninguém, nem farei aconselhamentos.
Já vem a hora em que estarei fadado a ser uma lembrança, perambulando por aí, um andarilho sorrateiro espreitando mentes e arrebatando corações.
Então, minha ambição é que eu seja uma lembrança boa, que desperte sorrisos, que proporcione emoções, que deflagre suspiros saudosos e arranque lágrimas adormecidas pelo tempo.
Eu quero ser lembrado numa mesa de bar, em meio a gargalhadas, não quero ser uma citação, uma aparição técnica num texto utilizado para respaldar o pensar de alguém. Não! Eu quero mesmo é estar na lembrança de gente que amei, que abracei, que acolhi do desprezo da vida, que me fiz presente no dia dor, gente com quem me solidarizei, que cobri do frio da indiferença, que alimentei com ternura em meio ao desgosto, que protegi do preconceito, que livrei da solidão.
Eu preciso que você pense em mim como um sujeito que viveu no limite, que gastou e deixou-se gatar por aquilo que acreditava, que sempre andou encharcado de sonhos e parido de ternas ilusões.
Mas para ser lembrado assim, é mister construir, hoje, uma história bacana, um caminhar instigante.
Portanto, preciso lhe confessar, desejo ter mais amigos, ao invés de mais dinheiro e mais encontros, ao invés de tantas reuniões. Almejo por mais devoção e menos liturgia, mais misericórdia e menos teologia.
Eu não tenho ideia de onde vou ser enterrado, isso pouco importa, pois, na verdade, estarei mesmo é plantado na terra do coração de muita gente, serei árvore que alimenta sabores de frutas de quintal, que traz um cheiro de mato regado pela chuva. Sim, você me encontrará na chama da luz que rasga a cortina no raiar do dia, na gota de orvalho que se entregou sem pudores ao chão da manhã, e como bem disse o Drummond, naquele dia, não serei mais moderno, serei eterno!
© 2015 Carlos Moreira