Pobre Abadiânia. Sim, tu, pequena Abadiânia, estais fadada a experimentar dias de desolação, pois o cenário econômico-religioso que te fazia prosperar, atraindo turistas e visitantes em busca de cura e libertação, está com os dias contados.
É curioso como o fenômeno da religião tem esse poder de imantar pessoas e lugares, de sacralizar indivíduos de carne e osso e construções de tijolo e cimento. Sempre que algo desta natureza ocorre, logo se percebe a necessidade de se erigir um templo, um centro, uma casa de milagres, um espaço onde o sobrenatural aconteça de tal forma a atrair as pessoas, é o "Tanque de Betesda" em forma arquetípica.
Por isso Jesus jamais se fixou em lugar algum, fosse assim ele abriria a Casa de Yeshua, e logo os discípulos estariam “trabalhando” no negócio do sagrado, vendendo quinquilharias, dando passes e derramando água benzida sobre enfermos e possessos.
O tempo passa, o mundo gira, mas o fenômeno ainda é o mesmo... Abadiânia, Aparecida, Juazeiro, e outros lugares milagreiros são, na sua medida, a Jerusalém dos dias de Jesus, a cidade “santa”, onde existe o lugar sagrado, o homem do sagrado, as curas milagrosas, as unções de poder, as intercessões libertárias, os transes histéricos, as intermediações negociadas, os ascetismos estéticos, as purgações meritórias.
Por isso o Galileu entrou naquele espaço e denunciou que ali se fazia comércio da Fé, pois se vendia todo tipo de objeto imantado, se operava o câmbio do dinheiro, se comprava animais para o sacrifício, animais estes criados nas fazendas dos comerciantes ricos da cidade, se consumia as ofertas de manjares, todas feitas a partir da plantação das fazendas agrícolas, era um negócio rentável - produzir, transportar, vender, aplicar - e todo mundo levada algum, até mesmo o sinédrio tinha o seu quinhão.
Em Abadiânia não é diferente. Tem a água benta, a garrafa da água, o rótulo da garrafa, a indústria que produz, o caminhão que carrega, a barraquinha que vende, é uma cadeia de negócio, tudo entrelaçado, e é isso que faz a “roda girar”. E tem medicamentos, tem souvenirs, tem pousadas, restaurantes, lugar para comprar lembrancinhas, camisas, livros, tem de tudo, e todo muito ganha com o tráfego de gente e o comércio do sagrado.
Por isso os Espíritas tem restrições ao João de Deus, pois no Kardecismo não se cobra nada para ser fazer o bem, coisa bem diferente dos neopentecostais evangélicos, que além dos dízimos cobram pedágios em suas campanhas para realizar curas e produzir libertação.
João será preso, não tenho dúvidas, e Abadiânia vai precisar de outro “santo” para sobreviver, um “Roque Santeiro” fazedor de milagres, pois, doutra forma, como irá se sustentar? Fica a dica para o Macedo, o Estavan Hernandes, o Agenor Duque e o Valdemiro, gente especializada em fazer negócio com o povo em nome de Deus. Se um destes topar, fique certo, Abadiânia crescerá o dobro do que é hoje, quiçá, se tornará a capital de Goiás.
Carlos Moreira