Há mais de 20 anos aconselho casais. Acho que adquiri certa autoridade pelo fato de estar casado há 27 anos e com 34 de relacionamento, somando o namoro e noivado.
Ajudando cônjuges em seus conflitos e dores, aprendi muito sobre conjugalidade, sobre o encontro e o caminhar de duas pessoas no chão dos dias. Dentre os diversos mitos que ajudei a derrubar nas crises matrimoniais, certamente um dos maiores foi o que postula que “A separação destrói os filhos”. Isso é falso.
Com sinceridade, esse tipo de afirmação não passa de um jargão religioso de quem, na maioria das vezes, quer por remendo novo em vestido velho. Sim, para o “crente”, é melhor viver no inferno relacional do que pacificado e separado, é melhor manter as juras feitas no “altar”, do que andar em verdade com o que se passa nos cômodos do ser e coerente com o que se carrega na consciência. Mas esse já é outro tema...
Fato é que uma separação, não obstante ser uma “amputação”, ou seja, as marcas ficarão para sempre, não necessariamente tem de ser uma tragédia. Eu não advogo separações, salvo quando percebo que elas já se consumaram na vida, falta só a coragem dos pares de concretizar no cotidiano o que já se estabeleceu desde há muito na alma e no coração.
Há relacionamentos que se tornaram tão adoecidos e dessignificados que viver junto é ofensivo, septicemia afetiva não tem cura, é melhor separar e tentar salvar a vida, Deus tem segundas chances para nós.
O que destrói uma família não é a separação, cônjuges equilibrados, que tratem o tema com respeito e coerência, podem ser bem sucedidos nisso, dentro do possível. O casal se separa na vida, mas continua sendo pai e mãe dos filhos, portanto, de certa forma, parte da história continua, e isso precisa ser levado em consideração, porque é normalmente aí que os estragos são feitos.
Filhos suportam separações, ainda que com certo grau de sofrimento. Uns sofrem mais, outros menos, mas ninguém se joga do prédio por conta disso. O que destrói as pessoas dentro de uma casa são acusações maldosas, são disputas financeiras, são picuinhas com a partilha dos bens, movimentos antecipados calculadamente para produzir prejuízo contra o outro.
Não tenha dúvidas, há muita maldade represada que vem à tona num processo de separação. O marido começa a denegrir a mulher, a mulher joga o marido contra os filhos, os filhos tomam partido de quem se faz mais de vítima. De fato, em alguns casos, é mesmo uma tragédia grega, e tem muita artistagem nesta hora, pois há máscaras que não saem mais do rosto...
Não fosse tudo isso bastante, ainda se pode adicionar xingamentos despropositados, chantagens emocionais, tentando tornar o outro refém de seus erros, insultos a familiares que estão fora do contexto do lar, violência emocional, violência física, blefe, mentiras, se alguém não sabe do que o inferno é feito basta se separar, nesta perspectiva do que estou pontuando, que vai conhece-lo na intimidade.
Não sei se você sabe, mas separações podem ser tão dolorosas que são comparadas a traumas de guerra. Eu estou certo quando afirmo que gente com bom coração, com bom senso e boa vontade, pode, sim, se separar, mas sem destruir o ecossistema familiar inteiro, tocando fogo no mar para comer peixe frito.
Gente madura, séria, honesta, vai tratar a separação como um mal necessário, vai administrar os impactos sobre os filhos, vai tentar deixar o outro numa condição que lhe dê o necessário de dignidade, vai repartir bens e dinheiro de forma generosa e justa, vai preservar, para os filhos e a família, a imagem do pai, ou da mãe, que jamais poderá ser desfeita, pois não há benefício em se destruir esta representação na mente e no coração dos outros.
Eu já vi muitos divórcios acontecerem, vi os trágicos e os “bem” sucedidos, e digo que é possível fazer as coisas com o peso certo e a medida correta, mas nem todos estão aptos a experienciar esta realidade. Viver casado, acredite, é muito bom, mas quando não é bom, viver separado, é muito melhor...