O único lugar que eu conheço em que o blefe é bem-vindo é no jogo de pôquer. No mais, na vida cotidiana, blefar é plantar hoje a desgraça que será colhida amanhã. Creia-me: não há coisa pior do que transformar a existência em disfarce, teatro do real, um viver constituído de risos e falas, mas que, ao final do ato, não tem como ser esquecido ou apagado.
Tristemente, todavia, esta tem sido a vida de muitos pastores e pregadores do Evangelho. Uma vida de disfarce, baseada no blefe, um jogo de cartas no qual o jogador sempre perde.
E por que digo isso? Porque, com certa frequência, tenho escutado as dores de muitos deles. É gente que se tornou vítima da engrenagem da Igreja, foi engolida pela máquina que a tudo devora, tornou-se fim, e não meio. Pessoas que imaginaram, parafraseando Gilberto Gil, ser “o super-homem que viria nos restituir a glória, mudando como Deus o curso da história...”. Mas, felizmente, para eles mesmos, não o são.
E por que digo isso? Porque, com certa frequência, tenho escutado as dores de muitos deles. É gente que se tornou vítima da engrenagem da Igreja, foi engolida pela máquina que a tudo devora, tornou-se fim, e não meio. Pessoas que imaginaram, parafraseando Gilberto Gil, ser “o super-homem que viria nos restituir a glória, mudando como Deus o curso da história...”. Mas, felizmente, para eles mesmos, não o são.
O que parece ter acontecido é justamente que eles esqueceram que Jesus, sendo Deus, quis ser homem e, sendo homem, agiu e sentiu como homem: teve sede, fome, medo, dor, tristeza, depressão, angústia. Mas, se chorou ou se sorriu, o importante é que emoções ele viveu, todos os matizes que os humanos caídos vivem; só uma coisa não fez: jamais pecou.
Preocupa-me o estado em que as coisas chegaram. Pastor dissimulando, vivendo crises de toda a sorte e tendo de sorrir para a plateia que pede bis! Pastor achando que é de aço, e não de osso, imaginando, equivocadamente, que tem sempre que ter a palavra correta, a mensagem perfeita. A família do pastor não pode ter crise – imagina? Sua mulher tem de ser o baluarte da santidade e dos bons costumes. Os filhos do pastor precisam encarnar o desafio de serem anjos em miniatura, os quais, temporariamente, estão impossibilitados de voar por ainda não terem asas.
A verdade é que pastor, no meio evangélico se tornou fetiche! E aqui uso a palavra do ponto de vista de sua concepção filosófica, baseado nos pressupostos do filósofo francês Comte, pai da sociologia e do positivismo. Nesta perspectiva, o homem de Deus é concebido como “entidade supranatural”, na qual se buscam conceitos e respostas absolutos.
Ora, isso atribuído a Deus está bem-posto, pois Deus de fato é absoluto. Nós, porém, somos o relativo do relativo, mas a questão é que a igreja desviou o foco do eterno para o temporal, e transferiu aquilo que é apenas ligado ao transcendente para o imanente, cujas características são antropomórficas.
Sabes, entretanto, o que sois? Parafraseando Chaplin, no seu “O Grande Ditador” – homem de carne e sangue, ainda que imagines poder seguir a rotina da máquina composta de fios e ferro!
Quem te disse, pastor, que você não pode entristecer-se ou deprimir-se, que não pode chorar, sentir desânimo, nem incorrer em equívocos? Quem te sentenciou a existencializar o casamento perfeito, a não ter filhos problemáticos, ou a nunca experimentar um revés financeiro? Quem, diga-me, ousou su-por que tu não sofres de crise de fé, não tens medo, ou que todo domingo não estais atormentado tamanha é a tua vontade de celebrar 2, 3 cultos? Quem te disse, “pequeno ser de barro”, que és quase perfeito, que vives no vácuo abissal entre o homem caído e o Deus santo como se fosses um híbrido?!
Deixo-te, então, para teu consolo – quem sabe? – a poesia de Djavan. Não, não é um dos Heróis da Fé de Hebreus 11, nem teólogo de sucesso, nem mesmo evangelista de multidões, mas apenas alguém que, com sensibilidade para discernir as ambiguidades do ser, suas idiossincrasias, conseguiu colocar em sua canção o que vive o homem debaixo do sol.
“Só eu sei, as esquinas por que passei...”. Pastor, tu és homem, tu és pó, tu és falho, e só tu sabes as profundas contradições que coexistem em ti. Acorda homem! Deixa este trono fictício no qual tu, equivocadamente, te assentastes, e vem novamente habitar entre os mortais. Lembra-te do que disse o escritor irlandês Oscar Wilde: “Onde há sofrimento, há terreno sagrado”.
“Só eu sei, os desertos que atravessei...”. Pastor, tu és beduíno, és hebreu errante, homem de tendas! Não te deixes aprisionar pela fixidez da vida, pelos confortos da contemporaneidade. Não plante nada que crie raízes profundas, pois deves sempre estar preparado para levantar teu “acampamento” e partir, ao sabor do vento, para onde quer que fores enviado... Sim, quando as fontes secarem, deves ir em busca de outros mananciais. Não esqueças o que nos ensina o pensador Thiago Paes Piva: “No deserto da vida, eu me sinto afogado em uma miragem”.
“Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar...”. Não te iludas, pastor, tu és carne! Teus desejos são naturais, tuas necessidades são reais, tuas vontades são legítimas! Não é pecado desejar algo que se ama, mas apenas materializar aquilo que faz mal ao ser. Fazes o que puderes, mas sê prudente, não caves uma cova para a tua própria alma. Assim, aconselho-te o que nos ensinou o psicanalista Sigmund Freud: “É escusado sonhar que se bebe; quando a sede aperta, é preciso acordar para beber”.
“Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar...”. Atenta, homem, que este é teu maior desafio. Ninguém pode dar o que não tem! Admites, então, que tu te esvazias, que tua alma seca quando exposta ao “calor” da vida, que teu coração pedra pela experimentação das dores que brotam do simples fato de existir. Por isso, torna-te gente! Abandona esta enfadonha rotina de ser apenas existente. E lembra-te de Publílio Siro, escritor latino da Roma antiga, “a necessidade não obedece à lei; ela faz a lei”.
No mais, segue a cartilha na qual fostes ensinado: ama a Deus, obedece às Escrituras e serve ao teu semelhante. Vista-te com vestes de louvor e unjas tua cabeça com óleo! Jamais te falte o vinho da alegria, a gratidão e o contentamento, a paz celebrada como oração. Sejas, então, homem, como os demais! Desistas, antes que seja tarde, de ser Deus! Isto, para ti, seria penoso e infrutífero trabalho...
Carlos Moreira