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Jesus dizia a todos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23.

26 janeiro 2012

O Agora e o Ainda Não




Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno”. 2ª. Co. 4:18

Não sei se  já te deste conta, mas teu dever é tornar-te um peregrino, um ser errante numa terra que não é tua, um andarilho da existência, alguém que deixa pegadas que se apagam enquanto ainda se caminha.

Por isso, não crie raiz, fuja de toda fixidez, esteja sempre pronto para ser “colhido do chão” da terra, pois tu e tudo é transitório, temporal, passageiro e fugaz. Lembra-te de que estais aqui apenas de passagem, um sopro e já não mais serás...

E eu penso comigo: coisa espantosa é o homem! Tão ambíguo, tão contraditório. Num momento é... no outro, já deixou de ser. Surpreende-me como consegue contrastar em si mesmo grandeza e miséria, luz e escuridade, paixão e ódio, vida e morte.

Eis aí vai o homem! Pensa que é, mas ainda não se tornou o que há de ser. O que será está mais a frente, está no futuro. Não te enganes ao pensar que ele trilha irremediavelmente rumo à morte, pois, na verdade, caminha a passos largos para nascer! Ou não sabes que é morrendo que se vive, pois a morte abre a porta, não a fecha, liberta-nos de quem fomos para vestir-nos de quem somos.

Portanto, olhe para a "morte" como tua amiga e aprende a esperá-la. Ela porá fim a todos os teus dilemas, te libertará de todas as tuas algemas, e, por fim, vencerá até mesmo o tempo. Sim, pois como disse Platão, "o tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel". Mas lembre-se: para se ganhar o direito de "morrer" é preciso, antes, aprender a viver...

Entende, então: só quando não mais fores é que poderás ser... Como bem citou Manoel de Almeida “sinto tamanha saudade de algo que nunca partiu, porque também nunca chegou”. Hoje ainda és informe, mas amanhã serás matéria eterna; hoje és parte, amanhã serás todo; hoje és pecado, amanhã serás redenção!

Sei que há em ti essa ânsia de transcender, de ir além, mar a dentro, céu a fora. É que tu almejas por aquilo que ainda virá, a “Nova Jerusalém”! Por isso sê paciente, espera só mais um pouco, não desistas de ti mesmo! Saibas que “embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia”.

Portanto, conforma-te homem. Se ainda não te decifrastes, não te devores! Aprende que existir é paradoxo, é absurdo, mas ao mesmo tempo é também paixão e beleza. Por isso te trago a poesia de Erikah Azzevedo: “eu sou o "eu vivo", num querer transcender toda a essência do meu viver... e sou o "eu posso" , num querer ser num além mais de mim. Eu sou o que sou, e ser... me consome!”.

E assim eu te digo: abraça a tua impotência, consola-te por teres limites, entende que ainda estás preso ao corpo, sois pó que tomou forma: finito, tolhido, rascunho. Aceita, então, que a Graça te basta, pois és o agora e o ainda não!

Por fim, aquieta-te, pacifica as tuas guerras e descansa sob o solo sagrado do teu coração. Acolhe, portanto, o fato de que, neste momento, vês “... apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, verás face a face. Agora conheces em parte; então, conhecerás plenamente, da mesma forma como és plenamente conhecido”.

Carlos Moreira

24 janeiro 2012

Os que Vencem ao Fracassar




Em tempos de teologia da prosperidade, dos “mais que vencedores”, daqueles que decretam e “deus” faz, dos que não adoecem, não se deprimem, comem das “iguarias da terra” e desfrutam do “melhor” que lhes está “reservado”, eu confesso: sou um derrotado!

Provavelmente não há esperança para mim... Existo em meio a contradições, minha alma está dividida, estou em “milhares de cacos, eu estou ao meio”. A grande maioria dos meus sonhos nunca se cumpriu, boa parte dos projetos que idealizei deu em nada, já trabalhei sem ter resultados, me senti por vezes como Sansão, rodando a grande roda de moinho da vida sem sair do lugar.

Mesmo dizendo para mim mesmo que “tudo posso naquele que me fortalece”, continuo sentindo medo. Há “fantasmas” percorrendo as ruas sombrias da minha alma, lembranças que me atormentam, “vozes” que me assustam. Não raro sinto um aperto no coração, falta de ar, falta de espaço, falta de chão! Eu bem que queria ser daqueles que nunca retrocedem, que derrotam os “gigantes” e jamais caem na “batalha”, mas a verdade é que sou frágil, me canso, me desmotivo, sou como um qualquer, sou genérico, ainda que desejasse ser singular...   

Como disse o Lulu Santos em sua canção, “já não tenho dedos pra contar de quantos barrancos despenquei, e quantas pedras me atiraram, ou quantas atirei”. Já me meti em muitas enrascadas, fiz escolhas desastrosas, perdi tempo, perdi dinheiro, perdi amigos, perdi vida, essa coisa preciosa que não se pode recuperar, vida que escorreu pelos meus dedos, seiva que se foi como um rio pelo esgoto do cotidiano.   

Na verdade, “eu não sou um homem; sou um campo de batalhas” como afirmou Nietzsche. Dentro de mim há fogo, dores, desencontros e paradoxos. Estou em “guerra” contra Deus, contra o meu semelhante, contra mim mesmo. Luto para saber quem sou, por que sou, de onde vim, para onde vou? Por vezes eu tenho as respostas, já em outros momentos sinto-me suspenso, dependurado sob a navalha da verdade, encurralado entre a razão e a fé, entre o real e o intangível.

Mais há uma fagulha em mim que teima em não apagar. Mesmo reconhecendo que perdi muitas coisas, nunca se extinguiu a paixão que sinto por Deus. Ainda que eu esteja neste atoleiro existencial, onde não se vai nem para frente nem para trás, continuo crendo, pois existir é absurdo, é contra-fluxo, é contra-mão.

Eis, então, surge a “dialética de Paulo”: “de todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos”. Talvez lhe pareça o coro dos insensatos, mas não é. É paradoxo, é mistério, é, sem dúvida alguma, incompreensível tentar compreender com as lentes da razão aquilo que só pode ser discernido pelo coração.
 
Talvez seja por isso que eu continuo, insisto, não desisto. Há dias que estou de pé e outros nos quais me arrasto pelo chão gelado do inimaginável. Vou, como diz Che Guevara, “derrota após derrota até a vitória final”. Faço como me ensina a Escritura, “diga o fraco: eu sou forte”. 

E quem foi que disse que só se vence quando se ganha? Que nada! Muito pelo contrário, há vitórias que só podem ser atingidas quando se é “derrotado”, pois é “morrendo que se vive para a vida eterna”! E aqui eu lhe afirmo: existe, sim, aqueles que só vencem ao fracassar, os que abriram mão de ser qualquer coisa que não seja em Deus.

Num mundo feito apenas para os “campeões”, prefiro ser perdedor. E se você quiser saber o que é derrota, eu vou lhe dizer, nas palavras de Martha Medeiros: “derrota é quando a gente ganha dos outros, mas desiste de si mesmo”. A bem da verdade, já desisti de mim muitas vezes, e só continuo por aqui porque “Ele” jamais desistiu...

Carlos Moreira

18 janeiro 2012

E Se o "Filho Pródigo" Fosse Gay?



Ultimamente tenho aconselhado muitas pessoas que se assumiram homoafetivas. Por homoafetivo entende-se o indivíduo que gosta e se sente atraído por pessoas do mesmo sexo.

Tenho achado intrigante, entretanto, ser comum entre muitos deles o fato de suas narrativas carregarem extrema dor e grande tristeza. Elas envolvem – além dos preconceitos sociais já conhecidos – discriminação familiar, violência, chantagem, ameaças e boicotes.

Outra coisa que me chama a atenção é que, por vezes, essas pessoas vêm de “famílias evangélicas”. Depois de saber disso, ficou mais fácil compreender o porquê de terem desenvolvido uma profunda aversão ao que é ligado ao sagrado e à igreja.

Você já ouviu falar do efeito borboleta? Bem, trata-se de um termo usado para se referir à dependência às condições iniciais dentro da chamada “Teoria do Caos”.

Ele foi analisado em 1963 pelo matemático e filósofo Edward Lorenz. Numa explicação simplista, imagine um sistema caótico e extremamente sensível, onde uma pequena alteração no seu estado pode produzir uma enorme diferença no futuro. É mais ou menos isto.

O exemplo clássico, que tem sido utilizado para ilustrar a teoria, é afirmar que o simples bater de asas de uma borboleta no Hemisfério Sul, pode provocar um furacão no Hemisfério Norte!

Pois bem, utilizando essa teoria, e vivendo as nuances do contexto citado acima, imaginei como ficaria a parábola do “filho pródigo”, descrita por Jesus no Evangelho de Lucas, se eu fizesse nela uma pequena alteração, ou seja, se transformasse o dito cujo em um gay.

O que você acha que aconteceria se, ao contextualizar o personagem às idiossincrasias de nosso tempo, atribuísse a ele uma orientação sexual homoafetiva?

Bem, sendo muito sincero, acho que haveria uma pro-funda mudança nessa história se ela se transformasse num drama da atualidade. Na minha narrativa, construída a partir do que tenho visto e ouvido, os desdobramentos tomam rotas bem diferentes das da parábola.

Em primeiro lugar, não seria o filho que pediria a herança ao pai para “cair no mundo”, mas o pai – ou a mãe – é que lhe botariam para fora de casa, se possível, apenas com a roupa do corpo, como vi recentemente acontecer com o filho de um pastor.

Sem dinheiro, abrigo ou auxílio, aquele jovem, provavelmente, seria acolhido pelas “ruas”, encontraria uma nova “família”, formada por cafetões, traficantes, viciados e bandidos de toda sorte, gente que nós expurgamos da sociedade e relegamos a uma vida à margem de tudo.

Passados alguns anos, aquele jovem bonito, saudável, cheio de sonhos, já teria se transformado em um ser sem coração, sem emoções, existiria como um “pedaço de carne” que se vende numa esquina qualquer para sobreviver. É muito provável que, em função dos convívios, possa ter se tornado viciado, ou adquirido alguma doença sexualmente transmissível, como a AIDS, por exemplo.

Como na parábola, no fundo do poço, sem dinheiro, sem dignidade, desencontrado de suas referências e perdido de sua própria alma, sentindo-se abandonado por Deus, desterrado da vida, ele, enfim, cairia em si, e exclamaria: “Voltarei para a casa do meu Pai!”.

Mas seria justamente aí onde seu problema tomaria proporções ainda maiores, pois, ao voltar, certamente o pai não o estaria esperando e, surpreendido com sua “triste figura”, o rejeitaria mais uma vez.
   
Não seria de admirar que afirmasse algo do tipo: “Eu não lhe avisei que não destruísse a sua vida? Que o que você estava fazendo era abominação ao Senhor?! Agora, viva com as consequências de seus atos!”. E assim ele seria despedido sem maiores constrangimentos. Pensa que falo sobre o imponderável? Não, amigo, isso aqui é a mais pura realidade!

Essa história que estou construindo, apesar de ser ficção, tem se materializado na existência de muitos, talvez bem mais do que você imagine!

Mas, certamente, alguém vai indagar: o que é que este sujeito está querendo defender? Ele agora virou apologeta do homossexualismo? Entrou para a causa do movimento LGBT?

Bem, tenho ojeriza a ideologias, a “ismos”, seja de que natureza for. Mas a questão aqui não é esta. O que estou discutindo no texto diz respeito à defesa da vida, da dignidade, do direito, do justo. Trato aqui da necessidade que tem um filho de ser acolhido, em qualquer que seja a circunstância, pelo seu pai, pela mãe, pela sua família!

É um luta inglória, mas estou tentando aguçar consciências de que não é jogando as pessoas no lixo que elas se tornarão melhores, pois pessoas não são coisas: coisa a gente usa e joga fora; pessoa a gente ama!

Na parábola descrita por Jesus, o filho mais novo lançou-se na vida, depois de pedir ao Pai o imponderável: a herança! E isso enquanto o mesmo ainda estava vivo!

Além do mais, sendo ele o mais novo, não tinha direito a absolutamente nada. Santo Agostinho, teólogo da Idade Média, quanto trata desse texto, afirma que o que o filho pediu ao Pai não foi dinheiro, mas a liberdade de viver a sua própria vida, de experimentar aquilo que lhe aprouvesse ao coração.

E assim o filho se foi... Seu bolso estava cheio de dinheiro, enquanto o coração do Pai cheio de tristeza e dor. Ele foi para a esbórnia, para a fanfarra, para a dessignificação do ser através de um viver disso-luto, o qual diluiu sua substância interior e transformou sua alma em pasta.

Na minha parábola, todavia, ninguém se preocuparia com nada disso, pois, ele sendo “homem”, faria tudo sem maiores problemas, uma vez que contaria com a anuência da consciência coletiva machista.

Quando a grana acabasse, e aquele filho decidisse voltar para casa, o Pai faria até festa para recebê -lo, pois o “garoto” havia crescido, virado um “garanhão”, aprendido a beber e a fumar!

Sim, posso até ver o pai dizendo aos amigos: “Olha lá! Aquele ali é o meu “menino”! Enquanto isso, o bebezão estaria se esbaldando no Johnnie Walker com Red Bull.

Veja que, no fundo, a questão é puramente cultural, pois o que estamos tratando é de pecados mais ou menos aceitos socialmente, que carregam ou não preconceitos. Um filho pródigo homem, todo pai aceitaria. Mas e se fosse gay? Bem, aí já é demais...

É bem provável que muita gente que vai ler este texto não o entenda... Outros tantos vão “descer o pau” e me chamar de liberal e outras coisas impublicáveis. Mas a verdade é que eu não estou escrevendo para nenhum deles.

Escrevo este texto, meu mano, para você – pai, mãe – que tem um filho ou uma filha homossexual. E eu lhe suplico, em Nome de Jesus, não a(o) jogue na sarjeta da vida! Não o(a) entregue aos “lobos” da existência!

O simples fato de você acolhê-lo(a) e amá-lo(a) pode fazer a grande diferença entra a vida e a morte! Nas palavras de Gandhi: “Tolerância é uma necessidade em todos os tempos e para todas as raças. Mas tolerância não significa aceitar o que se tolera”. Traduzindo, você não precisa concordar com tudo o que alguém faz, mas necessita amá-lo por tudo que ele é!

No texto de Lucas, sempre fiz a abstração de que, todos os dias, aquele Pai ficava no alpendre de sua casa, olhando fixamente para o horizonte, esperando com o coração sofrido o dia em que seu filho voltaria para casa.

O tempo passou... mas, num certo dia, ele apontou na estrada empoeirada. Vinha longe, mas percebia-se estar mal cheiroso, mal-amado e mal resolvido. Chegou todo “quebrado”, cortado pela navalha fria da vida, com lágrimas nos olhos e sangue nos pés. Contudo, que importava tudo isso, se ele havia voltado?

Uma coisa, todavia, para aquele jovem descrito por Jesus, fez toda a diferença: foi quando o Pai, com emoção incontida, afirmou: “Esse meu filho estava morto e reviveu; estava perdido e foi achado”, e, beijando-o e abraçando-o o recebeu de volta.

Como bem disse Geoffrey Chaucer, escritor e filósofo inglês: “A misericórdia vai além da justiça”.

Carlos Moreira

16 janeiro 2012

Quando o Pastor Vira Fetiche!




O único lugar que eu conheço em que o blefe é bem-vindo é no jogo de pôquer. No mais, na vida cotidiana, blefar é plantar hoje a desgraça que será colhida amanhã. Creia-me: não há coisa pior do que transformar a existência em disfarce, teatro do real, um viver constituído de risos e falas, mas que, ao final do ato, não tem como ser esquecido ou apagado.

Tristemente, todavia, esta tem sido a vida de muitos pastores e pregadores do Evangelho. Uma vida de disfarce, baseada no blefe, um jogo de cartas no qual o jogador sempre perde.

E por que digo isso? Porque, com certa frequência, tenho escutado as dores de muitos deles. É gente que se tornou vítima da engrenagem da Igreja, foi engolida pela máquina que a tudo devora, tornou-se fim, e não meio. Pessoas que imaginaram, parafraseando Gilberto Gil, ser “o super-homem que viria nos restituir a glória, mudando como Deus o curso da história...”. Mas, felizmente, para eles mesmos, não o são.    

O que parece ter acontecido é justamente que eles esqueceram que Jesus, sendo Deus, quis ser homem e, sendo homem, agiu e sentiu como homem: teve sede, fome, medo, dor, tristeza, depressão, angústia. Mas, se chorou ou se sorriu, o importante é que emoções ele viveu, todos os matizes que os humanos caídos vivem; só uma coisa não fez: jamais pecou.

Preocupa-me o estado em que as coisas chegaram. Pastor dissimulando, vivendo crises de toda a sorte e tendo de sorrir para a plateia que pede bis! Pastor achando que é de aço, e não de osso, imaginando, equivocadamente, que tem sempre que ter a palavra correta, a mensagem perfeita. A família do pastor não pode ter crise – imagina? Sua mulher tem de ser o baluarte da santidade e dos bons costumes. Os filhos do pastor precisam encarnar o desafio de serem anjos em miniatura, os quais, temporariamente, estão impossibilitados de voar por ainda não terem asas.

A verdade é que pastor, no meio evangélico se tornou fetiche! E aqui uso a palavra do ponto de vista de sua concepção filosófica, baseado nos pressupostos do filósofo francês Comte, pai da sociologia e do positivismo. Nesta perspectiva, o homem de Deus é concebido como “entidade supranatural”, na qual se buscam conceitos e respostas absolutos.

Ora, isso atribuído a Deus está bem-posto, pois Deus de fato é absoluto. Nós, porém, somos o relativo do relativo, mas a questão é que a igreja desviou o foco do eterno para o temporal, e transferiu aquilo que é apenas ligado ao transcendente para o imanente, cujas características são antropomórficas.

Sabes, entretanto, o que sois? Parafraseando Chaplin, no seu “O Grande Ditador” – homem de carne e sangue, ainda que imagines poder seguir a rotina da máquina composta de fios e ferro!

Quem te disse, pastor, que você não pode entristecer-se ou deprimir-se, que não pode chorar, sentir desânimo, nem incorrer em equívocos? Quem te sentenciou a existencializar o casamento perfeito, a não ter filhos problemáticos, ou a nunca experimentar um revés financeiro? Quem, diga-me, ousou su-por que tu não sofres de crise de fé, não tens medo, ou que todo domingo não estais atormentado tamanha é a tua vontade de celebrar 2, 3 cultos? Quem te disse, “pequeno ser de barro”, que és quase perfeito, que vives no vácuo abissal entre o homem caído e o Deus santo como se fosses um híbrido?!

Deixo-te, então, para teu consolo – quem sabe? – a poesia de Djavan. Não, não é um dos Heróis da Fé de Hebreus 11, nem teólogo de sucesso, nem mesmo evangelista de multidões, mas apenas alguém que, com sensibilidade para discernir as ambiguidades do ser, suas idiossincrasias, conseguiu colocar em sua canção o que vive o homem debaixo do sol.

Só eu sei, as esquinas por que passei...”. Pastor, tu és homem, tu és pó, tu és falho, e só tu sabes as profundas contradições que coexistem em ti. Acorda homem! Deixa este trono fictício no qual tu, equivocadamente, te assentastes, e vem novamente habitar entre os mortais. Lembra-te do que disse o escritor irlandês Oscar Wilde: “Onde há sofrimento, há terreno sagrado”.

Só eu sei, os desertos que atravessei...”. Pastor, tu és beduíno, és hebreu errante, homem de tendas! Não te deixes aprisionar pela fixidez da vida, pelos confortos da contemporaneidade. Não plante nada que crie raízes profundas, pois deves sempre estar preparado para levantar teu “acampamento” e partir, ao sabor do vento, para onde quer que fores enviado... Sim, quando as fontes secarem, deves ir em busca de outros mananciais. Não esqueças o que nos ensina o pensador Thiago Paes Piva: “No deserto da vida, eu me sinto afogado em uma miragem”.

Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar...”. Não te iludas, pastor, tu és carne! Teus desejos são naturais, tuas necessidades são reais, tuas vontades são legítimas! Não é pecado desejar algo que se ama, mas apenas materializar aquilo que faz mal ao ser. Fazes o que puderes, mas sê prudente, não caves uma cova para a tua própria alma. Assim, aconselho-te o que nos ensinou o psicanalista Sigmund Freud: “É escusado sonhar que se bebe; quando a sede aperta, é preciso acordar para beber”.

Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar...”. Atenta, homem, que este é teu maior desafio. Ninguém pode dar o que não tem! Admites, então, que tu te esvazias, que tua alma seca quando exposta ao “calor” da vida, que teu coração pedra pela experimentação das dores que brotam do simples fato de existir. Por isso, torna-te gente! Abandona esta enfadonha rotina de ser apenas existente. E lembra-te de Publílio Siro, escritor latino da Roma antiga, “a necessidade não obedece à lei; ela faz a lei”.

No mais, segue a cartilha na qual fostes ensinado: ama a Deus, obedece às Escrituras e serve ao teu semelhante. Vista-te com vestes de louvor e unjas tua cabeça com óleo! Jamais te falte o vinho da alegria, a gratidão e o contentamento, a paz celebrada como oração. Sejas, então, homem, como os demais! Desistas, antes que seja tarde, de ser Deus! Isto, para ti, seria penoso e infrutífero trabalho...

Carlos Moreira

14 janeiro 2012

Quando Deus Diz Não




Já experimentei muita frustração na vida. Não raras vezes senti aquele azedume na boca, tive a sensação de ser sufocado por algo que me sobreveio com o propósito de roubar-me o fôlego, suspender-me do chão da existência e deixar-me dependurado entre o nada e o quase... Mas eu sou teimoso, nunca canso de tentar ser! Henry Ford afirmou: “há mais pessoas que desistem, do que pessoas que fracassam!”.

Eu sempre acreditei que Deus prefere o desconsolado sincero ao que falsamente se veste de alegria. É por isso que na parábola dos dois filhos mandados ao campo, contada por Jesus, apenas o que disse que não ia, e foi, trouxe alegria ao coração do Pai. Esteja certo, o lamento sincero é melhor do que a oração falsa, ou, como bem citou Clarice Lispector, “antes o sofrimento legítimo do que o prazer forçado”.

A verdade é que eu acho que, às vezes, Deus teima em ser do contra. Talvez isso nunca tenha acontecido com você, mas, comigo, tem sido recorrente. Lembro de Jeremias, no capítulo 1, ouvindo Deus falar: “Eu hoje dou a você autoridade sobre nações, para arrancar, despedaçar, arruinar e destruir; para edificar e para plantar". Alguns anos mais tarde, todavia, já carregado de dores e de perdas, com os cômodos da alma cheios de sombras e cinzas, tendo encarnado em si mesmo a aridez de existir, o profeta, no capítulo 20, diz ao Todo Poderoso: “você me enganou, eu fui enganado!”.  

Sei bem o que é isso... Houve muitos momentos em que, prestes a realizar algo, senti como se uma serra “amputasse” minhas pernas. Já “morri na praia” muitas vezes! Dei voltas e voltas ao redor do mundo mas, quando fui ver, sequer havia saído do lugar. Sim, já tive muitos dos meus sonhos despedaçados e, por vezes, engoli a seco o choro que escorreu pela face. Já tive de abandonar, de desistir, deixar ir, deixar pra lá, deixar partir. Quando Deus cisma, meu “mano”, quando Deus “embirra”, quando diz “não!”, creia-me, não há nada que possa ser feito; a porta se fecha pelo lado de fora e ninguém é capaz de abri-la.

Foi assim com Moisés, servo do Senhor, que durante 40 anos peregrinou com o povo de Israel pelo deserto. Quando toda aquela geração morreu, sobrando apenas Josué e Calebe, Moisés inocentemente achou que iria possuir a Terra de Canaã, imaginou que alcançaria a promessa feita aos Patriarcas, erroneamente concluiu que o esforço de toda uma vida seria, enfim, justificado. Mas Deus tinha outros planos! “Moisés, para você termina aqui! Veja os campos de longe, contemple com seus olhos, pois você ali não entrará. Sim, você morrerá aqui, neste monte, mas jamais porá seus pés na Terra Prometida”.

Deus diz não! Não sei por que, não sei pra que, mas sei que diz! Diz não quando a gente mais quer algo, quando a gente está quase tocando aquilo que é nosso mais profundo desejo. E esse não, desgraçadamente, acontece quando menos esperamos, quando, sequer, para ele nos preparamos. Mas isto é maravilhoso! Sim, é estarrecedor saber que esse Deus tem de fato o controle de todas as coisas: quando quer, diz sim. Quando não quer, diz não! E pasmem: seja o que for, funciona do jeitinho que Ele determinou. 

Quero lhe confessar algo, com coração compungido: a vida é mesmo mais feita de não do que de sim. Certo estava o “poetinha” ao afirmar: “
o sofrimento é o intervalo entre duas felicidades”.

Recentemente, num aconselhamento pastoral, alguém me perguntou: “pastor, quando é que Deus diz não?”. Eu pensei, pensei, e respondi: “Deus diz não quando você está disposto a obedecer!”. Em seguida, complementei: “e olhe, é só nesta circunstância que Ele assim faz, pois, se você não está determinado a isto, pouco importa o que vai ser dito, não é mesmo?”. Agora, eu é que lhe pergunto: é ou não é?...

Carlos Moreira

06 janeiro 2012

Sem Adrenalina e com a Alegria de uma Adriana Natalina




Estamos no dia 5 de janeiro de 2012 [...] e eu tento relaxar um pouco, depois de cinco anos sem férias para descanso. Até agora ainda estou desacelerando... O descanso demora a vir!...

Quando eu vivia uma existência em ritmo de “Campanha Presidencial” — entre 1980 e 1998 — [...] e saí de férias...; isto depois de quase 10 anos sem parar..., nos primeiro 15 dias sentia-me deprimido; sim, inexplicavelmente deprimido...

Então, meu amigo Manfred Grellert me deu pra ler um livro sobre os efeitos da adrenalina no organismo; e, por aquela leitura, diagnostiquei meu mal: excesso dramático de adrenalina no dia a dia da minha devotada existência ao que eu cria ser a missão do Evangelho para minha vida.

Adrenalina é uma droga poderosa, a qual é provisão da Graça de Deus para momentos de perigo na sobrevivência. Por ela faz-se o impensável, suporta-se o insuportável, escala-se o inescalável, alcança-se o inalcançável.

Isto, todavia, é provisão de Deus para os momentos de extremo stress físico, quando a vida depende do choque químico que a Adrenalina produz!...

Entretanto, viver adrenalinizado é o diabo para corpo, a mente e espírito!
Na realidade creio que foi a Graça de um espirito descansado o que me fez sobreviver à agenda adrenalinizada a qual me submeti por tantos anos.

Sim!... Quatro a cinco viagens por semana; entrevistas para todas as mídias seculares e religiosas todos os dias; pregações e mais pregações de modo cotidiano; programas diários de rádio e televisão; reuniões e reuniões; atendimentos que variavam da angustia espiritual dos consultantes às situações mais impensáveis com empresários, políticos, pastores e presos do sistema carcerário; — sem falar nas campanhas de evangelização em estádios de futebol, ginásios de esporte, teatros, praças, praias, centros de convenções, hotéis, etc...

Agreguem-se a isso os “negócios do reino”: como canal próprio de televisão e sua expansão; rádios arrendadas por inteiro; revista própria [Revista Vinde], vendida aos milhares nas bancas e por assinatura; associações de “representação”; responsabilidades na direção de ONGs como o “Viva Rio”; diretorias em boards nacionais e internacionais [como o Comitê de Lausanne, etc...]; levantamento de fundos para manter toda essa parafernália; e, além disso, as ONGs como a Fábrica de Esperanças, com seus 65 projetos atendendo cerca de 24 mil pessoas por mês; a “Atitude e Solidariedade”, dando alimento, roupa e fazendo atendimento humano a mais de 1200 habitantes de rua todas as noites; sem falar num sem número de outras organizações que socorríamos no Brasil e em muitos outros países. Isto, ainda sem falar na “bendita folha de pagamento” e das responsabilidades inúmeras que de tal realidade humana advinham sobre mim diariamente...

Havia ainda os convites para pregar no Brasil e que se acumulavam por cerca de oito anos. Sim, havia grupos que se sujeitavam a entrar numa agenda que somente poderia ser confirmada oito anos adiante...

O mesmo acontecia no exterior!...

Não foram poucas às vezes em que saía de casa cedo de manhã [...], pregava na Europa no mesmo dia três ou quatro vezes, voltava...; e meus filhos não sabiam que eu tinha atravessado o oceano.

Por quatro anos tomei o avião todas as sextas-feiras no Rio para Miami e retornava na terça-feira cedo, em razão de que meus caçulas estavam estudando nos States, e eu não queria ficar longe deles em época tão dramática de suas existências adolescentes. Enquanto isso... — havia livros a escrever, artigos a produzir, textos para jornais seculares como O Globo e O Jornal do Brasil; e nos últimos anos textos semanais para o Jornal Extra, também do Rio.

E haveria mais... Sim, bem mais, mas já cansei apenas de lembrar como era aquele Inferno praticado em nome do Ministério Evangélico e das supostamente inadiáveis “necessidades do Reino de Deus”.

Pobre “Reino de Deus”! Leva a culpa de nossos devaneios e de nossas compulsões religiosas ou mesmo das nossas santas vaidades produtivistas!

Nos últimos anos, entretanto, não pude descansar por circunstâncias de outras naturezas; mas, nem por causa disso, o corpo e a alma deixam de padecer!

Primeiro foi a morte do meu filho Lukas. Fiquei dois anos sem ânimo pra tirar férias depois da partida dele. Trabalhar me descansava... Então veio a morte do meu paizinho. O mesmo aconteceu... Então veio a solidificação da Vem e Vê TV — pregar todos os dias sem precisar sair de casa, e ainda alcançar milhares de pessoas é uma tentação para um apaixonado como eu!...

Você viu que “O Caminho da Graça” não figurou na minha lista atual de atividades estressantes, pois, de fato, não o é. O Caminho, feito de gente boa de Deus, é meu descanso; deles, desses irmãos e irmãs, Deus o sabe, vem parte do meu balsamo!

O “Caminho” não me dá trabalho, só prazer!

Além disso, a vida em família, com minha mulher, filhos e netos é meu descanso e regozijo!

Todavia, depois de cinco anos sem viajar por e para nada, ou apenas para nada fazer, exceto me cansar de descansar, minha mente estava cansada.

Voltarei no dia 11 de janeiro...

Ficarei mais um mês na ativa; preparando o que se pode preparar para o ano; e, depois, sairei mais 15 dias; sim, na companhia de minha mulher, uma filha e uma netinha. Isto apenas para andar à toa...

Então, no dia 23 de fevereiro espero voltar com carga total. Sim, pois creio que 2012 será um ano muito especial; e, se Deus permitir, espero estar bem saudável a espera dele.

Tem gente que me pergunta se sinto alguma saudade de minha vida anterior. Brincadeira! Aquilo nem era vida; era uma existência, mas vida nunca foi!...

Daquela existência só tenho saudades da vida; sim, e esta se restringia aos meus filhos e a tudo o que vivemos juntos; realidades essas que hoje curto com paz com eles ainda [...], mas com os netos muito mais.

No mais, vivo o espírito de Isaías: “Eis que crio novo céu e nova terra; e não haverá mais memória das coisas passadas!...”

Assim, desejo a você um ano de 2012 cheio do amor e da paz de Deus, e apenas com as adrenalinas necessárias a real sobrevivência; sim, a adrenalina que diga respeito à vida, e não à existência feita de artificialidades que são transformadas em supostas  necessidades naturais, sem que o sejam!

Nele, em Quem o stress tem que ter sentido de vida,

Caio Fábio
5 de janeiro de 2012
Copacabana
RJ

05 janeiro 2012

Possessões e Possuídos




"Quando um espírito imundo sai de um homem, passa por lugares áridos procurando descanso e não encontra, diz: ‘Voltarei para a casa de onde saí’. Chegando, acha a casa desocupada, varrida e em ordem. Então vai e traz consigo outros sete espíritos piores do que ele, e entrando passam a viver ali. E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro. Assim acontecerá a esta geração perversa". Mt. 12:43-45.

Já não é de hoje que me apercebi que fenômenos individuais têm, não raras vezes, o poder de se transportar para o coletivo. Em se tratando de manifestações espirituais, isto é ainda mais comum, como podemos ver no texto acima. 

Desde o verso 38, Jesus vem discutindo com os fariseus sobre as marcas daquela geração perversa que, mesmo sendo testemunha de muitos milagres e prodígios, insistia em manter duro o coração e petrificada a consciência. Na verdade, eles nunca se davam por satisfeitos, e pediam mais e mais sinais. 

Em linguagem junguiana, quando um assunto vira o centro das atenções de uma determinada sociedade, como era o caso ali, ou seja, “toda vez que ocorre um fenômeno de massa, um tema do inconsciente coletivo é ativado para através da projeção coletiva poder ser elaborado, compreendido, para que a consciência coletiva possa evoluir através da compreensão daquele tema”.

Aquele fenômeno, na verdade, se transformara em arquétipo, passando a ser dramatizado através das projeções individuais das pessoas. Estas, por sua vez, assumiram papéis de protagonistas no drama existencial coletivo que estava sendo construído e que dizia respeito não só a individualidade de cada uma, mas a totalidade daqueles que compunham àquela “geração”.

No texto de Mateus, Jesus parte de um fenômeno individual, com seus desdobramentos próprios, e chega ao coletivo, afirmando que aquilo que se processava no micro-universo religioso, carregava em si mesmo todas as potencialidades de tornar-se fenomenologia coletiva. Se não, vejamos: “E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro. Assim acontecerá a esta geração perversa".

Mas o que estava sendo tratado ali? Quais as subliminaridades do texto que não estão evidentes a “olhos nus”? São duas as questões relativas ao possuído, as quais acabavam se transportando para uma possessão coletiva.

Em primeiro lugar, Jesus usa uma alegoria para tratar da questão individual e interior da vida humana que se torna desprovida de significados e conteúdos. Isto está posto quando ele afirma que o demônio, deixando aquele indivíduo, procura “lugares áridos” para repousar. Ora, aqui fica claro que aquele espírito havia saído de um “lugar árido” em busca de outro, ou seja, que aquela pessoa havia se tornado, pela via da dor, da amargura, do medo, do desespero, do ódio, e de outros matizes da existência, que por diversas formas se instalaram no seu ser, um deserto, uma terra devastada!

Como a “serpente se alimenta do pó da Terra”, usando a metáfora do Gênesis, os principados e potestades se alimentam de toda a produção humana que irradia dos indivíduos rancores, invejas, ciúmes, murmurações, e toda sorte de energia psíquica que, acumulada pelo sofrimento e pela dor, acaba emanado tudo o que é “veneno” e que por fim servirá de “banquete” aos demônios!

Em segundo lugar, Jesus trata do que se processa do lado de fora – “‘Voltarei para a casa de onde saí’. Chegando, acha a casa desocupada, varrida e em ordem...”. Aqui temos a existência na qual se fez uma “maquiagem”, aquela pintura que serve apenas para esconder a sujeira e as marcas profundas que a vida produziu.

De fato, Jesus estava fazendo uma analogia as práticas coletivas da religião de Israel, a qual, apesar de apresentar-se “varrida e ornamentada”, vivia da aplicação performática de ritos e mitos do sagrado, os quais produziam uma espiritualidade caricaturada, onde a “mobília” das liturgias e sacrifícios servia apenas para produzir uma fé de epiderme, um verniz ético, uma crença de fachada, pois os conteúdos não se enraizavam em direção ao coração, não se aninhavam nos escaninhos da alma, não podiam alcançar os meandros da consciência.  

E assim, conclui Jesus, o estado final daquele homem tornara-se pior que o primeiro, pois não há nada mais corrosivo ao ser do que viver no embuste, no estelionato, na falsificação, ser “figueira sem fruto”, amargando existir para fora, numa eterna estação outonal. E ele finaliza afirmando que aquela possessão individual tinha o “poder” de se transladar também para o coletivo “Assim acontecerá a esta geração perversa", como de fato estava ocorrendo.

Quando olho determinadas práticas da “igreja” em nossos dias, e o procedimento da grande maioria dos cristãos, consigo claramente discernir “possessões” individuais que se instalaram no ser pela projeção das “possessões” coletivas e vice-versa, ou seja, é um ciclo interminável que se retroalimenta. Como bem dizia um amigo: “é bronca! Se ficar o bicho pega, mas, se orar, o bicho foge!”. Valha-me Deus!

Carlos Moreira


04 janeiro 2012

Álbum de Retratos




Desde pequeno sempre gostei de fotografia. Lembro que ganhei minha primeira máquina quando viajei de férias para o Rio de Janeiro, em 1981. Era uma Kodak, pequena, e tinha muito menos recursos do que a que tenho agora no meu telefone celular.

Quem viveu essa época lembra-se que era muito comum a gente ter vários álbuns de retratos, quase todos confeccionados de forma temática, ou seja, as fotos de uma viagem, de uma festa de aniversário ou de um jogo de futebol. Hoje, com os avanços da tecnologia, o hábito de confeccionar álbuns de retratos vem diminuindo sucessivamente. As pessoas mantêm suas fotos no celular, no iPad, no computador, e até em porta-retratos eletrônicos que passam as imagens digitais como um letreiro em miniatura.

Recentemente estive olhando alguns álbuns de retratos antigos dos meus pais. Impressionante como eles têm o poder de eternizar momentos, cristalizar emoções e sentimentos que se projetam para muito além do papel. Foi inevitável que as lágrimas me banhassem a face e o coração se enchesse de saudades...

Não sei se você já se deu conta, mas em todo álbum de retratos só existem fotos que revelam alegria, felicidade, ternura, instantes mágicos! Nenhum álbum registra as dores da vida, as perdas, os fracassos e a solidão. É que os álbuns parecem ter sido feitos para guardar apenas coisas boas, jamais as ruins.

Enquanto fitava as fotos dos meus pais, em circunstâncias diferentes de suas vidas, fui lembrando de suas lutas e dificuldades. Quem olhar para aquele álbum sem conhecer a história, terá a impressão de que tudo na vida deles foi maravilhoso. Mas eu sei que não foi bem assim...

Na verdade, a mágica que há por trás de todo álbum de retratos é que, apesar de nele só estarem contidas as cenas mais belas de nossas vidas, entre uma foto e outra, entre um evento e outro, há muita estrada, não raro sofrimentos contidos, ainda que ali não esteja revelado. Sim, entre duas poses, dois sorrisos, dois beijos, dois olhares, existe muita tristeza e todos os matizes dos quais a vida é feita. São esses momentos que acabam por criar a “ponte” que permite que uma foto se una a outra.

Na vida cristã também é assim. Todas as semanas escuto pessoas me dizendo o quanto é difícil viver o Evangelho, na perspectiva do que Jesus propõe. Elas normalmente vêm de uma experiência de conversão daquelas que prometem o céu na terra, acabaram comprando ilusões, foram enganadas por falsas promessas de prosperidade, saúde e bem-estar. Elas queriam um Deus para servi-las, não um Deus para amá-las.

Se eu fosse publicar, com todas as “cores”, o meu álbum de retratos, como discípulo de Jesus, certamente apareceriam mais perdas do que ganhos, mais dores do que alegrias. É que sem sofrimento eu e você jamais nos tornaremos singulares, pois, como disse certa vez o escritor Goethe: “Quanto mais um homem se aproxima de suas metas, tanto mais crescem as dificuldades”.

É dentro dessa perspectiva que o autor do livro do Eclesiastes, no capítulo 3, nos traz uma afirmação difícil de interpretar: “Tempo de atirar pedras e tempo de ajuntá-las.”. Eu creio que isto tem a ver com o caminho que trilhamos em nossas vidas. Há um tempo na vida onde nós “espalhamos pedras” – agimos no impulso, de forma despudorada, sem medirmos as consequências de nossos atos.

Mas, quando chega a idade adulta, quando já estamos talhados pelo cutelo da vida, muitas daquelas “pedras” espalhadas precisam ser novamente recolhidas, uma a uma, pacientemente. Eu já estou vivendo esse tempo, pois, durante muitos anos, espalhei pedras pelas estradas que trilhei...

Hoje, todavia, entendo que essas pedras que diante de mim estão não são meros obstáculos, mas sim grandes oportunidades, ou, como diz o escritor Fernando Pessoa: “Pedras no caminho? Guardo-as to-das; um dia vou construir com elas um castelo...”.

Ah, e quando fizer isso, certamente não esquecerei de bater umas fotos. É para colocar no meu álbum de retratos da vida!

Carlos Moreira


*Na foto acima, Augusto Moreira, Eunice Moreira e Carlos Moreira em 1980

02 janeiro 2012

O Medo: o Maior Gigante da Alma




Para quem tem medo, e a nada se atreve, tudo é ousado e perigoso. É o medo que esteriliza nossos abraços e cancela nossos beijos; que proíbe e nos coloca sempre do lado de cá do muro. 


Esse medo que se enraíza no coração do homem impede-o de ver o mundo que se descortina para além do muro, como se o novo fosse sempre uma cilada, e o desconhecido tivesse sempre uma armadilha a ameaçar nossa ilusão de segurança e certeza.


O Medo, já dizia Mira Y Lopes, é o grande gigante da alma, é o mais forte e a mais atávica das nossas emoções. Somos educados para o medo, para o não-ousar e, no entanto, os grandes saltos que demos, no tempo e no espaço, na ciência e na arte, na vida e no amor, foram transgressões, e somente a coragem lúcida pode trazer o novo, e a paisagem vasta que se descortina além dos muros que erguemos dentro e fora de nós mesmos.


E se Cristo não tivesse ousado saber-se o Messias Prometido? E se Galileu Galilei tivesse se acovardado diante das evidências que hoje aceitamos naturalmente? E se Freud tivesse se acovardado diante das profundezas do inconsciente? E se Picasso não tivesse se atrevido a distorcer as formas e a olhar como quem tivesse mil olhos?


"A mente apavora o que não é mesmo velho", canta o poeta, expressando o choque do novo, o estranhamento do desconhecido.


Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Fernando Teixeira de Andrade.

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