“Eu vou ao culto”? Vai não, você é um culto!
Nas manifestações religiosas dos hebreus, na antiguidade, o culto se relacionava a expressões de devoção e adoração associadas a lugares e circunstâncias, daí a prática dos Patriarcas de construir altares, com vistas a demarcar espaços de comunhão com Deus.
Depois que o Templo foi construído por Salomão, o lugar da vivência das práticas ligadas ao sagrado se confinou as paredes daquela mega-construção, onde as rotinas litúrgicas de culto eram executadas por funcionários devidamente qualificados.
No desterro babilônico, diante da ausência do Templo, os hebreus passaram a utilizar como lugar de adoração e ensino as sinagogas, prática que se mostra presente nos dias de Jesus e, após a destruição do Templo, no ano 70 d.C., pelos romanos, como modelo consolidado para esse fim.
Mas, em Jesus, e no Evangelho, o culto ganha uma dimensão totalmente diferente, ele move-se de um lugar fixo – “nem neste monte nem em Jerusalém” – para todo e qualquer lugar – “pois o Pai busca adoradores que o adorem em Espírito e em Verdade”.
Nesta perspectiva, culto é o que acontece na vida, culto é a dinâmica da existência que se rendeu a Deus e busca materializar a fé em atos de amor e justiça.
Por isso Paulo, quanto trata deste tema, ensina que o culto é racional, pois envolve todas as dimensões do nosso viver – corpo, emoções, intelecto e espírito – conforme descrito na sua carta aos Romanos. Em Coríntios, ele explicita ainda mais, dizendo que “quer comais, ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei-o para a Glória de Deus”.
Assim, não há geografia sagrada no Evangelho, nem lugares santificados, pois o culto acontece debaixo do sol, na forma como encarnamos os valores do Reino de Deus.
Na parábola do Samaritano, o sacerdote e o levita haviam saído do “culto”, onde tinham sacrificado no altar santo e louvado a Deus com suas oblações, mas foram incapazes de discernir que o culto seguia pelo chão da vida, e agora se apresentava diante deles na figura moribunda de um transeunte machucado por malfeitores.
De fato, aquele homem era o altar onde a fé deveria ganhar concretude pela via da solidariedade e do amor sacrificial, mas eles não puderam compreender, pois seus olhos e mentes estavam impregnados pela insensatez de um tipo de espiritualidade que privilegia rotinas e formas, mas despreza as dinâmicas do coração...
Carlos Moreira