Hoje é sexta-feira, dia em que tiro à tarde
para aconselhar pessoas na igreja. Eu recebo também aqueles que precisam de
ajuda no meu escritório, e estes se constituem a maioria. Acho que as pessoas
não gostam de ir ao gabinete pastoral para não serem vistas, afinal, é bom
sempre manter as aparências. Ou não...
O bom conselheiro é aquele que ouve muito e
fala pouco. Não raras vezes, as pessoas falam por 30 ou 40 minutos e eu uso
apenas 5 para me colocar. Acho curioso quando, ao final, depois de orarmos, ouço
o seguinte: “pastor, foi maravilhoso vir
hoje aqui, o Sr. me ajudou muito”. Dou um pequeno sorriso e despeço-me
cordialmente. Na verdade, em nossa sociedade, as pessoas precisam apenas ser
ouvidas...
Curioso, mas todo mundo que vem para o
aconselhamento trás uma questão em comum: deseja ser feliz. É legítimo,
razoável, desejável, mas, quase nunca, alcançável, pelo menos não do jeito que
eles imaginam. É que a felicidade, ao contrário do que se pensa, não é um
estado perene na existência, mas uma estação sazonal. A vida é mais feita de
dores e perdas do que de risos e conquistas. E isso, eu lhe garanto, se você
ainda não aprendeu, aprenderá.
Gosto muito do livro de Eclesiastes. Acho
que, no velho testamento, é um dos meus preferidos. Construído em linguagem
poético-sapiencial, escrito por um sábio com consciência epicurista,
Eclesiastes nos chama a analisar a vida como ela é, sem disfarces, sem
contornos religiosos, sem melodramas, tudo preto no branco.
É nesta perspectiva que, no capítulo 9, o
filósofo-religioso nos dá alguns conselhos para alcançarmos a felicidade. Não
sei se servirá para você, acostumado aos “10 passos para isto ou aquilo”, ou aos
manuais de auto-ajuda, ou a teologias complexas, mas, para mim, pobre de
espírito, quebrantado de coração, caiu como “uma luva”.
1º. Conselho – “Portanto, vá, coma com prazer a sua comida, e beba o seu vinho de
coração alegre, pois Deus já se agradou do que você faz”. Em outras
palavras, o melhor da vida está nas coisas simples. Comer é privilégio para
poucos, pois nem mesmo os ricos o podem fazer. Estes estão sempre apressados,
quase não tem tempo para se alimentar, comem no fast food, no Mcdonalds, pedem comida Chinesa, entregue numa caixa
de papelão, e se alimentam na mesa de reunião do escritório.
Comer pão e vinho nos remete a
simplicidade, e o simples, como sabemos, é o contrário do fácil. Além do mais,
eles representam elementos cúlticos, ou seja, comer é dádiva de Deus, se
alimentar é resultado do esforço do homem. O pão dos justos Deus o dá enquanto
eles dormem, diz o salmista.
A verdade é que nós complexificamos muito a vida. Tornamos o essencial relativo, e o supérfluo essencial. Tenha certeza de uma coisa: se você conseguir se livrar da metade das contas que paga por serviços e produtos que não lhe farão falta, viverá muito melhor do que vive hoje. Bertrand Russell escreveu: “Não possuir alguma das coisas que desejamos é parte indispensável da felicidade”. Sim, se vivermos assim, Deus se agradará das nossas obras.
A verdade é que nós complexificamos muito a vida. Tornamos o essencial relativo, e o supérfluo essencial. Tenha certeza de uma coisa: se você conseguir se livrar da metade das contas que paga por serviços e produtos que não lhe farão falta, viverá muito melhor do que vive hoje. Bertrand Russell escreveu: “Não possuir alguma das coisas que desejamos é parte indispensável da felicidade”. Sim, se vivermos assim, Deus se agradará das nossas obras.
2º. Conselho – “Esteja sempre vestido com roupas de festa, e unja sempre a sua cabeça
com óleo”. Traduzindo: viver deve ser algo prazeroso, mas, tome cuidado, a
falta de equilíbrio pode fazer da existência uma experiência doentia e patológica.
Deus gosta da alegria, da festa, da música,
da dança, do prazer, do riso e da satisfação. Quem disser o contrário, não o conhece,
tem por referência um holograma caricaturado da sua própria projeção
psicológica do sagrado, talvez associada a uma figura de autoridade próxima,
não raro, um pai dominador, severo e inafetivo.
Ora, a vida nos foi dada para que a
experimentássemos em todos os seus matizes, para que pudéssemos nos realizar e
ter prazer e alegria. O cristianismo, infelizmente, mudou esta perspectiva que,
notadamente vemos em Jesus, transformando-se numa religião asceta, que busca a
ataraxia, a mortificação do eu, a sublimação do ser. Mas o que sei é que a Verdade
liberta, torna-nos seres em expansão, não só do pensamento mas das sensações,
pois “tudo é puro para os puros”.
O problema não está em viver com “vestes de
louvor”, cingido de alegria, envolto com “ares de festas e luas de prata”. Não.
O problema está no exagero, no excesso, na extravagância, no prazer pelo
prazer, na tentativa de fazer a alma se saciar com aquilo que não gera a paz
nem produz o bem. Por isso nossa cabeça precisa estar untada com óleo, pois
óleo, neste texto, significa aquele elemento que produz cura, que sara feridas,
que protege nossa consciência e nos traz de volta a razão. É o óleo do
Espírito, derramado em nossos corações, que sara as seqüelas produzidas pelas
experiências dolorosas da existência humana. Por isso, no que depender de você, nuca permita que ele
deixe de cair sobre sua fronte.
3º. Conselho – “Desfrute a vida com a mulher a quem você ama, todos os dias desta vida
sem sentido... Pois essa é a sua recompensa na vida pelo seu árduo trabalho
debaixo do sol”. Aqui a intenção do autor é nos alertar que a coisa mais
preciosa que temos são as relações de amor que construímos. Relacionamentos são
eternos, perpassam da vida para a eternidade, tudo o mais fica aqui, pois diz o
sábio, “ao morreres levarás tudo o que és
e deixarás tudo o que tens”.
Apaixonar-se por alguém é o que há de
melhor na vida. As pessoas mais felizes que conheço são aquelas que construíram
relações duradouras, que conseguiram unir o amigo e o amante na mesma cama. Por
isso o sábio diz que nem mesmo aquilo que o dinheiro pode comprar é capaz de
sobrepujar-se a satisfação de se ter alguém a quem amar, alguém a quem se possa
entregar a alma, o copo e a vida.
4º. Conselho – “O que as suas mãos tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força,
pois na sepultura, para onde você vai, não há atividade nem planejamento, não
há conhecimento nem sabedoria”. Aqui o sábio nos chama a um encontro com o
inevitável, a um encontro com o Deus Eterno!
A vida é feita de escolhas. Devemos e
podemos realizar tudo aquilo que nos for possível, mas sem perder a referência
de que tudo isto um dia passará e, portanto, nosso coração não deve estar
naquilo que produzimos, mas em quem estamos nos tornando. Se esta perspectiva
não for assumida na vida, se nossa existência se resumir a vivermos para
trabalhar, e não a trabalharmos para viver, o que nos espera será apenas o
nada, o não-ser, pois existir fora de Deus é tornar-se absurdo.
Para mim, isso é inferno. Inferno não é um
lugar, mas um sentir. Todo texto sobre o tema é metafórico, recortado por
alegorias. Quem imagina o inferno como um caldeirão com óleo fervendo e um “capeta”
lhe espetando com um tridente não tem qualquer entendimento sobre a bondade e
misericórdia de Deus.
Sabe o que é inferno? É toda existência que
ignora a graça, é viver para si mesmo, é nunca perceber-se necessitado de
perdão, é endurecer-se a tal ponto que a centelha que produz o arrependimento
nunca possa ser acesa. Há tanta gente que “ama” a Deus com medo do inferno que,
se chegar ao céu e descobrir que ele não existe, pelo menos do jeito que
imaginam, irão reclamar de Jesus por não terem vivido a vida, mas apenas amordaçado
o ser.
5º. Conselho - Já me disseram que se conselho fosse coisa
boa não era dado e sim vendido. De fato, depois de 30 anos de caminhada, isso
me faz todo sentido. Mas como eu recebi de graça, de graça também quero
repartir. Gandhi afirmou: “Não existe um
caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.” Por isso, se o que
disse lhe servir para alguma coisa, aplique a vida, faça o caminho, e o Caminho
se fará em você. Se
não te aproveitou em nada, sigas em paz.
Carlos Moreira
Carlos Moreira