Tratado
como culto ou religião, o espiritismo é um conjunto de doutrinas que admitem a
possibilidade de comunicação com os “espíritos” através de pessoas sensitivas –
médiuns. Do ponto de vista da “ciência” estuda a origem, natureza e destino
destes “espíritos” e sua relação com o mundo material. Analisado pelo viés
filosófico, as manifestações além túmulo tem como objetivo desenvolver nos
seres humanos conceitos morais que desdobram-se em proposições
ético-comportamentais as quais tem, como fim último, levá-los a entender de
onde vieram, para onde irão e, por exemplo, o porque da dor e do
sofrimento.
O
grande sistematizador do espiritismo foi o pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard
Rivail que adotou, mais tarde, o pseudônimo de Allan Kardec. Poliglota,
estudioso do magnetismo de F.A. Mesmer, Kardec fez parte do cenário cultural e
intelectual francês do século XIX. Suas experiências com os “espíritos”
iniciaram-se em 1855. A partir de então, passou a freqüentar
sessões semanais e a fazer anotações e catalogações dos fenômenos que
presenciava.
Mas
foi só em 1856 que Kardec obteve uma “comunicação particular” com um “espírito”
que dizia ter vivido com ele há vários séculos atrás nas antigas Gálias, sendo
eles druidas – pessoas encarregadas do ensino jurídico e filosófico
dentro da sociedade celta. E foi assim que, logo em seguida, em 18 de abril de
1857, Kardec lançou o Livro dos Espíritos, um dos mais importantes até hoje dentro
da doutrina. Na verdade, ali nascia a religião espírita.
Expansão e “Acomodação” Social
No
início do século XX, a doutrina já era bastante popular no Estados Unidos,
onde, curiosamente, foi assimilada pela maior parte da elite econômica dos
grande centros. Usando práticas até então desconhecidas, como seções mediúnicas
em mesas, demonstrações de ectoplasma – vestígios materiais da presença de
espíritos – e até magia, o espiritismo passou também a atrair a atenção da
classe média, que começou a interessar-se pelos seus métodos.
O
surgimento no Brasil se deu no final do século XIX. Sua maior popularidade,
todavia, foi atingida na primeira metade do século XX. O espiritismo brasileiro
desenvolveu algumas características bem peculiares, entre elas o sincretismo
com as religiões afro-brasileiras, o que acabou por constituir-se numa ponte de
mediação entre as classes mais abastadas, que discriminavam tais práticas, e
até o próprio Estado.
O
escritor espírita francês Leon Denis afirmou certa vez: "espiritismo
não é a religião do futuro, mas o futuro das religiões". No Brasil, a
frase poderia ser considerada “profética”. Com o passar dos anos, o número de
espíritas e simpatizantes da doutrina cresceu substancialmente. Hoje já é
possível encontrar um sem número de centros e associações espíritas espalhados
por todo o território nacional.
Assim
como nos EUA, no Brasil a doutrina espírita encontrou acolhida entre as classes
mais desenvolvidas, sobretudo a classe média. Um dos motivos para tal adesão é
o fato – talvez único – de que o espiritismo não é uma religião excludente nem
fundamentalista, pelo contrário, extremamente liberal, ou seja, ele pode ser
praticado conjuntamente com outras crenças sem qualquer problema. Por isso, é
muito comum você ouvir pessoas responderem sobre sua filiação religiosa da
seguinte forma: “sou católico e espírita ou, sou adepto do candomblé e do
espiritismo”.
Outro
fator que explica a penetração nas classes mais privilegiadas se dá também pelo
fato de que elas são mais instruídas. As doutrinas espíritas lidam com questões
tais como: vida pós-morte, volta do mundo dos mortos, levitação da alma fora do
corpo, materialização de “espíritos”, clarividência, psicografia, dentre outros
“fenômenos”, alguns supostamente tidos como cientificamente comprovados, os
quais exigem um maior grau de esclarecimento para serem compreendidos.
Todavia,
de todas as questões tratadas pelo espiritismo, talvez a que mais atraia a
classe média seja a que estabelece a doutrina da reencarnação. De acordo com
esse pressuposto, todas as pessoas vivas são reencarnações de outras que já
morreram, ou seja, apesar de estarem vivas novamente em um novo corpo,
receberam o mesmo espírito que havia estado encarnado em alguém anteriormente.
Assim,
por sucessivas reencarnações, os “espíritos” vão evoluindo, tornando-se mais
capazes e com uma maior densidade mediúnica por terem purgado, na existência
anterior, o mal que fizeram através do corpo em vidas passadas. Desta forma,
“espíritos” reencarnados são o resultado da evolução não somente espiritual,
mas também ética, moral, social e material de alguém.
Ora,
confrontada com a “doutrina cristã”, sobretudo a herdada do catolicismo
ibérico, recheada de dogmas e crendices e que preconiza a pobreza e o
sofrimento na Terra como desejo de Deus, e projeta os usufrutos da prática
religiosa só para a eternidade, à doutrina espírita se torna muito mais
atrativa e palatável, pois, por intermédio dela, os benefícios da religião são
para o aqui, o agora e o depois.
Atenção: A Luz Vermelha Acendeu faz Tempo...
Segundo
dados da revista Época, “o espiritismo
vem crescendo no Brasil, principalmente entre jovens da classe média. A Doutrina cresceu cerca de 40%
entre os últimos dois Censos. Os dados do IBGE mostram que esse crescimento se
deu principalmente nos estratos mais ricos e escolarizados da população. A
renda dos Espíritas é 150% superior à média nacional, e 52% deles ganham acima
de 5 salários mínimos. Entre os espíritas, 77% têm entre 8 e 15 anos de
escolaridade, dez anos em média a mais do que os católicos”. Revista Época.
Os números do censo de
2010 quanto à prática do espiritismo ainda não estão disponíveis. Todavia,
oficialmente, o IBGE afirma, com base em dados de censos anteriores, que
existem no país cerca de 2,2 milhões de espíritas, ou seja, 1,3% da população.
Não obstante este número, diversas pesquisas de institutos e outros meios de
comunicação apontam para algo em torno de 20 milhões de seguidores, sendo que a
grande maioria destes enquadram-se naquele grupo dos que mantém ainda uma
segunda religião.
Outro
dado importante diz respeito à distribuição demográfica. Os espíritas
brasileiros concentram-se nos estados mais ricos da federação: São Paulo, Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Brasília e Rio Grande do Sul. Só para se ter uma
idéia de sua influência, em 2010 foram comercializados treze milhões de livros
espíritas no Brasil; somente o médium Chico Xavier teve, nos últimos anos,
cerca de 35 milhões de livros vendidos. Esses números acentuam-se cada vez mais
impulsionados pela mídia escrita, pela televisão e, mais recentemente, pelo
cinema.
Também é fator de grande influência sobre a
população a adesão, cada vez maior, de celebridades que, publicamente, divulgam
praticar alguma doutrina espírita. É o caso, por exemplo, da modelo Raica, do
tenista Guga e da atriz Cléo Pires. É justamente esse tipo de publicidade que
atrai cada vez mais os jovens para a prática da religião.
E os Cristãos, por que tem Tanta Dificuldade
com a Doutrina Espírita?
São
basicamente 3 as razões que levam o cristianismo a perder, sistematicamente,
espaço para a doutrina espírita entre ateus e agnósticos e, não raro, entre
seus próprios adeptos. A questão está na constituição daquilo que ele tem como
base de toda a sua sistematização, ou seja, seus 3 pilares: ciência, filosofia
e religião. Nestes 3 pressupostos, nós levamos uma “surra” dos espíritas.
Do
ponto de vista científico, mesmo sabendo que o espiritismo trata questões
místicas e metafísicas como científicas, o que é um equívoco, nós agimos de
forma ainda pior. Mesmo hoje, existem setores da igreja que teima em manter a
eterna resistência de aproximação da ciência. No mundo contemporâneo, esta tem
sido uma das principais causas para a não adesão de novos fiéis. Tristemente, o
axioma – fé e ciência são incompatíveis – é discurso certo em muitos dos
púlpitos de nossa nação.
Ora,
este paradigma já deveria ter, há muito, sido superado! Hoje a ciência auxilia
a religião em diversas questões e, lamentavelmente, é ela que vem se
aproximando da fé, e não o contrário. Estabelecer posições radicais,
fundamentalistas, dogmáticas, só serve para nos manter aprisionados a idade das
trevas! O protestantismo, historicamente, sempre teve compromisso com o avanço,
mas, nos últimos dois séculos, parece ter involuido drasticamente quanto a esta
questão.
Do
ponto de vista filosófico, a impressão que temos é que a igreja ficou estagnada
no século XIX. Parece que filosofia e religião é outra combinação inconjugável
para os cristãos. É sabido, entretanto, que a filosofia vem retomando na
sociedade contemporânea a importância que um dia teve no mundo antigo e na
idade média. Afastar a igreja da filosofia só faz emburrecê-la e embrutecê-la.
A filosofia, diferente da religião, está muito mais interessada nas perguntas
do que nas respostas, ou seja, ela é questionadora, gosta de perscrutar, de
inquirir, de avaliar. Você não acha que, em meio a tudo o que estamos vivendo,
isto não seria um exercício maravilhoso em nosso meio? Isto para não lembrar
que toda a doutrina cristã está impregnada pela influência filosófica de vários
povos, sobretudo dos gregos.
Nossa
maior tragédia, todavia, situa-se no campo religioso. É aí onde tomamos mais
“pancada”. O cristianismo de nossos dias é verborrágico, ou seja, é falatório
puro. Nosso discurso não consegue, nem de longe, se equiparar as nossas
práticas e nisso, os espíritas nos dão um “banho”. Além do mais, tem toda esta
aberração trazida pelo neopentecostalismo que transformou a igreja evangélica
num show de horrores. Citando o professor André Pessoa: “No segundo século da era cristã, os pais apostólicos
discutiam entre si sobre a possibilidade ou não de haver salvação fora da
igreja. Hoje, a questão inverteu-se e talvez seja mais correto perguntar se há
possibilidade de alguém salvar-se estando dentro da igreja”.
Escrevi, em recente
artigo, o seguinte: “Quisera eu que a apologética de nossos dias fosse
contra o axioma Católico da não possibilidade de haver salvação fora da Igreja
de Roma. Isso seria como tirar pirulito de bebê. Hoje lutamos contra nós
mesmos, é o chamado fogo amigo, mas melhor seria chamar de fogo estranho! A
coisa é tão grave que indulgências e simonias tornaram-se um mal quase
imperceptível junto do que temos praticado: banho de água ungida do Jordão,
mapeamento genealógico das maldições hereditárias, correntes de fé, processos
de regressão para cura interior, chave untada com óleo santo, banho de sal
grosso, profetadas dos "santarados", pirotecnias
milagrosas, cantores “gospel”, show dos endemoninhados – com direito a entrevista,
barganhas de todo tipo, espólio das carteiras e dos bens dos “dizimistas”,
elementos judaicos no culto – bandeira de Israel, Estrela de Davi, Shofa, e
tantas outras maluquices que daria para escrever um livro só com as bizarrices
encontradas em “nossos” “templos” e “cultos”.
Conclusão
Conclusão
Eu
acredito que ainda há tempo para a igreja acordar e olhar para estas questões
de forma séria e, sobretudo, pragmática. Se isto não for feito, todavia,
veremos a doutrina espírita avançar cada vez mais em nosso país e continuar a
“exportar” seguidores e práticas pelo mundo a fora. Por isso, reverter este
quadro poderá ser desafio para a próxima geração, e não mais para a nossa...
É
sabido que Chico Xavier era homem simples, sem vaidades, adepto da caridade, da
solidariedade, do bem servir ao próximo. O Chico nunca foi um homem de posses,
mas, ao contrário, doou em vida tudo o que recebeu para obras assistenciais e
de caridade. Seria bom que alguns de nossos “apóstolos”, “missionários”,
“bispos”, “astros gospel”, e outras “entidades” fizessem o mesmo, pois Jesus, a
quem dizem seguir, não tinha onde reclinar a cabeça, e Paulo, afirmou: “tendo
o que comer e com que nos vestir estejamos satisfeitos”. O Chico, justiça
seja feita, nunca foi chique; mas os seus seguidores são...
Hoje, ser espírita é estar associado à
vanguarda, a elite, a uma religião com caráter mais universal, que é tolerante,
flexível, embasada, "conectada", que se preocupa com o próximo, com
as obras de caridade, com as questões ambientais, políticas, ou seja, é
uma religião que está alinhada com as preocupações e dilemas do homem
contemporâneo. E nós, onde estamos? Ou seria melhor perguntar: e nós, em que
século paramos?
Carlos Moreira
Carlos Moreira