Não sei se
você já leu “Feliz Ano Velho” de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 1982. O
livro é um relato verídico do acidente que o deixou tetraplégico a poucos dias
do Natal de 1979.
Garotão
Paulista, 26 anos, estudante de engenharia, bon
vivant, Marcelo decide, após uma farra, dar um mergulho num lago com meio
metro de profundidade. Fatal. A quebra de uma vértebra da coluna o levou a
ficar em recuperação na UTI por 12 meses; uma luta lenta e dolorosa. Em seguida
veio o colete de ferro, a cadeira de rodas, os momentos de desespero e os
pensamentos em suicídio.
Mas Marcelo,
a partir de sua nova realidade, dá a volta por cima, aprende a lidar com suas
limitações, “degusta” cada dia como se fosse o último, recebe o carinho dos
amigos, da família, e narra com um humor próprio às venturas da velha e da nova vida.
Mais um ano
está terminando. Para muitos, 2010 não foi um ano bom e isso inclui a mim. É
difícil chegar ao fim, principalmente quando não foi o que esperávamos.
Acostumado a lidar com números, projeções, resultados, quero estender a prática
de usar a métrica e os méritos para avaliar a vida. Impossível... A vida de um
homem, conforme Jesus, não consiste nos bens que ele possui, mas em quem ele se
tornou. Utopia? Resignação? Filosofia? Não. Nada disso. Propósito.
Não sei como
foi o seu ano... Talvez você tenha falido, ou perdido um grande amor, talvez
tenha descoberto um câncer, ou sepultado seu pai, sua mãe, um irmão, um
amigo... Olhando pelo “retrovisor”, o que você vê de 2010? Perdas, danos,
medos, desencontros, decepções? Qual é o saldo do seu ano? Negativo?
Saiba, você
não é o único, eu também estou me sentindo assim. Aos 43 anos, contudo, já
aprendi a não basear minha vida em sentimentos e, o mais importante, que todos
os acontecimentos que me sobrevieram acabaram por forjar em mim um ser melhor,
me ensinaram que a vida não é feita só de alegria e felicidade.
Usando o
livro de Eclesiastes, capítulo 7, quero compartilhar com você 7 coisas que
podem lhe ajudar a mudar sua análise de 2010. Sim, o filósofo que escreve o
texto, aparentemente pessimista e desencantado da vida, nos dá uma enorme lição
de que coisas maravilhosas se escondem, não raro, por detrás de fatos e
situações difíceis, dores e dramas.
“Melhor é um bom nome do que um perfume
finíssimo”. De fato, não há nada melhor do que ser honrado, entrar nos
lugares de cabeça erguida, saber que agi de boa fé, que não defraudei, não
soneguei, não corrompi e que, mesmo com dificuldades, honrei os compromissos.
Sim, isso é melhor do que o “perfume fino”, aquele que serve para suavizar a
podridão da vida, a falsidade do ser, o disfarce da alma, o embuste
existencial, o estelionato da consciência, a dureza do coração.
“Melhor é o dia da morte do que o dia do
nascimento”. Ao nascermos estamos cheios de “deformidades”, de
inconsistências e contradições, a vida toda está pela frente e não sabemos como
ela será. Na morte é diferente, pois a existência inteira está atrás de nós.
Com ela saberemos, exatamente, quem nos tornamos, o que realizamos, o que
tatuou-se em nossa alma, o que alojou-se em nosso coração, pois nossos pés já
pisaram o chão da vida e nosso sangue e suor, quais sementes de esperança,
foram plantados em solo sagrado e aguardam a revelação da eternidade para
desabrochar flores e frutos.
“Melhor é ir a uma casa onde há luto do que a
uma casa em festa”. Se você sepultou alguém este ano este versículo lhe
fará todo sentido... Sim, porque na casa do luto há dimensões da vida que não
se encontram em nenhum outro lugar. Só na casa onde há morte é que as mais
belas manifestações da vida desabrocham; solidariedade, amor, a dor partilhada,
misericórdia, amizade, contrição, carinho, afago e afeto.
“Melhor é a tristeza do que o riso, porque o
rosto triste melhora o coração”. É na perda que as pessoas tornam-se
grandes, crescem, sobrepujam-se. Um rosto abatido é sinal de uma alma que
experimentou dias cinzentos, mares revoltos, ventos tempestuosos. Mas é certo
que depois de todo aguaceiro vem à bonança e o sol sempre volta a brilhar. O
choro dura uma noite, diz o salmista, mas a alegria vem pela manhã.
“Melhor é ouvir a repreensão de um sábio do
que a canção dos tolos”. Somos movidos a elogios, pois eles alimentam
nossas vaidades; na sociedade da imagem, é melhor parecer do que ser.
Detestamos a correção, o amigo que nos diz a verdade na face, a mensagem que
nos sacode a consciência, a voz que nos questiona no íntimo. Aprendi a amar o
confronto e a ter cuidado com os aplausos...
“Melhor é o fim das coisas do que o seu
início”. Há uma frase que diz: “numa maratona, o importante não é como você
começa, mas como você termina”. Sim, no final tudo está exposto, tudo está
claro, tudo está consumado. Será no final da sua vida que você estará mais
próximo de ser aquilo para o qual foi predestinado, pois seu caráter, tendo
sido disciplinado por toda uma a vida, revelará um ser parecido com Jesus.
“Melhor é o paciente do que o orgulhoso”.
O orgulho leva-nos a impetuosidade, e esta, por sua vez, a fazermos escolhas
desastrosas, tomarmos decisões duvidosas, andarmos por caminhos de morte. Já o
paciente é aquele que, com coração humilde e quebrantado, aprendeu a discernir
que o silêncio leva um tolo a passar por sábio, que a arrogância é um veneno
para a alma e a pressa inimiga da perfeição.
Por tudo
isso que lhe relatei, pelo que está dito no Eclesiastes, quero lhe desejar um
Feliz Ano Velho! Que tudo que você viveu possa transformar-se em paz e bem para
sua vida. Que o fracasso, a perda, a dor, e até a morte possam produzir em você
coisas boas, um coração pacificado e uma consciência elevada.
No mais, a
despeito de todas as coisas, Deus continua sendo Deus, Sua autoridade e justiça
dominam sobre todas as coisas e o melhor: Seu amor por mim e por você não
mudou. Sim, tenho total consciência que não há nada que possamos fazer que O
leve a amar-nos mais, ou a amar-nos menos.
Por isso, só
tenho a lhe desejar um Feliz 2010! Salve, salve! Ah, sobre 2011? Não sei... Não
sei mesmo... Espero que seja um ano bom, mesmo sendo ruim...
Carlos Moreira
Carlos Moreira