Quando eu era criança, lembro de ter olhado muitas vezes para aquela “casa mal-assombrada”, de onde um trenzinho entrava com gente eufórica e saía com a mesma moçada apavorada, mas sempre tive medo de me aproximar, pois não sabia o que iria ver, ouvir ou sentir ali dentro. Andar num trem fantasma foi uma das poucas coisas que eu quis fazer quando era pequeno, e não fiz...
Já adolescente, de férias no Rio de Janeiro, fui certo dia a um parque de diversões e me deparei com a “casinha dos horrores” – o trem fantasma. Era a grande chance, à hora da virada! Meu desejo de entrar foi tamanho que eu não me apercebi nem de outros brinquedos muito mais legais. Corri para a fila, comprei o ingresso e fiquei esperando a minha vez chegar.
Não demorou muito e o tão esperado momento aconteceu. Sentei-me sozinho no “vagão” que era feito para duas pessoas. Na minha frente e por trás de mim a meninada gritava com todo entusiasmo, um barulho frenético e ensurdecedor. De repente, um apito anunciou o início da aventura. Durante mais ou menos dois minutos fui submetido a um impressionante espetáculo de horror. Tinha de tudo: múmia em sarcófago, o conde Drácula, lobisomem, morto saindo de caixão, mulheres se arrastando num pântano, gente devorando restos humanos, uma desgraceira sem precedentes!
Por fim, veio o final do trajeto, e o trenzinho, envolto em uma nuvem de fumaça, saiu da casa e parou na “estação”. Como era de se esperar, as reações foram as mais diversas. Pouquíssimas pessoas estavam com ar tranqüilo ou mesmo sorrindo. A grande totalidade era composta de crianças chorando, adolescentes gritando, meninas em polvorosa e até adultos com cara de horror. Eu, todavia, e de forma surpreendente, sentia-me profundamente frustrado, inerte, quase sem sensações.
Analisando o fato depois, não sei se minha decepção veio por ter perdido tanto tempo com medo de algo tão infantil, ou porque havia saído quase da mesma forma como tinha entrado. Dizer que não foi legal, seria exagero, mas, de certa forma, foi brochante, e a razão era uma só: eu sabia que tudo ali era apenas ilusão, simulação, representação. Nada era, de fato, real.
Pois bem, pensando nesta experiência, e analisando o que tenho visto durante estes mais de 30 anos no dito “mundo eclesiástico”, cheguei à triste conclusão: a “igreja” dos nossos dias é muito parecida com um trem fantasma. Aliás, em alguns casos, a “igreja” apresenta um “espetáculo” muito mais pavoroso!
Para tentar comprovar minha “tese”, vou dividir as “igrejas” em três tipos distintos. Faço, obviamente, uma ressalva: nem todas as comunidades são iguais, e nem todas possuem as características que aqui irei descrever. Generalizações são, quase sempre, injustas, mas, no caso em questão, há de se pensar... Contudo e, graças a Deus, sempre existirão as exceções. Triste, todavia, é saber que o que deveria ser regra, em nosso tempo, é apenas evento extra-ordinário.
O primeiro tipo de “igreja-trem-fantasma” que quero descrever é aquela em que o sujeito entra e sai sem que nada, absolutamente nada, lhe aconteça. Tudo o que ali se passou, naquelas 2 horas de “culto” – em média – não lhe trouxe qualquer proveito, não lhe provocou nenhum tipo de sensação. Nem lhe impressionou positivamente, nem lhe chocou; nem produziu emoção, nem desprezo; simplesmente, passou de forma incólume. Nos casos mais extremos, o sujeito olha para o que ali se fez e acha que o “roteiro” é sempre demasiadamente infantilizado. Mas, empurrado pela mesmice, vai levando...
Este tipo de “igreja” produz um “cristão” alienado, robotizado, mecanizado, sem emoção ou sensações. Ele vai ao “culto” porque este ato já faz parte de sua rotina sócio-religiosa, a qual ele repete a cada domingo. Nesse ambiente “insosso”, onde a liturgia venceu a espontaneidade, a adoração deu lugar a um recital musical, e a mensagem trata dos heróis da fé ou de temas profundos da teologia sistemática, o sujeito acaba ficando confortavelmente anestesiado. Ele assiste a tudo, mas como se não lhe dissesse respeito, uma vez que nada do que ali é feito lhe acrescenta conteúdos a alma ou sensações ao coração e por isso, não pode gerar nenhuma concretude espiritual.
O segundo tipo de “igreja-trem-fantasma” é aquela voltada ao “espetáculo”. Você já nota a “coisa” logo na entrada! O “negócio” é por todo mundo em movimento, ninguém pode ficar parado. O “louvor” é uma aula de aeróbica – dança, pula, é um suadouro sem fim. A liturgia é mínima, simples, pois o “melhor” do culto ainda está por vir: a mensagem! O pregador é o rei da homilética. Voz empostada, alternância de intensidade, citações de pensadores, faz uma mensagem perfeita – rápida e objetiva – para não cansar os ouvintes. Os temas são sempre superficiais, para que ninguém saia chocado ou magoado. O importante é deixar a “platéia” feliz, pois, assim, ela voltará novamente no próximo domingo.
Este tipo de “igreja”, servindo-me de um termo utilizado pelo bispo Hermes Fernandes, é uma “igreja” sonâmbula, ou seja, tem muito movimento e pouca consciência. Ela produz um “cristão” alienado que, mesmo ouvindo verdades espirituais, sai dali para viver a vida como bem entende. Nada do que aconteceu lhe impacta para além do final do culto, pois, na segunda feira, ele voltará a viver como sempre viveu. Assim, tudo ali não passou de fantasia, de ilusão, coisa para entreter a alma, mas jamais para mudar o caráter, ressignificar a consciência ou despetrificar o coração, o que levaria a materialização de ações que fossem dignas do “arrependimento”.
O terceiro tipo de “igreja-trem-fantasma” é aquela que promove um verdadeiro show de horrores! Nestas é possível ver de tudo, inclusive exorcismo do tipo mais bizarro possível, com entrevista com o “capeta” ao vivo e a cores. Visões extravagantes também são comuns – de anjos e outros “bichos”... Este tipo de “culto” valoriza os excessos, a gritaria, os chavões repetidos sem qualquer entendimento, a catarse emocional. O sujeito entra arrumado, sai descabelado, e ainda diz: o “culto” foi uma “benção”! Todo este misancenio, contudo, é intercalado com orações espalhafatosas – para produzir “derramamentos” e “milagres”, pedidos inflamados de dinheiro – de forma abusiva, manipulatória e indiscriminada, e testemunhos de curas e de feitos extraordinários – realizados após a filiação a “igreja”, ao cumprimento das etapas de certas “campanhas”, ou do acerto financeiro de contas com o “sagrado”.
Esta “igreja” é a que tem produzido o pior tipo de “cristão”. Trata-se de um ser de conluios com a “divindade”, alguém movido a barganhas com o “todo-poderoso” – dá cá que eu dou lá. Este tipo de ambiente produz apenas uma espiritualidade sincrética, a qual adiciona a fé “evangélica”, práticas de religiões afro-brasileiras, do espiritismo e até do candomblé. As pessoas que estão ali, em sua grande maioria, buscam apenas solução para seus problemas. Elas bem que poderiam estar na macumba, ou na feitiçaria, desde que o resultado final almejado pudesse ser “alcançado”. É a religião da “prosperidade”, aquela que antecipa o céu na terra, que retira a cruz, a humildade e a abnegação do Caminho, e coloca em seu lugar a riqueza, a saúde e a felicidade.
É triste assistir a tudo isto... Um “trem” com três “vagões” – uma “igreja” com três faces: a da tradição e da inércia, que produz anestesiamento existencial; a do show “pirotécnico” e das conveniências, que agrada o “público”, mas não produz transformação de vida; e a da extravagância e dos horrores, que gera adoecimento emocional e empobrecimento espiritual.
Se minha filha Gabriela, hoje com 8 anos, quiser ir passear no trem fantasma, vou junto com ela. Mas se me chamarem para entrar num “trem” que pare em qualquer uma destas “estações” que citei acima, digo-lhes sem pudores: “tô fora”! Na verdade, o único trem que hoje eu gostaria de pegar era o “Trem Azul”, aquele da canção do Lô Borges, que lhe permite fazer a viagem com o sol na cabeça, a brisa no rosto e a paz no coração. O mais meu mano, é coisa de doido... Pense nisto...
Carlos Moreira
Carlos Moreira