Como de costume, estava saindo às pressas para o escritório. Mal deu tempo de engolir o almoço e lá estava eu, de volta a maratona minha de cada dia.
Na saída do prédio, entretanto, algo me fez parar. Eu moro num edifício antigo, daqueles que possuem poucas unidades. Mas, confesso, não tenho do que me queixar. O bairro é bom, o espaço é ótimo, com cômodos amplos e bem divididos. Já a Gabriela, não sei...
Gabriela é minha filha de apenas 4 anos. Tenho dúvidas se para ela nossa aquisição foi boa. O motivo é simples: o prédio não tem parquinho, piscina, nem salão de festa. Apenas um pilotis cimentado e amontoado de carros com uma pequena área na entrada.
Pois bem, com tantas “deficiências”, levando-se em consideração os modernos arranha-céus que existem ao redor, a Gabi não parecia nem um pouco insatisfeita. Naquela tarde, colocou no pequeno espaço que havia entre a guarita e um carro sua “piscina” para se divertir. Aliás, chamar aquele artefato de piscina é um despropósito. Na verdade, tratava-se de uma antiga bóia que ela utilizava quando tinha meses de vida para brincar com a água.
Ao contrário de tudo que se possa imaginar, levando-se em consideração tanta “precariedade”, a pituca se esbaldava dando gritos de alegria e risos soltos no ar. Batia com as mãos na água, que se esparramava pra todo lado, e me mandava beijos de despedida.
Sem dúvida, uma cena arrebatadora. Pensei comigo mesmo por alguns instantes: tanta felicidade, com tão pouco. Como a Gabi pode estar tão feliz com apenas uma bóia e dois palmos de água? Na verdade, naquele dia, minha filha me deu um banho de simplicidade. Ao contrário do que eu imaginava, a piscina não era algo tão determinante para ela...
A vida moderna acabou por criar uma série de demandas de coisas que, não raras vezes, são totalmente dispensáveis na nossa lista de imprescindíveis. Constatei isto depois do episódio da “piscina”, numa análise, mesmo que simplista, sobre algumas coisas que julgava ser fundamentais no meu dia-a-dia.
Para se ter uma idéia, na minha lista passou desde alguns gêneros alimentícios até o uso de eletrodomésticos. Fiquei intrigado em ver que algumas coisas que eu realmente achava fundamentais acabaram não sendo assim tão importantes... Durante todo aquele dia continuei meditando e, para minha surpresa, vi que a lista começava a ter proporções cada vez maiores, cabendo, inclusive, até alguns eternos “sonhos de consumo”.
O que é mesmo necessário para se ser feliz? Paulo escrevendo a seu filho na fé Timóteo parece ser sintético demais. “Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele.Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes”. I Tm 6:7-8. Ora, dizer isto nos nossos dias soa como uma verdadeira aberração. Como se pode viver sem um telefone celular? E o ar-condicionado? Neste calor! Impossível. Você já imaginou o que seria de sua vida sem uma televisão? E banho quente, já pensou? Imagina tomar um banho frio no final de um dia de trabalho? Inadmissível! Será?
Impressionante mas, até a metade do século XX, boa parte destas coisas que eu mencionei como imprescindíveis à vida sequer existiam no Brasil. E isto há apenas 60 anos atrás. Será que as pessoas daquela época eram menos felizes do que nós somos?
Fico imaginando se Paulo escrevesse o mesmo texto hoje. Penso que, talvez, ele refletisse uma outra realidade. Como sabemos, a cultura sempre teve grande influência sobre o texto bíblico. Por isso, é bem provável que no nosso contexto algumas outras coisas realmente tivessem que ser acrescentadas para se poder viver a vida com dignidade. Mas, provavelmente, a nova lista continuaria a nos surpreender pela simplicidade.
Boa parte dos problemas que chegam aos gabinetes pastorais está relacionada com questões financeiras. Nós vivemos oprimidos por um forte apelo de consumo, seja de bens, de serviços, ou de gêneros alimentícios. A propaganda e o marketing são capazes de realizar maravilhas. Um consumidor menos precavido é sutilmente conduzido a se endividar realizando a compra de algo que, a primeira vista, parecia indispensável. Ao depois, entretanto, acaba se juntando a uma dúzia de outras coisas sem grandes utilidades.
Na verdade, a concupiscência dos olhos parece ter ganhado seu maior significado na sociedade pós-moderna. Ë muito apelo! Televisão, jornal, letreiro, stand, internet, vitrine, folder, e uma infinidade de outros instrumentos de comunicação estão sempre ávidos por encontrar os olhares cobiçosos de consumidores cada vez mais despreparados para comprar. Além do mais, para se levar tais “bagatelas” para casa não se precisa nem ter dinheiro! Tem cartão, crediário, cheque pré-datado, nota promissória, carnê e, se mesmo assim não der, você pode fazer um empréstimo bancário a taxas de juros extraordinárias; para os banqueiros, é claro.
Será mesmo que eu preciso disto? Será que esta é a melhor hora para fazer isto? Será que vou ter condições de pagar por esta aquisição? Perguntas tão óbvias, que poderiam evitar tanto sofrimento, mas que são, desgraçadamente, esquecidas na hora de se comprar algo ou de se fazer alguma despesa.
Fico impressionado como o tema “problema financeiro” tem uma alta capacidade de destruição. Famílias podem ser arrasadas como conseqüência de uma má administração econômica. Relacionamentos conjugais podem “virar sopa” por conta de descontroles e irresponsabilidades. Viver com dívidas é como viver no inferno. É uma tormenta da hora em que se levanta até a hora em que se vai dormir. Não há nada pior do que acordar com o telefonema de um gerente de banco dizendo que a conta está descoberta. Lembro-me de Paulo quando diz “a ninguém fiqueis devendo coisa alguma exceto o amor...” Rm. 13:8. Não tenho dúvidas de que o apóstolo queria nos poupar de tristezas e dissabores.
Você já olhou sua lista de imprescindíveis? Será que tudo que está nela é de fato indispensável? Vejo que as Escrituras Sagradas nos instam a um viver simples. Por isso Jesus recomenda buscarmos em primeiro lugar o Reino de Deus. Sim, Ele nos garante que “as outras coisas” nos serão acrescentadas. E o que é o Reino de Deus? Diz Paulo: “não é comida nem bebida”, mas “justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”. Rm. 14:17. Ou seja, não é constituído de coisas, mas de valores. A felicidade não está baseada no que se tem, mas em quem se é.
Gosto do pensador de Eclesiastes quando ele diz:”Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho... Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol; porque esta é a tua porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo do sol”.
Sim, ele fala de simplicidade. Não inclui o carro do ano, o apartamento de cobertura, a banheira de hidromassagem, o DVD, o microondas, o notepad, o celular, o i-pod, e tantos outros “imprescindíveis” dos nossos dias. Mas ensina a comermos com alegria, coisa que muitos de nós já não sabemos o que é. Cita o pão como elemento que expressa a graça de “cada dia”, como no pai-nosso, e o vinho como simbolização do prazer de se poder apreciar o que é bom e o que faz bem. Fala também da mulher amada, numa clara demonstração do prazer que há na conjugalidade, e é só. Só isso? Sim. Não precisa de mais nada. Esta é a nossa porção. É tudo o que precisamos. O resto está nas “outras coisas”, que não são essenciais e que, por assim ser, nos “serão acrescentadas”.
Quero viver dias melhores. Quero poder ver minha filha crescer com valores diferentes. Nunca mais me esquecerei do seu sorriso naquela tarde em que eu estava tão apressado para ir para o trabalho. Muitos negócios me esperavam. Coisas urgentes, telefonemas, contas para pagar. Mas uma bóia com dois palmos de água me fez refletir que a vida é mais do que o que eu tenho vivido. Obrigado Pai pela preciosa lição que a Gabi me ensinou. Ensina-me a viver com o pouco e a ser grato pelo muito que tens feito em minha vida.
Sola Gratia!
Carlos Moreira