Davi, o grande rei de Israel, era um homem de batalhas, que na vida colecionou muitos inimigos. Conhecido por sua personalidade forte, por vezes, dura como o aço, em outras ocasiões, todavia, doce como o mel, ele foi responsável pela escrita de quase metade dos salmos da Bíblia.
É dura tarefa realizar a interpretação de textos, sobretudo quando não somente ele, mas o próprio autor está distante de nós. Instiga-me, contudo, esse desafio de decifrar o que habita o coração de alguém em certos momentos de sua vida, como, por exemplo, no caso de Davi, quando ele escreveu: “Prepara-me uma mesa na presença dos meus adversários”, que é uma frase inquietante do extraordinário Salmo 23.
É dura tarefa realizar a interpretação de textos, sobretudo quando não somente ele, mas o próprio autor está distante de nós. Instiga-me, contudo, esse desafio de decifrar o que habita o coração de alguém em certos momentos de sua vida, como, por exemplo, no caso de Davi, quando ele escreveu: “Prepara-me uma mesa na presença dos meus adversários”, que é uma frase inquietante do extraordinário Salmo 23.
Nesse caso em particular, fiz diversos movimentos exegéticos: busquei compreender a frase por múltiplos ângulos: utilizei traduções diferentes, visitei o original hebraico e analisei a crítica dos especialistas. Mas, para ser honesto, o que lhes trago aqui é a minha maneira de percebê-la, o desejo que tenho de encarná-la como prática existencial, a necessidade de transformar letra em carne.
Essa percepção tão intimista foi construída a partir de um sem-número de observações enquanto ouvia pessoas, anos seguidos, tendo acesso aos seus medos, dores e dramas. Foi assim que compus, a partir do mosaico de suas vidas, essa imagem alegórica que agora passo a lhes apresentar.
Há certo tipo de gente que mais se parece com postes por cujos cabos condutores passam imagens, sons, palavras, ações e sentimentos. Suas almas são como emaranhados de fios desencapados, em flagrante perigo de curto-circuito! Creia-me, há indivíduos que se especializaram em construir “gambiarras” no ser, complexificaram tanto a existência que, depois, nem sabem mais quem são, nem o porquê do que estão fazendo.
Na verdade, essa alegoria da interseção de “fios” nada mais é do que os relacionamentos que travamos na vida, sejam eles afetivos, familiares, profissionais ou de amizade, os quais, por vezes, entram em colapso por motivos os mais diversos.
É triste, mas me parece que à medida que o tempo avança e “devora” a vida, tanto mais as pessoas vão se tornando solitárias, com muitos dos seus relacionamentos, literalmente, se “incendiando”, deixando no caminho percorrido um rastro de cinzas e silêncios.
Por isso, tendo como arquetipia essa interpretação do Salmo 23, peço a Deus para pôr na minha presença uma mesa onde estejam todos os meus desafetos. Sim, digo isso porque a gente não se senta com inimigos à mesa, nós os enfrentamos no campo de batalha! Pedir uma mesa na presença de adversários é algo, simplesmente, impensável, eu sei, e talvez seja por isso que eu tanto o deseje.
O motivo, por outro lado, é bem simples: essa mesa pode ser a única possibilidade de reatar laços partidos, resgatar amigos perdidos, reaver momentos que seriam bons, mas que foram desperdiçados para sempre.
Nessa mesa eu poderia usufruir de gargalhadas que nunca foram dadas, alegrias não experimentadas, recobrar abraços perdidos e partilhar choros contidos. Sim, nesse lugar de encontro seria possível desfrutar da solidariedade que tem tanta serventia quando somos visitados pelos dias cinzentos da existência.
Na minha interpretação da frase lapidar de Davi, a mesa se põe na presença dos inimigos para que eles possam novamente sentar-se ao meu lado, pois assim é possível haver perdão, cura e libertação. O óleo que desce sobre a cabeça tem por finalidade sarar a consciência e produzir saúde para pacificar a alma, e o cálice, aqui também alegorizado, deve sempre transbordar o vinho da alegria, deixando vazar o regozijo que há quando na vida se torna possível o reencontro e a reconciliação.
Quão bom seria poder sentar numa mesa como essa, fosse eu convidado de outrem, fosse o anfitrião da festa do amor! Pena que a realidade nos revele um cenário tão diferente, pois nele é a intolerância e o rancor que são servidos como prato principal, nunca a paz e o perdão.
Por isso, se te for possível, reconcilia-te ainda hoje com o teu semelhante, pondo perante ti e ele uma mesa, conclamando Deus como tua testemunha desse ato de grandeza. Sim, faça isso enquanto ainda há tempo, pois talvez chegue o dia em que a tua mesa seja apenas feita de distâncias e nela tu estejas, absolutamente, só...
Na verdade, essa alegoria da interseção de “fios” nada mais é do que os relacionamentos que travamos na vida, sejam eles afetivos, familiares, profissionais ou de amizade, os quais, por vezes, entram em colapso por motivos os mais diversos.
É triste, mas me parece que à medida que o tempo avança e “devora” a vida, tanto mais as pessoas vão se tornando solitárias, com muitos dos seus relacionamentos, literalmente, se “incendiando”, deixando no caminho percorrido um rastro de cinzas e silêncios.
Por isso, tendo como arquetipia essa interpretação do Salmo 23, peço a Deus para pôr na minha presença uma mesa onde estejam todos os meus desafetos. Sim, digo isso porque a gente não se senta com inimigos à mesa, nós os enfrentamos no campo de batalha! Pedir uma mesa na presença de adversários é algo, simplesmente, impensável, eu sei, e talvez seja por isso que eu tanto o deseje.
O motivo, por outro lado, é bem simples: essa mesa pode ser a única possibilidade de reatar laços partidos, resgatar amigos perdidos, reaver momentos que seriam bons, mas que foram desperdiçados para sempre.
Nessa mesa eu poderia usufruir de gargalhadas que nunca foram dadas, alegrias não experimentadas, recobrar abraços perdidos e partilhar choros contidos. Sim, nesse lugar de encontro seria possível desfrutar da solidariedade que tem tanta serventia quando somos visitados pelos dias cinzentos da existência.
Na minha interpretação da frase lapidar de Davi, a mesa se põe na presença dos inimigos para que eles possam novamente sentar-se ao meu lado, pois assim é possível haver perdão, cura e libertação. O óleo que desce sobre a cabeça tem por finalidade sarar a consciência e produzir saúde para pacificar a alma, e o cálice, aqui também alegorizado, deve sempre transbordar o vinho da alegria, deixando vazar o regozijo que há quando na vida se torna possível o reencontro e a reconciliação.
Quão bom seria poder sentar numa mesa como essa, fosse eu convidado de outrem, fosse o anfitrião da festa do amor! Pena que a realidade nos revele um cenário tão diferente, pois nele é a intolerância e o rancor que são servidos como prato principal, nunca a paz e o perdão.
Por isso, se te for possível, reconcilia-te ainda hoje com o teu semelhante, pondo perante ti e ele uma mesa, conclamando Deus como tua testemunha desse ato de grandeza. Sim, faça isso enquanto ainda há tempo, pois talvez chegue o dia em que a tua mesa seja apenas feita de distâncias e nela tu estejas, absolutamente, só...
Carlos Moreira