O “pecado” da Figueira era o disfarce. Era ter folhas e não
ter frutos, estar decorada, mas não ter nada para oferecer, parecer apetitosa
de longe, ainda que, de perto, estivesse pálida e seca.
Jesus não suportava esse tipo de estelionato. Ele sabia o quanto isso fazia mal ao ser. Aquela Figueira era uma arquetipia de Israel, uma representação daquela devoção que cumpria as etiquetas da religião enquanto, ao mesmo tempo, asfixiava as fontes da alegria de ser. Era o mal daquela geração: amargar existir apenas para fora. Sem frutos, a árvore secou. No correlato, sem amor, o que se pode aproveitar?
Hoje a Igreja é o Israel de Deus, a Kahal, a assembléia dos
chamados à festa onde o perdão é servido como dádiva do amor no banquete da
vida. Mas as dinâmicas da religião ainda continuam tão vívidas, privilegiam aparências,
disfarces em plena luz do sol ao meio dia.
“Venha para cá!”, eles dizem. “Entre, sinta-se em casa. Aqui
acolhemos a todos, sem distinção, sem prediletos”. Mas ao passar pela porta,
você é orientado a pegar a sua máscara. Coloque-a sutilmente, ajuste-a
levemente e sente-se confortavelmente. Aguarde um pouco e você logo ouvirá: “Não
se incomode, aqui todo mundo está escondendo alguma coisa, aqui todo mundo é perfeito”.
Então, sorria! Seja o mais artificial que puder. Todos estão
olhando e todo mundo sabe de todo mundo. No fundo, é como um grande baile onde
a insensatez é senso comum. Você é fraudulento? Não se importe! Pareça honesto,
fale de princípios, defenda a honradez! Nas próximas duas horas de “culto”, você
pode ser quem quiser, só não seja você mesmo.
Você é gay? Não se atormente! Mas seja discreto, sente-se
como macho, pareça um “pegador” e tudo estará bem. Se tiver um relacionamento,
cuidado! Não cometa deslizes! Não vá esquecer de usar os artigos e pronomes sempre
no feminino. Ademais, que importa que se saiba a verdade? Aqui, entre os “santos”,
não pode haver “manchas” ou “máculas”. Deixe os incômodos para a dura realidade
que está do lado de fora...
E assim, de disfarce em disfarce, os dias vão se arrastando...
O mentiroso, como num passe de mágica, torna-se assertivo. E no picadeiro do
mercado da fé, o fofoqueiro é confiável, o avarento, generoso e o hipócrita,
autêntico. Até eu, que sou lixo, sinto-me são neste meio... Quisera, todavia,
ser apenas pecador...
Mate-me, se preciso for, mas diga-me sempre a verdade na
cara, crua e rara, verdade verdadeira! Não me deixe viver no engodo, não me
deixe sucumbir no engano de mim mesmo. Livra-me da embriaguez de me imaginar protótipo
de idealizações, projeto perfeito, quase rarefeito, de um Robocop espiritual
que, na melhor das hipóteses, não passa de manequim de espantalho travestido de
uma espiritualidade arrotada boca a fora, mas jamais encarnada como vida no chão
do mundo.
Carlos Moreira
Carlos Moreira