Quando alguém aceita a Cristo como seu Senhor e Salvador,
não percebe, de imediato, o milagre que se realizou silenciosamente em seu
ser, o desencadeamento de todo um processo interior e espiritual em proporções
inimagináveis.
Através da iluminação do Espírito Santo, que produz a
consciência de pecados, nascemos de novo, recebemos o próprio Espírito em nossas
vidas, apropriamo-nos da remissão de pecados – mediante o sangue do Cordeiro – somos
justificados pela fé, pois cremos com o coração e confessamos com a boca a
Jesus, e, a partir de então, começamos a viver os prenúncios da eternidade,
pois nossa consciência começa a ser reelaborada a partir da matriz de
valores do Evangelho, o que nos leva a praticar atos de justiça.
O processo de santificação, que é este desafio de, no
caminho encarnarmos “O Caminho”, é algo que vai sendo gestado de dentro para
fora, das percepções para as ações, dos conteúdos para a prática, algo que
permite com que carisma e caráter caminhem lado a lado, harmonizem-se com a finalidade
de construção de um novo ser, pois, como disse Proudhon,
“a revolução sucede à revelação”.
Isso fica bonito num texto religioso-filosófico, mas, na
prática, a realidade é outra. O que tenho visto, nas últimas décadas, é que o
“evangelho” não produz mais aquilo que deveria produzir, ou seja, ou ele perdeu
a sua eficácia com os anos, ou o que estamos pregando é um outro “evangelho”!
Sinto uma alegria indescritível quando encontro alguém que
me relata ter tido recentemente uma experiência com Deus através de Jesus
Cristo. Por outro lado, minha alma é invadida por uma imensa tristeza, pois sei
que há grandes chances desta pessoa se tornar uma vítima da engrenagem das instituições religiosas, pois, como disse Nietzsche, “Deus está morto e o seu
túmulo é a Igreja".
Quando o filósofo escreveu esta sentença, estava diante de
uma religião perversa, a qual havia criado um “deus” caricaturado, um ser
absoluto e indiferente. “Matar” Deus, significava extinguir o dogma, o
conformismo, a superstição e o medo, era a proposta da não imposição de
“regras”, as quais impediam a transcendência do ser, sua auto-afirmação, sua
busca por elevação em sua saga existencializada.
O que vejo em nossos dias é que as pessoas “desembarcam” nas
comunidades, às vezes oriundas de movimentos, outras após aceitarem o convite de amigos ou parentes, em algumas situações após terem levantado a mão num “apelo”, seja como for, e, a partir daí, iludidas pelo "sistema", começam a imaginar que a vida cristã significa apenas uma mudança na agenda, e não uma transformação na consciência!
O “novo convertido” inclui em sua programação semanal um
culto dominical, uma reunião de oração, a participação em um pequeno grupo, ou
mesmo num movimento, e pronto, toda a sua vida está rearrumada! Agenda refeita,
lá vai o novo “crente” “mundo a fora”, ano após ano, e nada do que ele faz é
capaz de produzir transformações significativas em seu ser – reestruturação
emocional, ressiginficação conjugal, reelaboração familiar, renascimento
espiritual, redirecionamento profissional.
É que o sujeito, não raro, apenas trocou o bar pelo pequeno
grupo, o cinema pelo culto, a praia pelo movimento e a palestra pela reunião de
oração. Ele mudou a agenda, mas não mudou o coração. Em alguns anos, irá sentir-se
totalmente esvaziado de propósitos e significados, viverá uma fé epidérmica,
uma espiritualidade não-sustentável, se decepcionará com a Igreja, ou, talvez,
até com o próprio Deus, irá tornar-se um “esquentador de banco”, freqüentador
de reuniões que possuem, como único objetivo, purgar de sua consciência um
sentimento de culpa por ter se tornado um ser sem emoção, sem reverência, sem
devoção.
Termino com Karl Jaspers, filósofo e psiquiatra alemão: “a verdadeira existência é a possibilidade de
transcender a situação na qual nos encontramos”. E eu, na minha
insignificância, fico pensando: e se não for isso, então, o que será?
Carlos Moreira
Carlos Moreira