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Jesus dizia a todos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23.

19 janeiro 2011

Contra-Fluxo


A sensação é de estar remando contra a maré, indo na direção oposta, subindo quando devia estar descendo, descendo quando devia estar subindo.

“Negue-se a si mesmo”, é a voz que escuto o tempo todo, todo o tempo. Desisti de tentar impressionar a Deus, aos homens. Entendi que não será por habilidades, nem necessidades. Não será por nada que eu possa fazer. Não será “por força, nem por violência”, não será pela ciência, nem mesmo pela razão. Apenas deixo-me levar pela brisa e, caminhando no caminho, semeio o bem e colho a esperança.


Enquanto todos querem ajuntar, desejo aprender a repartir. Enquanto querem mentir, busco encontrar a coragem de andar na verdade. Enquanto querem ser desleais, pretendo me tornar mais fiel. Rio-me da ganância, desprezo a futilidade, faço caso do sucesso, da busca da felicidade desprovida de propósitos. Cresço para dentro, expandindo minha consciência, alterando meus valores, repensando minha história. Aos que desejam mandar, ofereço o servir. Aos sofisticados e complexos, ofereço a simplicidade; aos arrogantes, a humildade; aos maliciosos a pureza; aos invejosos a singularidade de ser o que sou, incompleto, imperfeito, uma “metamorfose ambulante”.

Sim, é verdade, já compreendi que seguir a Jesus implica em andar na contra-mão, pois o Evangelho é um contra-fluxo, é subversão silenciosa, é mudança de coração, é transformação dos “ambientes” interiores, uma vez que a “ética do Reino é a estética do lado de dentro”.

E será assim, sem máscaras, sem cascas, despojando-me de tudo que possa impermeabilizar minhas sensações, libertando-me do que cauteriza as percepções, largando pela estrada tudo o que não é vida e aprendendo a recomeçar que, aos poucos, me tornarei um pouco mais parecido com Ele.


E assim, como o grão de trigo, que morre para poder fomentar a vida, morro também, pois, “pra que outros possam viver, vale a pena morrer”. Não deixarei para morrer amanhã, quero morrer logo, hoje, agora! Por isso, abro mão, despojo-me de mim mesmo, abro as janelas da alma, destranco os ferrolhos do coração, e morro. Morro enquanto ainda é tempo, pois os que me propõem a “vida” andam as portas a me convidar a seguir de acordo com o fluxo, de conformidade com as "marés", na direção da multidão, do corriqueiro, do banal. Eles me oferecem a morte embalada com papel celofane, numa caixa bonita, mas, no fundo, ainda é apenas morte. E eu, que pela morte de mim mesmo abracei a Vida, insisto em seguir na direção contrária.

Carlos Moreira

Determinismo ou Possibilismo?


Uma pergunta que todo mundo faz quando acontecem tragédias como a mais recente que provocou tanto desespero na região serrana do Rio de Janeiro é se esses acontecimentos não poderiam ser evitados. A essa pergunta são dadas poucas respostas plausíveis e convincentes.


É bem verdade que ninguém pode evitar que um grande terremoto aconteça, que um tsunami venha a varrer as cidades litorâneas de algum continente ou que a chuva torrencial provoque desmoronamentos. Mesmo o mais eficaz monitoramento de possíveis catástrofes naturais não evita inteiramente os desastres, embora possa atenuá-los.


Por outro lado, sabemos que um grande número de mortes resultantes desses acidentes da natureza poderia ser evitado caso a ambição política, o descaso para com a vida de milhares de pessoas e a obstinação dos homens não fosse tão grande. As tragédias, em geral, são ajudadas, paradoxalmente, pelos próprios homens que são as principais vítimas desses acontecimentos.


Se não fosse o crescimento desordenado das cidades, as propinas recebidas pelos fiscais das prefeituras municipais para fecharem os olhos à ilegalidade e os políticos doando terrenos em áreas de risco com fins eleitoreiros, provavelmente os números dessas hecatombes não seriam tão astronômicos; e os números não mentem jamais!


Voltando, porém, á pergunta do início do texto (se as tragédias poderiam ter sido evitadas ou não) percebo que por trás desta indagação subjaz um velho dilema humano; refiro-me ao embate entre determinismo e possibilismo. Há uma força maior desencadeando os acontecimentos trágicos diante da qual os homens são impotentes ou o próprio ser humano é responsável por aquilo que lhe acontece?

As opiniões deterministas e possibilistas permearam algumas das discussões mais antigas da humanidade. Determinismo e possibilismo travam uma luta feroz que começou no mundo antigo, passou pela Idade Média, avançou através da modernidade e continua acirrando os ânimos no mundo contemporâneo.



No mundo medieval Agostinho e Tomás de Aquino foram respectivamente representantes do determinismo e do possibilismo. No século XVI e XVII, por exemplo, homens como Calvino e Armínio opuseram as suas opiniões uns aos outros ao discutirem questões ligadas à salvação da alma dentro da perspectiva cristã.


João Calvino, enfatizando mais a soberania de Deus do que a liberdade humana, afirmava que a divindade havia escolhido os homens destinados á salvação e à danação eterna antes mesmo de terem nascido ou praticado qualquer tipo de pecado (predestinação). Já Armínio, inclinado mais ao livre arbítrio, dizia que o homem contribuía com a sua salvação ao responder positivamente ao chamado do evangelho.


Passando da teologia à geografia, no século XIX geógrafos alemães e franceses também se dividiram entre deterministas e possibilistas. Os primeiros advogavam que era o meio que determinava o homem, os segundos diziam que, ao contrário do que pensavam os primeiros, é o homem que determina o meio através das mudanças que nele produz.


Nos dias atuais o debate sobre doenças como o câncer, o diabetes e até discussões de gênero acerca do homossexualismo trouxeram de novo à tona os debates entre deterministas e possibilistas. Afinal de contas, somos livres ou escravos de um “destino”? A liberdade humana evita ou contribui para as catástrofes? Somos predestinados ou escrevemos com as nossas ações a nossa própria história?


Eu confesso que não tenho uma resposta definitiva para estas perguntas, mas desconfio que a resposta mais adequada a estes questionamentos se encontra no meio do caminho, em algum ponto intermediário entre o determinismo e o possibilismo. “A virtude está no meio”, disse sabiamente Aristóteles.


Acredito que naquilo que tange á liberdade humana, o homem se encontra, para usar uma linguagem jurídica criminal, sob uma “liberdade condicional”. Somos livres, mas só até certo ponto. Desse ponto em diante talvez sejamos guiados por alguma força cega e avassaladora que nos arrasta como fez a lama dos morros com as casas da região serrana ao descer encosta abaixo.

O que é esta força? Talvez aquilo que chamamos todos os dias, por não ter uma palavra mais adequada, de DEUS.

André Pessoa via Século XXI

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