“Convém que Ele cresça e que eu diminua”. A frase lapidar de João Batista é, além de desconcertante, inquietante. Quem, de sã consciência, fala um negócio desses? Quem, responda-me honestamente, quer diminuir, quer ceder o lugar, a vez, o espaço, o status? Eu lhe respondo: não sei. Só sei que eu não. Pelo menos, ainda não...
Mas talvez alguém me questione: “olha,
abrir mão, nesta perspectiva, é deixar que Jesus se sobressaia!”. E eu respondo:
eu sei! E é por isso mesmo que complica, porque Jesus não está atrás de nada, não
precisa de nada, não tem que provar nada, não tem que defender nada, não tem
que lutar por nada! Isso tudo é coisa minha, é dinâmica pequena e mesquinha da
minha existência, da minha luta por um lugar em baixo do sol, da minha
necessidade de parecer, de me fazer perceber, de buscar quem possa me
reconhecer e, em tudo isso sentir, ainda que por um pouco, prazer.
Há algo me apertando a garganta... É uma
vontade enorme de chorar, de gritar, de correr, de dizer que está difícil, “punk”
mesmo, sofrido, doído, ou como se diz aqui por estas bandas, ardido. E eu
preciso confessar! Preciso lhe dizer que não sou o que gostaria de ser, ou,
melhor, o que deveria ser... Não há coisa pior do que você frustrar a você
mesmo. Frustrar os outros já se tornou rotina, mas a pior decepção é quanto você
vê que não consegue ser mais do que já é, chegou ao limite, e, ainda assim, é
muito pouco... Lembro de Clarice Lispector: “oh chega de decepções, estou tão
machucado, me doem a nuca, a boca, os tornozelos, fui chicoteado nos rins”.
Olho para a igreja... Vejo os “personagens”
realizando “malabarismos” no “teatro de marionetes”. Sim, eles fazem mesmo o “show”
acontecer. E como sabemos, “the show must go on!”. São todos “figurões da fé” lutando
entre si de forma despudorada, acusando-se mutuamente, seja em secreto, seja nos
bastidores eclesiásticos, seja de maneira aberrante na mídia, pra todo mundo
ver. É gente muito “poderosa”, que construiu o seu próprio “reino”, mas que nunca
esteve envolvida com o Evangelho, nem com Jesus de Nazaré, nem muito menos com
o Reino de Deus.
Incomoda-me o personalismo, a divinização
do humano, “pastores” sendo alçados a categoria de pop-star, gente que nunca
teve nem referência nem consciência de que foi chamada para lavar os pés da
igreja, para servir os que fazem o Corpo de Cristo. Sim “ministros”, nós
devemos tomar os últimos lugares, tornarmo-nos os menores entre os menores, estarmos
entre os que carregam as maiores cargas, os que sofrem em silêncio, que são
perseguidos, injuriados, caluniados, e ainda termos a certeza de que nos
tornamos alvo fácil para aqueles que abrem a boca com o fim de destruir em um mês
o que foi construído com lágrimas em vinte, trinta anos.
Domingo eu acordei cansado... Já faz
parte... Dormi já era madrugada fazendo a mensagem. É a falta de tempo, não de zelo.
Tinha vontade de tudo, menos de ir pregar. O corpo pesava duas toneladas, a
cabeça doía, os pés estavam fartos de chão e os olhos cansados de tanto ver. Tive
vontade de ficar dormindo. Pensei em ligar para alguém para me substituir. Mas levantei-me
e fui... Tenho dúvidas se deveria. Não sei se era eu que estava ali. “Sabe lá
o que é não ter e ter que ter pra dar?”. Encarnei com todos os matizes a poesia
de Djavan. Estava parado na “esquina” e, diante de mim, se encontravam minha
consciência e minhas limitações.
Fui aos trancos e barrancos. Deus usou o
que sobrou de mim. Era a contradição em pessoa. “Como isso é possível?”,
perguntava-me como que repetindo um velho mantra. Lembrei que não sou eu, mas
Ele em mim... Ainda
assim... A comunidade em que sirvo já me conhece. Sabe que não faço “caras e
bocas”, que não sou performático, que evito disfarces, salamaleques. Era só
olhar para ver que eu não estava bem. Mas tinha de estar. Tinha? Não sei, acho que tinha! Mas não
estava... Como disse o Cáio, “Eu sou Biribá, não nasci para ser Fruta do
Conde”.
Se quiseres mesmo saber o que sou, sou
iconoclasta, estou em busca de desmascarar e destruir os “ícones”, os “ídolos”,
as “imagens”. E faço isso começando comigo mesmo, me expondo e abrindo o meu
ser para que saibas que não sou o que pensas, nem mesmo o que penso eu, pois na
verdade sou pó e podridão, poeira e solidão. Sim, não fosse a Graça que sustenta
os caídos, sequer me levantaria da cama, amargaria existir de mim para mim
mesmo.
Desculpe-me se de alguma forma te choquei...
Faz parte do meu “show”... É melhor que saibas por mim mesmo sobre mim do que
pelos outros, que de mim nada sabem além do que fragilmente conseguem perceber.
Mas eu sei que sou mais do que o que eles podem ver e menos do que eu gostaria de
ser. “That´s all folks!”. Quem lembrar vai entender... “E se quiser saber pra
onde eu vou, pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou...”. Jota Quest.
Carlos Moreira
Carlos Moreira