“... Percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si ”. Gn. 3:7.
O texto revela o nascimento da consciência humana, agora capaz de discernir não somente o bem, mas também o mal. Adão e Eva estavam nus desde sempre, mas não se percebiam nus, não havia neles uma preocupação pudica ou moral, nem um sentimento erótico quanto a esse fato.
Como sabemos, Gênesis 3 possui uma narrativa mítica, mas serve, perfeitamente, para demonstrar como se deu o processo de construção de nossos valores, uma vez que se utiliza da nudez como forma de estabelecer conceitos como “certo” e “errado”. Desta forma, levando-se em consideração uma consciência em estado ainda infantil, não seria possível usar uma analogia muito diferente desta, portanto, a nudez ali não é a questão principal, uma vez que o ponto a debater não é a moral religiosa que herdamos da cultura judaico-cristã, nem muito menos algo ligado a sexualidade, mas, como o nosso olhar constrói o que, para nós, é certo ou errado, é bem ou mal.
Ora, eu não sou Deus, não sou capaz de julgar sem um viés entre o que é bom e o que não é, uma vez que estou aculturado e impregnado pela cosmovisão do mundo que habito. Eu não sou absoluto, como ele, mas relativo, meu olhar só consegue compreender as coisas a partir daquilo que já está instalado em mim como consciência pois, de outra forma, o que olhasse nada poderia me dizer.
Assim, quando o texto do Gênesis estabelece o conceito da moralidade (bem/mal) ele o faz da perspectiva humana, foram Adão e Eva que se perceberam nus, não foi Deus quem os avisou de tal fato mandando que se vestissem, donde se depreende que a moral religiosa não tem nada a ver com a Ética do Reino de Deus.
A não percepção desta verdade subjacente, a qual se encontra para muito além do “estar nu”, foi o que estabeleceu o paradigma que se ancorou na força do pressuposto religioso, o que fez com que o corpo, sobretudo os órgãos sexuais, fossem censurados e tidos, por nós, como meios pecaminosos.
Na verdade, o trato da igreja com o corpo e a sexualidade está fartamente influenciado pelo pensamento filosófico agostiniano que, além de neoplatônico, está "afetado" pelo seu próprio censo moral. Assim, o cristianismo tem estabelecido para si uma moral que é cultural e temporal, mas o Evangelho nos chama a viver a ética do Reino, atemporal e universal.
O corpo, portanto, não é feio, nem a nudez pecado, como querem ensinar os líderes religiosos, o que fez o homem ser expulso do paraíso não foi o sexo, nem o estar nu, mas o desejo de ser igual a Deus, a liberdade sem responsabilidade, a independência egoísta.
Tudo isto que disse até aqui foi para que eu pudesse afirmar que nudez é uma coisa e erotismo é outra. A nudez é a manifestação expressa da beleza do corpo, o erotismo, por sua vez, tem a ver com a forma como eu vejo a nudez, pois está pigmentado pelos meus conceitos e valores, minha visão de mundo e da vida.
Não é o corpo que é erótico, é a alma, como bem definiu a poetiza e filósofa Adélia Prado. O mal, portanto, não está naquilo que eu vejo, mas no “como” eu vejo, não está na nudez, mas como essa nudez se traduz em mim a partir de meus sentidos e dos conteúdos que eu carrego.
Fica, portanto, a dica, para quem quer andar livre, sem questões morais, mas tendo sempre o bom senso e a boa consciência como companheiros de jornada: olhe com amor, pois, sem amor, até o belo lhe parecerá feio. Traduzindo isto nas palavras insuperáveis de Jesus: “Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luz”...
Carlos Moreira