Ouvir pessoas é algo, ao mesmo tempo, prazeroso e penoso. Dá
prazer porque você pode ajudar a resolver questões, não raro, simples, que
machucam e angustiam os indivíduos. Penoso porque você sofre com o sofrimento
de quem se expõe e abre as feridas feitas pela vida.
É nesse processo de escuta terapêutica que compreendemos o
que acontece entre os cristãos. A esmagadora maioria dos problemas tem a ver
com questões onde o bom senso resolveria. Mas também são muitos os casos onde se
percebe o total desconhecimento de princípios elementares do Evangelho os
quais, uma vez aplicados a existência, tornariam a vida melhor e mais leve.
Em conversas pastorais, ao questionar sobre a leitura das
Escrituras, identifico que quase a totalidade dos entrevistados nunca leu,
sequer, o Novo Testamento. Pessoas com cinco ou dez anos na “fé” afirmam que
nunca leram um livro inteiro da Bíblia, nem mesmo um dos Evangelhos!
O fenômeno que surge em decorrência desta atitude revela um
pouco do substrato da igreja em nossos dias. Em primeiro lugar, temos uma massa
de indivíduos facilmente manipulados, pois ela não possui qualquer argumento
para confrontar ou refutar as ideias que lhes são transmitidas.
Em segundo lugar, surge a “hegemonia da tradição”, que torna
verdade aquilo que foi construído a partir da cultura. Foi assim, por exemplo,
que se estabeleceu que não se pode comer carne na semana santa. Em nenhum lugar
das Escrituras encontramos isso, pelo contrário, Jesus afirmou que não é o que
entra pela boca que contamina o homem, mas o que procede do coração.
Em terceiro lugar, temos o problema da interpretação. A
Reforma Protestante prestou um enorme bem à cristandade quando colocou a Bíblia
ao alcance das pessoas. Por outro lado, fez surgir um mal quase que incontornável:
a questão de como os textos passaram a ser interpretados.
A Escritura Sagrada possui diversos tipos de linguagem, foi
escrita dentro de uma cosmovisão específica, num contexto cultural, econômico,
religioso, filosófico e político totalmente diferente do nosso. Além disso, aproximadamente
40 autores participaram deste processo, o que a torna ainda mais heterogênea e
eclética. Portanto, interpretar este livro e trazer seus ensinamentos,
ressignificado-os para o nosso tempo, não é tarefa fácil.
Por outro lado, não conhecer os conteúdos e os princípios da
fé leva as pessoas a sempre serem infantis em sua espiritualidade. A priori, ou
elas são manipuladas por estelionatários ou fundamentalistas, ou passam a ser
guiadas por tradições que nada dizem respeito a Jesus e ao Evangelho, ou
caem no problema das interpretações, por vezes, bizarras.
A educação cristã é tão importante quanto à educação
tradicional. Um povo analfabeto em termos de Bíblia refletirá um cristianismo
distorcido e insipiente. O pior é que não há solução de curto prazo, pois cada
vez mais as pessoas leem menos. Até nas igrejas as passagens são projetados em
telões. Desta forma, nem mesmo na comunidade de fé o indivíduo lê o texto em
sua própria Bíblia!
Abrir a Escritura foi uma das mais prazerosas experiências
que tive na vida. Em minhas mãos, tenho mais do que um conjunto de livros,
tenho um “ente relacional”, escritos que ganham vida, palavras que saltam das páginas
e interagem comigo. Elas me confrontam, indagam, acalmam.
Em qualquer área do conhecimento humano é mister o
aprofundamento teórico. Na vida cristã também é assim. O desconhecimento das
verdades bíblicas tem consequências profundamente danosas à espiritualidade, sendo
que a menos impactante delas é a formação de uma geração de fiéis totalmente “sem
noção”. Seria, sem qualquer ofensa, a consagração das toupeiras!
Contudo, eu lhes pergunto: fazer o quê?
Carlos Moreira
Carlos Moreira