O Alzheimer é uma doença degenerativa que destrói, entre outras funções mentais importantes, a memória. No seu estágio final, o indivíduo não tem mais noção de si nem dos outros, sequer, do mundo a sua volta, é um apagão completo em termos de consciência, não há recordações, nem esperanças, não há alegrias, ou tristezas, não existem sentimentos ou afeições, nada, nem amor, nem ódio, tudo se restringe em torno do total esquecimento. No Velho Testamento, acreditava-se que era nessas condições que a pessoa morta “existia”, numa dormência absoluta, o conceito de inferno, conforme vemos no Novo Testamento, ainda não havia sido incorporado as doutrinas da religião de Israel. Contudo, nos dias de Jesus, a crença no inferno grego – Hades – já estava amplamente difundida e incorporada a cosmovisão daquele mundo, o próprio Jesus se utilizou de tais percepções quando alegorizou essa temática discursiva com os Fariseus na parábola do “Rico e Lázaro”. O “inferno cristão”, por outro lado, tem sua base no “inferno grego”, mas ganhou nova roupagem a partir das teologias medievais, riquíssimas em símbolos apocalípticos e que buscavam, cirurgicamente, produzir medo e horror. Dante Alighieri, no século XIV, transformou essas inquietações presentes no inconsciente coletivo em uma peça teatral – A Divina Comédia – onde surgem, por exemplo, imagens do lago de lama, do cemitério de fogo, das cachoeiras de sangue borbulhando, a floresta dos suicidas, os fossos de fezes e esterco, demônios açoitando pessoas, dentre outras figuras bizarras. É sobre essa base que o ocidente cristão vai construir, debaixo da batuta da “igreja”, o conceito moderno de inferno. Eu, todavia, penso que inferno é algo totalmente diferente, a começar pelo fato de que, inferno, não é um lugar, é um sentir, é um existir numa dimensão onde eternidade não é uma medida de tempo, mas uma condição existencial, e nesse inferno, o mal maior é sermos sentenciados a viver com as nossas memórias. Sim, inferno é a impossibilidade do esquecimento, é o convívio inesgotável com o que fomos e com o que fizemos, o inferno inteiro caberia no “Deus meu, Deus meu, porque me desamparasse!”. Uma mensagem que vai mexer com suas crenças e certezas.