Me perguntaram: “Pastor, ir para o motel é pecado? O que a bíblia diz?”.
Bem, em primeiro lugar, a bíblia não se presta a responder questões como esta, a não ser quando há uma “forçação de barra”, ou seja, o uso do texto sem contexto. A bíblia, acredite, não é um manual de regras, mas uma carta de amor! Quem não a interpretar desta forma, viverá assombrado pelos fantasmas da religião.
Mas vamos à pergunta... Na verdade, a justificativa encontrada por muitos para não ir ao motel está associada ao fato de que este seja um lugar pecaminoso, onde as pessoas praticam todo tipo de sexo. No motel, afirmam, podem ser encontrados homossexuais, adúlteros, pervertidos, sodomitas, suwingueiros e por aí vai... Portanto, trata-se de um antro de prostituição, um ambiente da carne, onde os prazeres são buscados como fim último. Sendo assim, este tipo de local não pode ser frequentado por pessoas que são convertidas a Cristo, concluem.
Ora, é um raciocínio tão simplista que nem precisa de alguém com um pouquinho de conhecimento para responder... Na verdade, o primeiro problema está associado ao que chamo de ascetismo geográfico. Trata-se de uma herança judaica que estabelece que os lugares são, em si mesmos, santos ou profanos.
Um bom exemplo disso você pode encontrar nos Evangelhos, quando Jesus entrou, por exemplo, na casa do publicano Zaqueu, ou quando decidiu andar pelo território samaritano, ambos lugares tidos como pecaminosos ou malditos, “geografias” onde um judeu não podia estar.
O mesmo pode ser visto, no outro extremo, quando a mulher samaritana pergunta a Jesus sobre o lugar correto para se adorar, se era o monte Gerizim ou o templo de Jerusalém. A resposta do Galileu desconstruiu aquele conceito cultural-religioso, uma vez que ele afirmou: “nem neste monte nem em Jerusalém... pois o Pai procura adoradores que o adorem em Espírito e em verdade”.
Em Jesus, a única geografia que importa é a do coração (em Espírito), o território que se constitui sagrado é a consciência (em verdade), pois, no Evangelho, toda devoção a espaços ou ambientes está extinta.
É bem verdade que o cristianismo se tornou especialista em sacralizar lugares, túmulos de pessoas, catedrais, mas o fim último de tudo isso é comércio, não paixão pela história da fé. Portanto, ambientes não são nem bons nem ruins, eles são, na verdade, “possuídos” pelas pessoas que nele habitam, podem até mesmo “incorporar” cargas imateriais da consciência e do coração dos homens, tanto para o bem quanto para o mal, mas não são produtores nem indutores de influências espirituais ou de qualquer outra natureza.
Uma segunda questão, olhando desta perspectiva, é querer saber se existe algum ambiente que não seja, por assim dizer, “carregado”? Será que existe um “lugar do bem” onde só há santidade e devoção? Talvez alguém me diga: “Que tal a igreja?”. Ora, me perdoe, mas eu já vi coisas na igreja que até o diabo duvida!
É bom saber que o fato de você estar dentro do “templo” não quer dizer que ali não exista marido brigado com mulher, irmão odiando outro irmão, filho zangado com pai, líder invejando a função de um outro líder, gente cheia de avareza, homem tarando mulher, mulher paquerando homem casado, e por aí vai... As pessoas podem estar no “lugar santo”, mas com a mente e o coração “possuídos” dos mais perversos sentimentos!
Sabendo disso, e usando a mesma analogia, posso lhe afirmar que, num hotel, pode se fazer tanta "sacanagem" quanto num motel! Sim, num hotel, inclusive, há mais disfarces e pudores subliminares, pois, não raro, usa-se a aparente decência e neutralidade do lugar como álibi para todo tipo de safadeza. Mais uma vez, depende de quem vai para lá, e do que vai fazer, e não do lugar em si mesmo.
Minha mulher, certa vez, presenciou algo desta natureza... Estávamos hospedados em São Paulo, no HOTEL que fico quando estou trabalhando e, num certo momento, acabamos subindo no elevador com um distinto senhor que, na cara-dura, se fazia acompanhar de uma garota de programa. Ela, esperta como é, logo percebeu, sobretudo pelas roupas ultra-discretas que a moça usava.
Desta forma, você pode até pensar que, estando hospedado num hotel de renome, num lugar “puro”, com sua esposa no seu santo leito, está impermeabilizado para certas situações, mas, na verdade, você pode ter, bem ao lado, uma suruba hardcore rolando, pois não são os lugares que são santos ou profanos, mas as pessoas e a forma como elas agem.
Portanto, é possível se ir no motel, com a esposa ou o marido, e ter um momento de alegria e prazer a dois, com boa consciência e fé. Ao mesmo tempo, também é plausível que alguém use um hotel como ambiente de subterfúgio e disfarce para dar vazão as fantasias mais perversas e as taras mais insuspeitáveis. Sim, isso é possível. E, sendo assim, o que contamina mais a alma e o coração: o lugar ou o que as pessoas fazem naquele lugar?
Eu mesmo já vivi duas situações engraçadíssimas a esse respeito... Certa vez, em São Paulo, cheguei de viagem tarde da noite, já madrugada, para uma estadia de 3 dias. Ao me apresentar na recepção do hotel, esquina da Santos com a Pe. João Manoel, minha reserva só constava para o dia seguinte.
Cansado do voo, sem lugar para dormir, perguntei ao recepcionista para onde poderia ir. Ele me indicou um “hotel de classe” na rua Augusta! Naquela época, eu ainda não conhecia a fama que a belíssima rua carregava. Dirigi-me ao “hotel”, pedi um quarto e fui dormir.
Tempos depois fiquei sabendo que era comum pessoas em trânsito se hospedar ali, pois o custo era bem mais acessível. Mas naquela noite, depois de apagada a luz, percebi que aquele “hotel de classe” era, na verdade, um randevu, ou seja, em bom português, um bordel! Dormi ao som de “gemidos inexprimíveis”... Mas, fazer o quê?
O segundo “causo” foi em BH, também a trabalho. Tivemos uma reunião com o governo, eu, um gerente da minha empresa e um executivo de uma multinacional, parceiro nosso. Acabada a reunião, por pura desgraça, perdemos o voo. Quem conhece BH sabe que a rede hoteleira da cidade, historicamente, é um problema.
Pois bem, depois de vagarmos horas atrás de um quarto de hotel, resolvemos, sem maiores constrangimentos, dormir num motel para, no dia seguinte, voltar ao aeroporto. Isso também é bem comum na cidade, acredite! Agora, imagina você a cara do sujeito da recepção vendo três homens, todos de terno e gravata, e eu barbudo, pedindo um único quarto para “dormir”? kkkk... E nós dormimos mesmo, do jeito que deu... kkkkk... um sono tranquilo, bem mais sereno do que aquele do “hotel da Augusta”...
Meu mano querido, minha mana, Deus não vê como vê o homem! O homem só percebe as “cicatrizes” na epiderme da alma, mas o Senhor vai até o lugar onde juntas e medulas se separam. Não se preocupe com lugares mal afamados, carmas depositados em ambientes, casas mal-assombradas, cemitério à noite, nem nada deste tipo.
Se preocupe, sim, em estar sentado no banco de sua igreja, com o coração cheio de amargura, com sua alma encharcada de ira, ainda que sua aparência remeta a um querubim da guarda celestial.
Por fim, te afirmo que o teu Senhor era amigo de pecadores e publicanos, conversava nas rodas mal afamadas, andava com gente de caráter duvidoso, comia e bebia nos lugares mais impensáveis. Contudo, ele era livre! Sabia que seu coração repousava sobre a graça e sua consciência era iluminada pela fé. Nunca se tornou refém de nada nem de ninguém, a não ser refém do amor.
Cada um deve andar conforme a consciência que tem no Evangelho. Quem faz algo, não deve julgar quem não o faz, pois há questões que são de foro-íntimo, e a própria Escritura afirma que cada um deve andar de conformidade com aquilo que recebeu. Por isso, não faça doutrina daquilo que é “usos e costumes”, não transforme em dogma o que é cultura, não faça regras daquilo que são vivencias pessoais.
Ande com alegria, seja generoso com as pessoas, ame seu semelhante, faça amor com seu cônjuge, brinque com seus filhos, e pare de se preocupar com coisas que nada acrescentam a vida... Ser santo, antes de qualquer coisa, é ser gente! Beijo grande!
Carlos Moreira