Eu não quero ser escravo de qualquer máquina que me chantageie com avisos sonoros, recados falantes e imagens instigantes, não preciso me tornar seu refém estando obrigado a responder tudo o que ela me manda, com e sem propósitos, nem ter que viver “conectado” a algo que não tem conexões em mim.
Eu não quero ser dependente de redes sociais virtuais que me obrigam a exibir em selfies e vídeos uma vida que não é minha, demonstrando uma alegria que não passa de brilho de aluguel, expondo cenas que são construções plásticas, liberando intimidades que são encenações flagradas para agradar ao freguês.
Eu não quero viver sobre a bandeira da ideologia partidária, achando que o mundo se divide entre “nós” e “eles”, rechaçando o bem que é feito pelo outro por causa da cor da sua bandeira, ou das letras de seu partido, negando a verdade de fatos irretocáveis por causa de suas origens políticas, invalidando discursos óbvios por não se respaldarem nos meus teóricos de bolso e em minhas filosofias de gaveta.
Eu não quero seguir uma religião que se acovarda entre quatro paredes de um templo mórbido, onde a gordura da consciência impede a ação solidária em favor do meu igual, não tenciono viver preso a liturgias que reverenciam Deus em formas estéticas, mas que não transformam a vida em culto libertário e o próximo em altar para o meu serviço amoroso, não desejo existencializar uma fé que fecha o céu para quem não crê igual a mim nem segue as doutrinas que construí para meu desplante, já sei, desde sempre, que meu Deus é mais indulgente comigo do que com os outros.
Eu não quero ser um cidadão de mente sedentária, manipulado por uma mídia perversa, que tem na agenda os interesses de predadores da alma humana, não posso fazer vista grossa para o que me diz respeito e está no entorno da minha casa como se fosse apenas um problema do Estado, nem desejo me fossilizar como um teórico que sonha em mudar o mundo, mas não tira a bunda do sofá da sala de estar.
Eu não quero ser um escravo do desejo, nem um indivíduo preso na coleira do consumo, viciado em comprar o que não preciso e tornando-me um acumulador de supérfluos tecnológicos, eu não vou viver exibindo o que se constitui a “última moda”, nem vou possuir o modelo mais usado pelos gestores dos padrões e etiquetas culturais, aqueles que vivem uma vida performática, os que debaixo de suas maquiagens e grifes agonizam em angústias noturnas, tendo que amargar o personagem que os consome o ser.
Eu não quero ser vítima de relações abusivas, nem ser chantageado em nome de um amor que vicia, não preciso que ninguém trague a minha alma nem estupre o meu coração, ou faça de mim o seu objeto de consumo tedioso, eu não sou coisa, sou gente, não posso ser usado e descartado, meu espírito é infinito, não pode ser jogado no lixo do cotidiano.
Eu não quero poder dizer que não quero por causa de partido político, igreja, pessoas, ideologias, modismos culturais, tendências tecnologias, filosofias existencialistas, pensadores libertários, ou qualquer outra coisa que me torne refém de algo que não esteja em mim, não faça parte de mim, ou que em mim não aconteça como verdade e amor. Simplesmente, não quero...
Carlos Moreira