Sem pecado, não há transgressão. Sem transgressão, não há punição. Sem punição, não há culpa. Está comprovado, pela escuta psicoterapêutica e pela leitura de nossa história, que a culpa existe desde nossa origem, faz sofrer, e sua recordação nos acompanha em nossa trajetória existencial.
Para definirmos de forma clássica a culpa, podemos afirmar que ela é algo que se refere à responsabilidade atribuída à pessoa por um ato que provocou prejuízo material, moral ou espiritual a si mesma ou a outrem. Segundo Wikipédia, no sentido subjetivo, a culpa é um sentimento que se apresenta à consciência quando o sujeito avalia seus atos de forma negativa, sentindo-se responsável por falhas, erros e imperfeições. No sentido objetivo, ou intersubjetivo, a culpa é um atributo que um grupo aplica a um indivíduo, ao avaliar os seus atos, quando esses atos resultaram em prejuízo a outros ou a todos.
Provavelmente foi Freud quem mais fez análises sobre os mecanismos geradores de culpa. Para ele, a idéia de uma onipresença da culpa, que se manifesta de múltiplas formas e que é fundamentalmente inexpiável, é o mais importante problema no desenvolvimento das sociedades humanas. Freud analisa em obras como Totem e Tabu e Mal Estar da Civilização, as diversas etapas de constituição da culpa, indo desde a angústia social até os sentimentos inconscientes.
Você se sente culpado por algo que fez? Você se sente culpado pelo destino de outros? Já experimentou um vazio no ser por pensar que poderia ter feito algo de forma diferente, ou tomar outra decisão a respeito de determinado assunto, ou mesmo ter escolhido outro caminho ou propósito na vida? Eu não tenho dúvidas em afirmar que a culpa é uma das mais poderosas forças que existem. E mais, sei que a serpente se alimenta do pó da terra, ou seja, das produções emocionais e psíquicas dos seres humanos, em particular daquelas emanadas de seus desencontros e contradições. Na prática, isto cria um círculo vicioso tal que a pessoa passa a se “alimentar” da própria culpa que produz.
Há na Bíblia Sagrada um herói da fé que experimentou a culpa em todas as suas dimensões. Seu nome é Sansão. O desfecho de sua vida, deste juiz de Israel, homem dotado de uma força sobrenatural, parece inicialmente trágico e melancólico. Sua história começa durante um ciclo de apostasia e cativeiro do povo Hebreu. É em meio a estas circunstâncias que Deus o levanta para iniciar o processo de libertação.
Numa primeira olhadela, Sansão nos parece um homem com muito carisma e pouco caráter. Mesmo tendo sido consagrado desde o ventre materno por um voto de Nazireu, parece ter passado a vida se esquivando de suas responsabilidades. Solitário, tem dificuldades em estabelecer vínculos afetivos e, mesmo estando à frente de seu povo durante 20 anos como juiz, não lhe serve como exemplo nem referencial. Vive de forma questionável, quebra princípios e é exageradamente temperamental, o que acaba lhe custando à morte da esposa e do sogro em um conflito com os filisteus.
Se fizermos uma análise simplista, apenas olhando para os seus feitos, sem discernir o que por vezes acontece no coração, teremos a percepção de que Sansão é um fracassado, alguém que terminou seus dias na situação mais humilhante e degradante que um ser humano pode experimentar. A Bíblia Sagrada, todavia, o inclui na listas dos heróis da fé do livro de Hebreus, onde estão homens da envergadura de Davi, Moisés, Abraão e Elias. Assim, penso, Sansão é avaliado não por aquilo que ele fez, mas, sobretudo, por quem ele por fim se tornou. O sábio do Eclesiastes diz que “melhor é o fim das coisas do que o seu começo”. Gosto também da frase que diz que “numa maratona, não importa como você começa, mas sim como você termina”.
O texto do livro de Juízes que relata o desfecho da vida de Sansão, diz que “mais foram os que ele matou na sua morte do que os que matou em sua vida”, ou seja, é na morte de Sansão, e não na sua vida, que ele se notabiliza como herói da fé. É apenas na sua morte que ele, enfim, cumpre o propósito para o qual lhe foi dada a vida, ou seja, ser a vara do juízo de Deus contra os filisteus. Esta análise não é minha, ouvi-a numa extraordinária mensagem do Ricardo Gondim.
Eu creio que, no final dos seus dias, Sansão era um homem atormentado. O capítulo 16 de Juízes nos revela o estado derradeiro de Sansão: “Os filisteus o prenderam, furaram os seus olhos e o levaram para Gaza. Prenderam-no com algemas de bronze, e o puseram a girar um moinho na prisão”. Nestas circunstâncias, olhando para sua trajetória de vida, para as escolhas dramáticas que fez, para o desprezo com o sagrado, para a decepção que ele se tornara para seus pais, para seu fracasso diante do próprio povo, para a traição de sua mulher e, finalmente, para o seu destrato para com Deus, o grande Sansão sucumbiu em meio à culpa.
Eis agora Sansão, cego dos olhos, amarrado a grilhões de bronze, girando em torno de uma roda de moinho. Mas é justamente em meio à calamidade, quando ele perde o que lhe é caro, a sua liberdade, a sua honra, a sua fama, as pessoas a quem ama, que algo começa a se construir em seu coração. A Sansão não resta mais nada a não ser olhar para dentro de si mesmo e tentar, através do arrependimento que pacifica o ser, encontrar, ainda que tardiamente, um propósito para sua existência. E é justamente a partir daí que Deus age para, na sua morte, matar mais inimigos do que ele fizera em toda a sua vida.
Para não perder a riqueza da história, me ative apenas ao versículo 21 para fazer uma pequena análise sobre o nascedouro e os desdobramentos gerados por processos de culpa, utilizando como “pano de fundo” a tragédia de Sansão. Vou usar seu estado “terminal”, com algumas alegorias, para trazer as idéias para o “nosso mundo”, para o “nosso tempo”.A primeira coisa que observo é que Sansão, após ser preso pelos filisteus, teve os seus olhos vazados – ficou cego. A metáfora me remete ao fato de que A CULPA ELIMINA NOSSA CAPACIDADE DE ENXERGAR A VIDA. Sansão agora era apenas um “campeão” humilhado, um homem sem direção, sem “visão”, sem sonhos, sem horizontes. Muitas das escolhas que fazemos na vida irão desembocar em processos de culpa. Decisões equivocadas, um temperamento iracundo que inviabilizou relacionamentos afetivos, a devassidão existencial encarnada na vida, uma separação conjugal – por vezes concretizada de forma humilhante e penosa, a dissolução da família, que é um dos maiores traumas que alguém pode sofrer, ou os que se sentem culpados pelo destino dos filhos, desterrados na vida, para os quais nunca foram referencial. O fato é que a culpa cega, consome a alma como uma comichão de dia e de noite, corrói o ser como a ferrugem “come” o ferro, nos impede de ver que ainda existem outras possibilidades! Por isso Paulo afirma: “se alguém está em Cristo é uma nova criatura; as coisas que foram feitas já passaram, agora tudo pode ser construído de outra forma”. (tradução livre).
Outra coisa que aparece no verso 21 é o fato de Sansão ter sido prezo pelos filisteus com algemas de bronze. Eis aí, de forma alegórica, uma outra conseqüência: A CULPA NOS ENCLAUSURA NUMA MASMORRA DE ANSIEDADE E MEDO. Sansão era um guerreiro imbatível, impetuoso, livre para ir e vir, mas agora, tornara-se apenas um homem preso a grilhões, indefeso, inseguro. As amarras que o prendiam não eram de bronze, mais “cordas de solidão”, de desespero, laços de agonia, “algemas de medo”. A culpa, não raro, aprisiona as pessoas em si mesmas e as impede de crescer para fora e para dentro. É como se a vida ficasse “parada naquela estação”, parafraseando Marisa Monte. Estes grilhões se manifestam de várias formas: como distúrbios emocionais a partir de experiências que produziram culpa (estupro, violência física, abusos); pessoas que se tornaram inseguras e que não conseguem se posicionar na vida, pois foram alvo de críticas mordazes, comentário maldosos, humilhações; pessoas que foram exploradas com manipulações e chantagens; religiosos que foram ensinados a partir de uma espiritualidade neurotizada, calcada em dogmas, ritos e mitos do “sagrado”, gente que desenvolveu uma fé patológica, doentia, que tem em Deus a figura do juiz acusador.
Finalmente, a partir do texto de Sansão, ainda que metaforizado para uma aplicação que nos seja mais próxima, vejo A CULPA PRODUZINDO INSUMO EXISTENCIAL PARA A DEPRESSÃO. Diz o texto que o Juiz de Israel além de ter os olhos vazados, de ter sido algemado a grilhões de bronze, foi acorrentado para passar seus dias a girar uma roda de moinho. É a vida perdendo por completo toda sua significação e propósito. Imagine a mesmice sendo servida como prato a cada manhã. Sansão agora é vítima de uma rotina pavorosa, pois ele é constituído escárnio antes os seus inimigos, figura de deboche para o povo. Nestas circunstâncias, sem perspectivas existenciais, aprisionado num calabouço de medo e dor, vivendo a mesmice de dias onde todo o apetite pela vida se foi, o que resta é abraçar a dessignificação completa do ser. Os dias de Sansão já não possuem cor, sabor ou propósito. Tudo o que lhe resta é dar voltas em torno de si mesmo, girar a roda de moinho que se desloca em torno de um mesmo eixo e que nunca lhe leva a lugar algum.
Como pastor, tenho encontrado gente consumida pela culpa. A culpa que roubou a visão da vida, que tolheu os sonhos, que subtraiu os desejos. Encontro gente que parou no tempo, não consegue se livrar de cenas que, como tatuagens, ficaram gravadas na alma, se alojaram até no subconsciente, são demandadoras de medos infundados, de patologias das mais diversas. Encontro ainda os que sucumbiram as suas próprias escolhas e decisões, os deprimidos, os caídos, os que beijaram o chão na lona do ringue da vida. Sim, eu os encontro aos montões, gente moída, excluída, sofrida, gente que perdeu o sentido de ser gente.
Eu creio que as feridas feitas na alma não cicatrizam nem rápida nem facilmente. O perdão é parte do processo de cura, sobretudo quando ele deve ser liberado para aplacar a dor daqueles que nos feriram. Por outro lado, ser perdoado é uma dádiva que a vida reserva para poucos, pois poucas são as pessoas suficientemente generosas para conceder a alguém que lhe magoou o direito de nascer novamente em sua vida. Aos culpados, como eu, deixo as palavras do profeta Isaías. Espero que elas sejam capazes, como foram para mim, de iniciar a grande jornada para dentro de você mesmo, na busca da pacificação e do perdão. “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados”. Isaías 53:5
Carlos Moreira
Para definirmos de forma clássica a culpa, podemos afirmar que ela é algo que se refere à responsabilidade atribuída à pessoa por um ato que provocou prejuízo material, moral ou espiritual a si mesma ou a outrem. Segundo Wikipédia, no sentido subjetivo, a culpa é um sentimento que se apresenta à consciência quando o sujeito avalia seus atos de forma negativa, sentindo-se responsável por falhas, erros e imperfeições. No sentido objetivo, ou intersubjetivo, a culpa é um atributo que um grupo aplica a um indivíduo, ao avaliar os seus atos, quando esses atos resultaram em prejuízo a outros ou a todos.
Provavelmente foi Freud quem mais fez análises sobre os mecanismos geradores de culpa. Para ele, a idéia de uma onipresença da culpa, que se manifesta de múltiplas formas e que é fundamentalmente inexpiável, é o mais importante problema no desenvolvimento das sociedades humanas. Freud analisa em obras como Totem e Tabu e Mal Estar da Civilização, as diversas etapas de constituição da culpa, indo desde a angústia social até os sentimentos inconscientes.
Você se sente culpado por algo que fez? Você se sente culpado pelo destino de outros? Já experimentou um vazio no ser por pensar que poderia ter feito algo de forma diferente, ou tomar outra decisão a respeito de determinado assunto, ou mesmo ter escolhido outro caminho ou propósito na vida? Eu não tenho dúvidas em afirmar que a culpa é uma das mais poderosas forças que existem. E mais, sei que a serpente se alimenta do pó da terra, ou seja, das produções emocionais e psíquicas dos seres humanos, em particular daquelas emanadas de seus desencontros e contradições. Na prática, isto cria um círculo vicioso tal que a pessoa passa a se “alimentar” da própria culpa que produz.
Há na Bíblia Sagrada um herói da fé que experimentou a culpa em todas as suas dimensões. Seu nome é Sansão. O desfecho de sua vida, deste juiz de Israel, homem dotado de uma força sobrenatural, parece inicialmente trágico e melancólico. Sua história começa durante um ciclo de apostasia e cativeiro do povo Hebreu. É em meio a estas circunstâncias que Deus o levanta para iniciar o processo de libertação.
Numa primeira olhadela, Sansão nos parece um homem com muito carisma e pouco caráter. Mesmo tendo sido consagrado desde o ventre materno por um voto de Nazireu, parece ter passado a vida se esquivando de suas responsabilidades. Solitário, tem dificuldades em estabelecer vínculos afetivos e, mesmo estando à frente de seu povo durante 20 anos como juiz, não lhe serve como exemplo nem referencial. Vive de forma questionável, quebra princípios e é exageradamente temperamental, o que acaba lhe custando à morte da esposa e do sogro em um conflito com os filisteus.
Se fizermos uma análise simplista, apenas olhando para os seus feitos, sem discernir o que por vezes acontece no coração, teremos a percepção de que Sansão é um fracassado, alguém que terminou seus dias na situação mais humilhante e degradante que um ser humano pode experimentar. A Bíblia Sagrada, todavia, o inclui na listas dos heróis da fé do livro de Hebreus, onde estão homens da envergadura de Davi, Moisés, Abraão e Elias. Assim, penso, Sansão é avaliado não por aquilo que ele fez, mas, sobretudo, por quem ele por fim se tornou. O sábio do Eclesiastes diz que “melhor é o fim das coisas do que o seu começo”. Gosto também da frase que diz que “numa maratona, não importa como você começa, mas sim como você termina”.
O texto do livro de Juízes que relata o desfecho da vida de Sansão, diz que “mais foram os que ele matou na sua morte do que os que matou em sua vida”, ou seja, é na morte de Sansão, e não na sua vida, que ele se notabiliza como herói da fé. É apenas na sua morte que ele, enfim, cumpre o propósito para o qual lhe foi dada a vida, ou seja, ser a vara do juízo de Deus contra os filisteus. Esta análise não é minha, ouvi-a numa extraordinária mensagem do Ricardo Gondim.
Eu creio que, no final dos seus dias, Sansão era um homem atormentado. O capítulo 16 de Juízes nos revela o estado derradeiro de Sansão: “Os filisteus o prenderam, furaram os seus olhos e o levaram para Gaza. Prenderam-no com algemas de bronze, e o puseram a girar um moinho na prisão”. Nestas circunstâncias, olhando para sua trajetória de vida, para as escolhas dramáticas que fez, para o desprezo com o sagrado, para a decepção que ele se tornara para seus pais, para seu fracasso diante do próprio povo, para a traição de sua mulher e, finalmente, para o seu destrato para com Deus, o grande Sansão sucumbiu em meio à culpa.
Eis agora Sansão, cego dos olhos, amarrado a grilhões de bronze, girando em torno de uma roda de moinho. Mas é justamente em meio à calamidade, quando ele perde o que lhe é caro, a sua liberdade, a sua honra, a sua fama, as pessoas a quem ama, que algo começa a se construir em seu coração. A Sansão não resta mais nada a não ser olhar para dentro de si mesmo e tentar, através do arrependimento que pacifica o ser, encontrar, ainda que tardiamente, um propósito para sua existência. E é justamente a partir daí que Deus age para, na sua morte, matar mais inimigos do que ele fizera em toda a sua vida.
Para não perder a riqueza da história, me ative apenas ao versículo 21 para fazer uma pequena análise sobre o nascedouro e os desdobramentos gerados por processos de culpa, utilizando como “pano de fundo” a tragédia de Sansão. Vou usar seu estado “terminal”, com algumas alegorias, para trazer as idéias para o “nosso mundo”, para o “nosso tempo”.A primeira coisa que observo é que Sansão, após ser preso pelos filisteus, teve os seus olhos vazados – ficou cego. A metáfora me remete ao fato de que A CULPA ELIMINA NOSSA CAPACIDADE DE ENXERGAR A VIDA. Sansão agora era apenas um “campeão” humilhado, um homem sem direção, sem “visão”, sem sonhos, sem horizontes. Muitas das escolhas que fazemos na vida irão desembocar em processos de culpa. Decisões equivocadas, um temperamento iracundo que inviabilizou relacionamentos afetivos, a devassidão existencial encarnada na vida, uma separação conjugal – por vezes concretizada de forma humilhante e penosa, a dissolução da família, que é um dos maiores traumas que alguém pode sofrer, ou os que se sentem culpados pelo destino dos filhos, desterrados na vida, para os quais nunca foram referencial. O fato é que a culpa cega, consome a alma como uma comichão de dia e de noite, corrói o ser como a ferrugem “come” o ferro, nos impede de ver que ainda existem outras possibilidades! Por isso Paulo afirma: “se alguém está em Cristo é uma nova criatura; as coisas que foram feitas já passaram, agora tudo pode ser construído de outra forma”. (tradução livre).
Outra coisa que aparece no verso 21 é o fato de Sansão ter sido prezo pelos filisteus com algemas de bronze. Eis aí, de forma alegórica, uma outra conseqüência: A CULPA NOS ENCLAUSURA NUMA MASMORRA DE ANSIEDADE E MEDO. Sansão era um guerreiro imbatível, impetuoso, livre para ir e vir, mas agora, tornara-se apenas um homem preso a grilhões, indefeso, inseguro. As amarras que o prendiam não eram de bronze, mais “cordas de solidão”, de desespero, laços de agonia, “algemas de medo”. A culpa, não raro, aprisiona as pessoas em si mesmas e as impede de crescer para fora e para dentro. É como se a vida ficasse “parada naquela estação”, parafraseando Marisa Monte. Estes grilhões se manifestam de várias formas: como distúrbios emocionais a partir de experiências que produziram culpa (estupro, violência física, abusos); pessoas que se tornaram inseguras e que não conseguem se posicionar na vida, pois foram alvo de críticas mordazes, comentário maldosos, humilhações; pessoas que foram exploradas com manipulações e chantagens; religiosos que foram ensinados a partir de uma espiritualidade neurotizada, calcada em dogmas, ritos e mitos do “sagrado”, gente que desenvolveu uma fé patológica, doentia, que tem em Deus a figura do juiz acusador.
Finalmente, a partir do texto de Sansão, ainda que metaforizado para uma aplicação que nos seja mais próxima, vejo A CULPA PRODUZINDO INSUMO EXISTENCIAL PARA A DEPRESSÃO. Diz o texto que o Juiz de Israel além de ter os olhos vazados, de ter sido algemado a grilhões de bronze, foi acorrentado para passar seus dias a girar uma roda de moinho. É a vida perdendo por completo toda sua significação e propósito. Imagine a mesmice sendo servida como prato a cada manhã. Sansão agora é vítima de uma rotina pavorosa, pois ele é constituído escárnio antes os seus inimigos, figura de deboche para o povo. Nestas circunstâncias, sem perspectivas existenciais, aprisionado num calabouço de medo e dor, vivendo a mesmice de dias onde todo o apetite pela vida se foi, o que resta é abraçar a dessignificação completa do ser. Os dias de Sansão já não possuem cor, sabor ou propósito. Tudo o que lhe resta é dar voltas em torno de si mesmo, girar a roda de moinho que se desloca em torno de um mesmo eixo e que nunca lhe leva a lugar algum.
Como pastor, tenho encontrado gente consumida pela culpa. A culpa que roubou a visão da vida, que tolheu os sonhos, que subtraiu os desejos. Encontro gente que parou no tempo, não consegue se livrar de cenas que, como tatuagens, ficaram gravadas na alma, se alojaram até no subconsciente, são demandadoras de medos infundados, de patologias das mais diversas. Encontro ainda os que sucumbiram as suas próprias escolhas e decisões, os deprimidos, os caídos, os que beijaram o chão na lona do ringue da vida. Sim, eu os encontro aos montões, gente moída, excluída, sofrida, gente que perdeu o sentido de ser gente.
Eu creio que as feridas feitas na alma não cicatrizam nem rápida nem facilmente. O perdão é parte do processo de cura, sobretudo quando ele deve ser liberado para aplacar a dor daqueles que nos feriram. Por outro lado, ser perdoado é uma dádiva que a vida reserva para poucos, pois poucas são as pessoas suficientemente generosas para conceder a alguém que lhe magoou o direito de nascer novamente em sua vida. Aos culpados, como eu, deixo as palavras do profeta Isaías. Espero que elas sejam capazes, como foram para mim, de iniciar a grande jornada para dentro de você mesmo, na busca da pacificação e do perdão. “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados”. Isaías 53:5
Carlos Moreira