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Jesus dizia a todos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23.

27 agosto 2010

Além do Horizonte



Além do horizonte deve ter, algum lugar bonito pra viver em paz…”. É bem provável que você já tenha ouvido esta canção. É uma composição de Roberto e Erasmo Carlos datada de 1975. Fala de um lugar paradisíaco, onde a natureza está harmonizada com flores e animais silvestres. Neste pedacinho de mundo, pode-se viver tranqüilo, e os apaixonados se dão um ao outro, se amam curtindo o canto dos pássaros.

Mas este lugar que o Roberto fala não existe. Existiu, um dia, mas nós o perdemos. Pode ainda estar em algum lugar, em alguma “camada” que não temos acesso, mas no seu portão tem uma placa dizendo “temporariamente fechado”. O mundo no qual vivemos é outro, feito de cardos e abrolhos, de dores e dramas, medos e sombras. O paraíso do rei só existe em sua poesia...

Como disse um amigo: “a vida é bela, mas o mundo é mau”. E foi sob esta perspectiva que, na semana passada, ouvi essa história... Um alto executivo, de uma multinacional, pediu demissão. Exaurido, depressivo, largou o bom emprego, as vantagens, as comissões, tudo, e foi embora. Deixou a mesa vazia, poucas lembranças e amigos. Fez uma carta de despedida e, ousadamente, enviou para diretores, gerentes, executivos, e para o corpo funcional. Seu teor era triste e trágico.

Num punhado de linhas mal traçadas, onde a razão deu lugar à emoção, o homem dizia-se esmagado. Tanta pressão por metas, tantos “desafios” por números, o fizeram perder seu eixo existencial. Já não tinha tempo para nada. Não foi capaz de acompanhar a infância dos filhos, dessignificou o casamento, pois conjugalidade é coisa para ser vivida a dois, e ele estava sempre viajando, ausente. Sua rotina estava circunscrita entre um e-mail e outro, um telefonema e outro, um projeto e outro, um cliente e outro, uma reunião e outra. E assim, entre uma coisa e outra, a vida aconteceu e ele não a viu passar. Agora, arrependido, queria buscar novos horizontes...

A carta gerou comoção! A reação geral foi de estupefação! O conselho reuniu-se, os acionistas foram chamados, a diretoria apresentou propostas, novos planos foram traçados. Ao final, diante de fatos tão marcantes, tomaram uma decisão: em vista das metas e desafios da empresa ser tão elevados, aqueles que mais produzissem seriam bonificados com uma premiação extra! Ah, agora sim, agora eles haviam entendido o que todos queriam! Enfim, aparecera uma decisão sensata, acertada...

Deixe-me perguntar: qual é o seu horizonte existencial? Para onde vai a sua vida? Em busca de que você está? O que move o seu coração. Jesus nos ensinou que deveríamos vencer o mundo, mas nós queremos vencer NO mundo! Queremos chegar ao topo da pirâmide profissional, queremos ir aos píncaros da glória humana, queremos ser a capa da Você SA. É a “cultura dos campeões”! É a sociedade que só exalta os vencedores, os que chegam ao primeiro lugar, os que conquistam os melhores cargos, os que moram nos melhores apartamentos, os que possuem os carros mais caros, as roupas de grife...

Aqui, ali, encontro uns poucos que conseguiram realizar estes “sonhos”. Entre uma esquina e outra falo com quem chegou “no topo”. Eles não me parecem bem. Estão envelhecidos; aparentam ter 20 anos mais do que tem. A grande maioria venceu na profissão e fracassou na família. Conquistaram tudo e agora estão esvaziados de sentido, estão ocos de valores e propósitos. Olham para mim e me perguntam: o que vou fazer agora que já tenho tudo?

Lembro-me de um caso... Eram quatro horas da manhã e meu telefone tocou. Do outro lado da linha um dos mais bem sucedidos profissionais da minha cidade. Mora num apartamento de 450 m2. com todos os requintes possíveis e imagináveis. Ele me disse, com voz embargada, “quero paz!”. Lembrei, novamente, de Jesus “a minha paz vou dou”. Não era a PAX Romana, conseguida com guerras intermináveis, à custa de um exército que mal sabia como era a capital do Império, pois só vivia nos campos de batalha, longe de casa, da família. Não, a paz de Jesus era outra, era aquela que aquietava a alma e pacificava o coração mesmo em meio às tragédias.

E foi com esta simplicidade que Jesus arregimentou não um exército, mas um punhado de discípulos para segui-Lo. Um simples chamado: “vem e segue-Me”, era suficiente para fazer o sujeito deixar todo o seu projeto de vida e ir adiante. Para onde? Não se sabia. Fazer o que? Muito menos. O “patrão” não assegurava nada! Nem vantagens, nem seguro saúde, participação nos resultados, plano de carreira, nem mesmo um curso de outra língua – quem sabe o Grego – nada! Simplesmente nada! Era ir aonde o Espírito os enviasse e viver a maior aventura humana na Terra.

E foi assim, num dia comum que, andando pela praia, Jesus encontrou João, um dos que foi convocado. João era irmão de Tiago e estava junto com seu pai, consertando as redes para ir pescar. A impressão que eu tenho é que João tocava um negócio de família, pois eles tinham o seu próprio barco. Talvez fosse um negócio bom, talvez João tivesse um grande futuro como empresário no ramo pesqueiro. É provável que assim como seu pai, também seu avô tivesse sido pescador. Era um ofício de gerações, transmitido de pai para filho.

Ali estava João e o seu mundinho, mas, naquela manhã, Jesus apareceu para “bagunçar” tudo... Seu horizonte existencial media 20 km. de cumprimento por 12 Km. de largura. Ele chamava-o de Mar da Galiléia, mas era apenas um lago. A vida de João era a vida do pescador, mesmice, sal e suor. Consertava as redes, saia cedo para pescar, passava o dia no “mar”, voltava a tarde com o produto do trabalho, vendia ali mesmo ou na cidade os peixes capturados, amealhava alguns trocados, voltava para casa, dormia, e começava tudo de novo no dia seguinte...

Tenho encontrado muita gente com a “Rotina do João”: comendo para trabalhar – trabalhando para comer. E a vida vai passando, como um trem veloz que não para na estação. Mas naquela manhã, os horizontes de João se abriram para uma nova vida: “vem e segue-Me”. Era um convite inusitado! “João, paralelamente a sua vida, há outra para ser vivida, uma que vai lhe levar a olhar a existência com outras lentes, que vai significar os seus dias, que vai lhe transformar de dentro para fora, de “filho do trovão” para o “apóstolo do amor””.

O convite de Jesus quebrou os paradigmas de João: “você pesca peixe. Eu lhe proponho pescar homens!”. Quem poderia resistir!? Além do horizonte do Mar da Galiléia, havia uma nova vida disponível! João continuaria comendo peixes, mas receberia da boca do próprio Deus pão em forma de palavras eternas, alimento que o sustentariam por toda sua existência.

Lembro-me dos últimos dias de João na Ilha de Patmos. Ali estava um homem idoso, com 96 anos, cansado, desgastado pelas lutas de sua vida. Aquela altura, havia sido testemunha de milagres extraordinários, mas também de muitas mortes, algumas das quais de amigos íntimos. Era um homem corroído pelo tempo, mas seu coração estava cheio de graça e esperança, pois mesmo preso e solitário, ainda carregava no semblante a paixão daquele primeiro encontro com o Galileu, naquele pequeno lago que era o seu “mundinho”.

Caio Fábio, no seu livro “O Apocalipse das Igrejas”, diz que na vida de João tudo começou com o Cordeiro e tudo terminou com o Cordeiro. O Alfa e o Ômega esteve sempre ao seu lado. Naquela pequena ilha, onde nada mais poderia acontecer, aquele “velho” ainda teria a visão do Deus que um dia se apresentou como Cordeiro, mas agora lhe aparecera como Leão! E a ele, talvez o único dos apóstolos a não ser martirizado, é feita a grande revelação do Apocalipse. É o fechamento de uma história de amor, não de uma história de sucesso...

Além de seu horizonte, de seu mundinho, há um lugar onde Deus lhe espera para, juntos, vocês começarem a construir algo novo. Há uma vida dentro da sua vida esperando para desabrochar, para ser vivida! Este chamado – vinde a Mim – vai mudar o seu eixo existencial, transformá-lo de dentro para fora, ressignificar os seus dias, mudar sua percepção de mundo, quebrar seus paradigmas, destruir seus preconceitos. Você deseja experimentar tudo isto? Então vem! Siga-O...

S O L A   G R A T I A  !

Carlos Moreira

25 agosto 2010

Müsica do Mundo X Música de Igreja



Sou musico há 17 anos e há quem diga que minha profissão é incompativel com o testemunho cristão, pois trabalho numa banda de musica secular. Qual a sua posição sobre esse assunto??



Sempre que estabelecemos um plano de ação para alguma área de nossa vida, baseado em preocupações morais, precisamos saber se podemos aplicá-lo amplamente, nas demais esferas da nossa existência, sem cairmos em contradição.


Vamos ao exame da tese: Um músico evangélico só pode fazer música de conteúdo evangélico explícito. Levemos o pensamento até o fim: desse modo, arquitetos cristãos só devem construir igrejas, artistas plásticos cristãos só devem pintar temas bíblicos e professores cristãos só devem ensinar teologia.


Deus é glorificado através do profissional cristão, não apenas quando este usa os seus talentos para dentro da igreja, mas quando trata de, através do exercício honesto da sua profissão, embelezar a vida dessa sociedade mais ampla, igualmente amada por Deus.


Toda e qualquer música sempre haverá de glorificar a Deus, quando sua beleza é capaz de abrir a mente e o coração para a percepção da realidade do Criador e da sua verdade.


Amigo, se a sua música faz o ser humano amar o amor, aspirar pela justiça, admirar a beleza da criação e introjetar valores que o tornam alguém mais humano -você está glorificando a Deus- mesmo que o nome do Deus Criador não esteja sendo mencionado na sua canção. Portanto, junte-se aos passarinhos e glorifique a Deus com o seu talento.


Rev.
Antônio Carlos Costa é pastor da Igreja Presbiteriana da Barra
e presidente do Rio de Paz. Divulgação Genizah





23 agosto 2010

"A Casa de Deus"



Desde tempos imemoráveis os soberanos ávidos por poder se fizeram confundir com os deuses e construíram obras gigantescas para se imortalizarem através delas e demonstrarem autoridade. As pirâmides do Egito e os zigurates da Babilônia, mais do que mostrar a grandeza dos deuses queriam expressar o poderio dos governantes que se diziam representantes das divindades.

O viajante abismado que olhava para o cume da pirâmide ou se admirava com as colunas do templo eram remetidos imediatamente aos seus construtores. Alturas indizíveis e pesados blocos de pedra sempre iludem os sentidos e engana os corações dos sugestionáveis.

Jesus Cristo nunca se deixou levar pela falsa suntuosidade das construções externas. Certa vez quando os seus discípulos maravilhados com a grandiosidade arquitetônica do templo de Jerusalém se mostraram fascinados por aquela colossal construção, ele simplesmente afirmou: “não ficará pedra sobre pedra”. Aquilo que o homem constrói fora dele mesmo sempre acaba e vem abaixo!

Em outra ocasião quando se encontrou com uma mulher da região de Samaria que o perguntou qual o lugar certo para cultuar a Deus se em Jerusalém (onde ficava o templo judeu) ou no Monte Gerezim (local do templo samaritano), o humilde carpinteiro lhe respondeu que em nenhum dos dois, pois Deus não estava interessado em freqüentadores de lugares religiosos, mas naqueles que o adoram em espírito e em verdade. Pedra, tijolo e cimento para o nazareno nada significavam.

A igreja universal e o voraz bispo Macedo anunciaram há poucos dias atrás a construção em São Paulo de uma réplica do templo judeu de Salomão que será construído com o dinheiro recolhido da oferta de milhares de fiéis que julgarão estar contribuindo com um fictício reino de deus que não passa, nas palavras do próprio Salomão, de pura vaidade.

A obra custará 350 milhões e terá proporções tão avantajadas que, segundo o próprio bispo Macedo, se tornará ponto turístico e superará até mesmo o Cristo Redentor no Rio de Janeiro. A altura do templo será de um prédio de dezoito andares e a nave principal terá lugar para 10 000 pessoas sentadas. Haja cadeira...

O templo será totalmente climatizado, acho que para os demônios que o freqüentarão nas cerimônias do Descarrego não sentirem calor e nem os fiéis associarem o lugar com o inferno. Aliás, pelo tamanho da construção podemos deduzir que a conta de energia não será muito modesta. Bom, dinheiro é o que não falta. “A verba se fez carne!”.
O bispo Macedo, movido pelo mesmo sentimento do imperador romano Nero que tocou fogo em Roma para depois se imortalizar na sua reconstrução, quer com esse empreendimento faraônico perpetuar o seu nome cujos escândalos e exploração da fé já fizeram bastante conhecido em nosso país. Através de uma estupenda obra megalítica cujo cimento será o sangue do engano vertido pelos fiéis ignorantes e desavisados o referido “homem de deus” deseja perpetuar-se na memória do povo brasileiro.

Movidos pela fé (ainda que seja uma fé ilusória e fútil) os seres humanos são capazes dos mais absurdos e irracionais sacrifícios. Motivadas por uma pretensa espiritualidade e moldadas pelos apelos sórdidos de um homem inescrupuloso e imoral, milhares de pessoas serão capazes de contribuir até mesmo com a roupa do corpo com aquilo que erroneamente acreditam ser obra de deus. Entretanto, a verdadeira obra de Deus está dentro de cada um, e não fora!

Edir Macedo, seletivo que é na hora de escolher os trechos da Bíblia com os quais engana os incautos, não cansa de referir-se a glória do antigo templo judeu e compará-lo com o futuro templo da universal, lugar onde a shekiná (presença) do altíssimo se manifestará. Eis aí outro crime contra a espiritualidade humana, circunscrever as ações de um deus que os fiéis dizem ser livre e soberano à geografia do sagrado, a um único lugar que não passa de uma mera construção humana que por mais bela que seja é só concreto. O verdadeiro Deus odeia templos por que estes são prisões que tentam detê-lo!

Os templos sempre corrompem os homens por que despertam neles um orgulho que nada tem a ver com o deus a quem dizem seguir. No cimento e no tijolo há corrupção. As paredes de um templo são como os limites de um túmulo e o telhado da igreja como a tampa de um caixão. Queira o próprio Deus que se cumpra a profecia do Cristo e que venham abaixo estes símbolos de perversão!


André Pessoa via profandrepessoa.blogspot.com

19 agosto 2010

Ponto de Mutação

A revista Época, publicada no último dia 9 de agosto de 2010, trouxe como matéria de capa o tema: “Os Novos Evangélicos”. Seu conteúdo pode ser acessado através do site Púlpito Cristão no endereço:
www.pulpitocristao.com/2010/08/nova-reforma-protestante.html

A reportagem, produzida pelo jornalista Ricardo Alexandre, trás em suas sete páginas de texto alguns recortes dos bastidores da fé evangélica no Brasil. Cético quanto ao tema, comprei a revista... Li e sofri. Gostei dos quatro primeiros parágrafos, e foi só.

Nesta exígua porção de texto encontrei a explanação de que pequenos grupos de pessoas comuns estão experimentando, através da existencialização dos valores do Reino de Deus, a Boa Nova do Evangelho de Jesus Cristo, com todos os seus desdobramentos e implicações.

A partir daí, num texto fluído, desenrola-se o tema central da matéria que é o desejo dos grupos ligados às Igrejas Históricas de denunciar os desmandos, falcatruas, manipulações e estelionatos do movimento neopentescostal, iniciado no Brasil na década de 1980. Até aí, nenhuma novidade. Tudo está às claras; só não ver quem não quer.

Resumidamente, naquilo que li, achei aqui e ali algumas afirmações interessantes, de gente que, sei, possui consciência e credibilidade. Alegrei-me ao constatar que tenho falado coisas parecidas, como o fato do dogma ser ponto de partida, e não apenas de chegada; que a igreja precisa transmutar-se de sólida para líquida, penetrando nos meandros da sociedade; que a mensagem deve ser ressignificada para o nosso tempo; que nossa herança neo-platônica, dualista, necessita ser banida, pois urge a necessidade de nos “conectarmos” a arte, a cultura, a literatura, aos movimentos sociais e rendermo-nos ao fato de que Deus fala de diferentes formas, e não exclusivamente através de nosso “arraial institucional”.

A matéria ia bem até certo ponto... Foi quando encontrei o que penso ser um exagero desmedido: a tentativa de intitular este “mover” de “Nova Reforma Protestante”. E digo isto, sobretudo, por saber que a primeira Reforma, cultuada como evento dicotômico religioso, foi muito mais significativa do ponto de vista sócio econômico e cultural, do que da perspectiva religiosa. Respeito e reconheço o esforço de homens e mulheres que doaram suas vidas pelo ideal da Reforma, impulsionados pela renascença e sob a égide do iluminismo. Mas, para mim, o que se fez na verdade foi colocar “remendo novo em vestido velho”, ainda que o propósito fosse outro. O resultado final, todavia, e para quem conhece a história, fica em muito a dever em termos de reconstrução da fé.

De fato, o que vi na reportagem, tirando todo o “romantismo”, foi o amálgama de um movimento nascente que tenciona recrutar os que almejam alcançar procurações do céu para o exercício do sagrado na Terra, indo ao encalce dos “apóstatas encapetados” que, além de não possuírem o devido pedigree espiritual – sucessão apostólica, heranças históricas, teológicas, litúrgicas e sacramentais – estão metendo os pés pelas mãos em suas bizarrices, as quais fazem os hereges e bruxas da idade média virarem criancinhas em banco de escola dominical.

Diante deste contexto, seria legítimo perguntar: e Jesus, o que faria? Ora, Jesus jamais se preocupou com a pregação de quem quer que seja, do que quer que fosse, mas apenas em semear a boa semente do amor e da misericórdia. No seu tempo, ao seu modo, também tratou de questões semelhantes... “vocês dizem que o templo é o lugar da adoração. Nós dizemos que é o monte”. Lembra? É a fala da mulher Samaritana, no encontro inusitado com o Senhor que, dentre outras coisas, revelava o eterno embate entre judeus e samaritanos quanto aos direitos autorais de legislar sobre o sagrado. No fundo, é o mesmo arquétipo.

O Galileu, todavia, alheio a estas questiúnculas, desconstruiu a tradição e respondeu a mulher: “nem lá, nem aqui, nem mais em lugar nenhum, pois Deus nunca se fez refém de nada, nem de nenhum tipo de geografia, nem de heranças espirituais, nem de genealogias, nem de sacrifícios, nem de sacerdotes, pois chegou à hora que os que com Ele quiserem se relacionar terão de fazê-lo para além dos ditames da religião, dos ritos, dos mitos, dos dogmas, das liturgias, das expressões banais, da adoração desprovida de propósitos, dos cultos esvaziados de significados, das ofertas entregues sem entendimento, pois precisarão fazer isto a partir da essência do ser, discernindo os ambientes do coração,e isto em espírito e em verdade”.

Não se engane: Deus é claustrofóbico! Não pode ser aprisionado, domesticado, sistematizado ou deixar-se neurotizar por qualquer demanda humana, para atender ditames religiosos com vistas a aquiescer ou endossar decisões de grupos, estejam eles munidos ou não de “bons propósitos”.

Ele Não pode ser enclausurado num templo, não tem compromisso com métodos, estratégias, estruturas, nem se associa a denominações. Não investe em “ministérios”, não se torna membro de igrejas, e nem mesmo se responsabiliza por aquilo que sai da boca de seus profetas. Além do mais, não se ocupa de cultos performáticos, não se impressiona com milagres forjados, não se associa a auditórios catárticos, não se dobra a coisa alguma, pois, sendo Senhor e Soberano, só faz aquilo que deseja. Por isso, é impossível “conectá-lo” a este ou aquele grupo, pois Ele, simplesmente, age onde quer, usa quem quer, e faz isto da maneira como bem entende.

Sendo sincero, o que vi no texto foi à perigosa tentativa, ainda que subliminar, de mantermos nossas “benesses”, nossos reininhos, nossas igrejolas e instituições. Ali, sinceramente, não discerni a proposta de uma Reforma, com todas as implicações que isto traria, mas apenas uma pincelada de fino verniz aplicado sobre a madeira apodrecida de nossos púlpitos. Ácido ou lúcido?

Você acha os neopentecostais equivocados? Eu também os acho. Profundamente! Contudo, o que dizer de nossas estruturas hierarquizadas, politizadas, de nossos cultos esvaziados, de nossa hermenêutica tendenciosa, de nossa total indisponibilidade para as dores de nosso tempo, de nossa impermeabilidade a outros saberes, de nossos dogmas, de nossa frieza espiritual, de nossa apatia sacramental, e isto para não ter de entrar no “intestino” de nossos sistemas eclesiológicos. Ora, se queremos denunciar algo, vamos tirar primeiro a enorme trave de nossos próprios olhos!

Você já ouviu falar do livro “O Ponto de Mutação”, do físico Fritjof Capra? Num texto extraordinário, Capra compara o pensamento cartesiano – reducionista e voltado ao método científico – ao paradigma emergente do século XX onde, diante de um mundo globalizado, as “percepções” e iniciativas precisam ser holísticas, sistêmicas, indissociáveis, pois estamos diante de um mundo com características diferentes – multifacetado, plurisignificado, interdisciplinar, interconectável.

Em sua análise, as sociedades humanas, e mesmo o planeta, chegaram a um ponto de insustentabilidade, pois os problemas são tantos, tão complexos e diversos, que acabaram por tornar a vida praticamente impossível. E é neste limiar, tomando por referência o que diz o I Ching (oráculo Chinês), que Capra sentencia: “ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação”. Ë partindo deste pressuposto que inicia a construção de sua teoria.

Eu não tenho dúvidas em afirmar que a igreja, hoje, está diante do “ponto de mutação”! Nossas estruturas estão exauridas, sofrendo de infecção generalizada. A morte da instituição é algo iminente! Talvez em 2 ou 3 séculos tudo esteja em ruínas. Ou realizamos transformações sérias, ou ficamos na retórica, nos retoques, nas “reformas”, nas mudanças epidérmicas, nos simulacros, nas aparências, no verniz ético, nas exterioridades e conformismos. Que morra a instituição, se tiver de morrer! Mas que sobreviva a Igreja de Jesus Cristo, aquela que está destinada a viver para sempre com Ele.

Eu não tenho “peso” para conclamar mudanças. Mas você que me lê – apóstolo, arcebispo, bispo, líder, presidente de denominação, ou seja lá o que for – saiba, é urgente a necessidade de repensarmos não só o sistema eclesiológico no qual estamos inseridos, mas sobretudo a mensagem que estamos pregando – forma e conteúdo. Sem isto, viveremos em igrejas cheias de pessoa vazias, comunidades sonâmbulas, “com muito movimento e pouca consciência”.

Por mim, quem quiser que pregue heresias. Jesus disse que Suas ovelhas ouviriam a Sua voz. Se estivéssemos fazendo diferença no mundo, com frutos de justiça, todo simulacro religioso seria estelionato visível a olhos nus, e qualquer pessoa, por mais tola que fosse, iria imediatamente discernir. Não quero eliminar o ministério profético, desejo apenas redirecioná-lo.

Está mais do que na hora de voltarmos à simplicidade da mensagem do Galileu, pois só ela é capaz de atingir as massas esgotadas pelo capitalismo selvagem, esmagadas pela cultura da imagem, pela ética dos descartáveis. Estamos diante de homens e mulheres áridos de alma, desprovidos de significados e propósitos existenciais. Eles possuem olhos opacos, mentes embotadas, corações petrificados, mas, creia-me, é gente desejosa de ter uma experiência com o sagrado, transcender, gente sedenta de desenvolver uma espiritualidade sustentável, proativa, instigante, consistente, que materialize no chão da vida novos valores e verdades.

Do jeito que a coisa está, toda proposição vira apenas disputa filosófica. Na Grécia antiga, era comum o cidadão ir a Ágora – uma espécie de praça pública – para assistir aos embates entre os sábios. Houve um tempo em que estes debates eram feitos pelos Sofistas, mestres itinerantes, tidos por muitos como mercenários. O Sofista utilizava-se da argumentação lógica para atingir o seu objetivo, que era vencer o adversário através de suas proposições, e isto independente de ser ou não verdade aquilo que proferia.

Deus nos poupe de cairmos nesta falácia! Encalhar no mar das argumentações, das acusações, perdendo tempo com disputas teológicas, analisando modelos eclesiológicos falidos, presos a eterna verborragia retórica, e assim, esquecermo-nos do principal, das pessoas, de suas dores e dramas.

Neste tipo de disputa, todo mundo perde, e o “espetáculo” fica triste e trágico. Na melhor das hipóteses, o que iremos assistir será, de um lado, com viola e pandeiro na mão, os “novos evangélicos” cantarolando: “ado, ado, ado, cada um no seu quadrado” e, do outro lado do “corner”, equipados com seus trios elétricos e muita “pirotecnia gospel”, os neopentecostais replicando: “tô nem aí, tô nem aí, pode ficar no seu mundinho eu não tô nem aí”. Quem viver, verá!

S o l a G r a t i a !

Carlos Moreira

13 agosto 2010

O Lado Escuro do Ser


Introdução

“Dark Side of the Moon” é, sem dúvida, o melhor trabalho do Pink Floyd. Lançado em 1973 tornou-se o terceiro disco mais vendido de todos os tempos, ficando 14 anos consecutivos entre os melhores na parada da Billboard.

Eu, que sempre fui apaixonado pela banda, tive contato com o álbum aos 11 anos de idade, mas só vim entender sua proposta tempos mais tarde... Em suma, tratava-se de um disco conceitual que buscava abordar temas existenciais da década de 1970, entre eles: tempo, dinheiro, drogas, loucura, guerra e morte.

Sem muitos rigores, “Dark Side of the Moon” poderia ser traduzido como “O Lado Escuro da Lua”. Não sei se é mito, mas conta-se que a inspiração para o título veio de uma afirmação do guitarrista Syd Barrett, um dos pioneiros do grupo, que de certa feita afirmou: “todo mundo pode ver a face clara da lua; mas quem pode ver o seu lado escuro?”.

Não é sem motivo que a frase de Barrett sempre me fez lembrar da “Parábola do Publicano e do Fariseu”. De forma livre, “amplificada” por alguns comentários próprios, transcrevi o texto tomando por base a narrativa do Evangelho.

O Fariseu e o Publicano – Lucas 18:9-14

Jesus apresentou essa estória a algumas pessoas que se achavam boas e que por isso pensavam ser capaz de promover sua própria salvação, desprezando assim aos demais.

Dois homens se dirigiram ao templo para um momento de oração. Um deles era um simulacro religioso. O outro, gente comum, gente como a gente.

O primeiro, uma espécie de traficante do sagrado, posicionou-se num lugar de destaque e, em voz alta, fez um discurso fraudulento, eloqüente, de si, para si mesmo.

Na sua apologia, tratava de feitos “reluzentes” e agradecia por não ser como os “normais”. Já perto do fim da reza vazia, olhou para trás e viu ao fundo a figura desbotada do homem que com ele viera pelo caminho.

Não satisfeito pelo incômodo já causado ao Divino, para arrematar a pantomima, passou então a comparar-se a “triste figura” dizendo: “Deus, quero ainda te agradecer por não ser como este desqualificado, recebedor de propinas, homem de conluios, adúltero, pois, como bem sabes, sou ser religioso, íntegro nos meus caminhos, jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de todos os meus bens”.

E continuou Jesus... O segundo homem, por outro lado, perfilava-se cabisbaixo e introspecto. Encharcado de dores e dramas, achando-se indigno de aproximar-se do altar, preferiu ficar à porta do templo. Com voz baixa e embargada, recitava sua oração como um mantra e dizia: “Deus, sê propício a mim pecador”.

De fato, ali estava alguém com muitas contradições, um filho da terra, caminhante da vida. Tinha nos pés a poeira da miséria humana, era um escrevente de histórias desconexas e protagonista de muitos equívocos.

O absurdo da parábola, entretanto, e contra toda lógica, é a maneira singular como Deus trata os dramas da alma humana...

E continuou Jesus... Estes dois homens vieram a esta catedral em busca de uma aproximação com o sagrado. Um veio movido pelo desejo de exibir seus “experimentos” religiosos; o outro tragado pela necessidade de ter uma experiência com o transcendente.

O primeiro é reflexo da perpetuação da religião sem significados, calcada em exterioridades, produtora de ritos ocos, portadora de palavras de lisonjas, mas incapaz de materializar algo de concreto na vida. Munido de supostas boas obras, imaginava ter o seu proceder autenticado pelo céu e, em função disso, percebia-se tão reluzente como a lua cheia.

Eis a desgraça perpetrada pela religião: a produção de manequins travestidos de “espiritualidade”, arquétipos da fé institucionalizada. Na sua insensatez, vomitou o que de pior havia em seu ser, expurgou sombras profundas sobre o altar. O que para ele parecia ser luz, para Deus eram apenas trevas.

O segundo homem, por sua vez, é um ser em transformação, que tem na reconstrução de sua consciência seu melhor momento existencial. Percebendo a si mesmo, enxergou-se portador de muitas mazelas. Nem ousou comparar-se a nada em baixo na terra, nem se deu ao desplante de requerer qualquer vantagem do céu. Despido de suas máscaras, nada pediu, a não ser um pouco de paz e perdão.

E Jesus concluiu... Ambos vieram em busca de justificação, mas apenas o segundo foi saciado de sua ânsia de vida. O outro, por sua vez, auto-justificado, indulgente consigo mesmo, portador de uma mente cauterizada pela caducidade da “letra morta”, possuidor de um coração pedrado pelas futilidades da existência, tornou para seu caminhar cheio de si mesmo e esvaziado da presença de algo sagrado.

O que expôs as suas trevas, revestiu-se de luz. O que forjou para si a luz, encobriu-se de sombras, injetou veneno na alma e mergulhou em profunda escuridão.


Nos Bailes da Vida...

Tenho uma questão para nós: quando andamos pela rua, ou estamos no trabalho, sentados no cinema, ou em casa com a família, qual lado nosso está evidente: o iluminado ou o escuro? O que vaza através de nossa alma: luz ou trevas? Quem somos de fato: seres performáticos ou andarilhos nus? Commodity de gente, ou humanos singulares?

A pergunta é simplista, mas tem seus porquês... É que no mundo pós-moderno fomos obrigados a viver baseados na “cultura da imagem” a qual, alterando nossos valores, fez-nos existir na perspectiva da “sociedade da aparência”. Desprovidos de conteúdos, nos revestimos de opulência ótica para camuflar nossa miséria ética. Parecer é nosso sonho de consumo! Ser, a agonia-nossa-de-cada-dia.

Deus ama a luz, pois tudo o que é luz traduz-se em vida. Por isso Jesus disse que a nossa luz deveria brilhar em meio aos homens. A afirmação, contudo, está para além de nossa hermenêutica simplória. É que luz, em nossos conceitos, está associada apenas a coisas boas, ações meritocráticas – dar esmola a velhinhos, visitar pessoas enfermas, ir a velórios, e até algumas tidas como “espirituais”, como dar o “dízimo”.

Luz, na perspectiva de Jesus, é tudo aquilo que irradia verdade e vida. Tanto boas obras, tiradas do tesouro do coração, que pela via da reconciliação foi pacificado, como também medos, dores, angústias e contradições. Todas estas matizes, ao vir à luz, revelam em nós o que em nós é verdade e, por assim ser, aniquilam a possibilidade de virmos a nos constituir estelionato existencial.

É assim que pulsões, taras, síndromes, ódios e todas as sombras incrustadas em nossos labirintos profundos se desgrudam de nós, pois tudo o que não produzir saúde e paz acabará sendo expurgado pela luz. Alegoricamente, seria como abrir as janelas de um velho porão para que os raios de sol pudessem entrar. Luz, que tudo revela, lançada sobre a alma, dissipa toda escuridão. Só assim os “ambientes interiores” podem, novamente, reencontrar a paz e a alegria de existir.

Por isso, creia-me, o pior tipo de falsificação sócio-existencial é aquela que tenta produzir luz artificial, e isto com vistas a camuflar a imensa escuridão que há em nós. A sedução para produzir esse tipo de “luz” nos projetará apenas como hologramas caricaturados, e, por fim, acabará nos levando a não reconhecer o que, de fato, somos: “metamorfose ambulante”.


Conclusão

O que eu aprendi com a parábola do Publicano e do Fariseu é que Deus é capaz de ver o lado escuro das pessoas, mas, ainda assim, continua amando-as profundamente. Para Ele, toda escuridão desaguada sobre a luz acaba transformando-se em vida, pois inicia no ser o processo de construção de uma nova consciência, uma “reinvenção” de nós mesmos, de dentro para fora, e isso, no desdobrar da vida, produz uma espiritualidade saudável e uma existência sustentável.

Syd Barrett tinha razão, pois qualquer um pode ver o lado claro da lua. Qualquer um pode ver o que é aparente, opulente ou reluzente. Isso, todavia, tratado da perspectiva dos seres humanos, pode revelar que, não raro, aquilo que parecia ser luz, é trevas, e, aquilo que parecia ser trevas, sendo ressignificado, pode transformar-se em luz.

É certo que Deus sabe que nossa matéria é feita de contradições e nosso coração de ambigüidades. No fundo, somos substância composta de bem e mal, ternura e tormento, sombras e silêncio. Um dia, todavia, seremos como Ele é...

Mas, para o hoje, para o agora, a proposta é vivermos na luz! Viver a vida que tem que ser existencializada na integralidade do que somos. Se for assim, parafraseando Nietzsche, nunca nos renderemos à encenação, como se estivéssemos num baile de máscaras. No palco da nossa vida, os holofotes jamais produzirão dissimulações, pois, como atores desta grande “peça”, nos comprometemos a representar apenas aquilo que, de fato, revela o que o ser é.

Por isso, fuja de toda a possibilidade de se tornar um personagem num teatro de marionetes, pois, saiba, seu significado existencial é ser “barro encarnado”, sangue e suor, mas seu destino eterno é, ressignificada sua consciência, passar de existente a gente, transmutar-se do não ser ao ser de fato.

E não se esqueça: você foi convidado a sentar à mesa, apreciar o cardápio e degustar tudo o que lhe vier como vida, e isso com coração agradecido. Não se furte a nada, pois luz e trevas lhe sobrevirão, dias de sol e de escuridade, mas, com toda certeza “tudo valerá a pena se a alma não for pequena”. E quem entender diferente disto, penso eu, ainda não compreendeu o porquê de Deus gerar seres humanos sobre a Terra.

S o l a G r a t i a !

Carlos Moreira

Quando eu era Moço


Pedro, para mim, é sem dúvida alguma a figura mais emblemática no grupo dos discípulos de Jesus. Sempre ao lado do Mestre, desfrutando de uma intimidade concedida a poucos, ele protagonizou cenas das mais importantes nos Evangelhos.

Pedro é apaixonante porque é autêntico, original, não obstante suas ações revelarem um ser temperamental, impulsivo e, por vezes, descontrolado. Algo nele, todavia, sempre me chamou a atenção: “Senhor, tu sabes que eu te amo...”.

Eu Já preguei algumas vezes sobre o texto de João 21. Nele está presente, provavelmente, um dos encontros mais inusitados das Escrituras, o encontro final do Senhor com Pedro. Aquela altura, a ceia, o Getsêmani, o Palácio de Herodes, a conferência pública de Pilatos e o Gólgota já haviam ficado para trás. Pedro havia negado Jesus, três vezes até cantar o galo, como o Senhor lhe falara. Naquele derradeiro encontro, era necessário haver o “acerto de contas”.

Fico imaginando o que se passou, naquela manhã, no coração do pescador da Galiléia. Angustiado, devia estar sofrendo ao pensar nas reprimendas que iria receber. Ansioso, suava frio e cogitava a respeito das palavras duras que o Nazareno lhe jogaria na face. Era uma agonia sem fim, a alma se retorcia em cólicas de desespero e dor. “Pedro, quero conversar com você”. O momento havia chegado...

Ao contrário de toda expectativa, o diálogo de Jesus é meigo e manso. Uma única pergunta, repetida como um mantra, resumia tudo o que Ele desejava saber: “Pedro, tu me amas?”. Parece inimaginável. Com o tempo, entretanto, entendi os porquês... Só quem ama é capaz de curar feridas produzidas no coração.

É bem provável que Pedro tenha ficado sem saber o que fazer. Seus olhos encheram-se de lágrimas e sua alma derreteu-se como sorvete. Jesus, todavia, guardou algo surpreendente para o final: “Em verdade, em verdade te digo que, quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. Jo. 21:18

A frase profética, que quase diluiu-se no texto pela grandeza do que foi anteriormente dito, tem contornos profundos e implicações ainda maiores. De forma reverente, mas incisiva, o Galileu alertou ao amigo sobre duas coisas que ele precisaria cuidar dali para frente.

A primeira era sobre sua independência – “tu te cingias a ti mesmo...”. Pedro parecia um “rebelde sem causa”. Demonstrou por vezes não ligar para nada. Era capaz de tomar atitudes extremas, de falar de forma precipitada, de agir pelo impulso regado pela emoção. Existia apenas de si para si mesmo. Nem precisava nem dependia de ninguém. Jesus, entretanto, lhe advertiu: “quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá...”.

Não posso afirmar com certeza o que Ele quis dizer. Talvez tratasse do espírito voluntarioso de Pedro. O que me apercebo, todavia, é que mais cedo ou mais tarde teremos de admitir a relevância das pessoas em nossas vidas, seja para o bem, seja para o mau. Sim, as relações que construirmos, ou mesmo as que destruirmos, farão enorme diferença quando ficarmos velhos e frágeis. Tanto poderão nos “cingir” com óleo de alegria, quanto nos tornar o espírito angustiado.

A segunda coisa que o Galileu disse a Pedro foi: “...andavas por onde querias...”. Até aquele dia, o bordão de Pedro era o da música do Gilberto Gil: “o meu caminho pelo mundo eu mesmo faço”. Ele não se preocupava com a dimensão nem com os desdobramentos de suas escolhas e atitudes. Era circunstancial, como um pêndulo, oscilava entre um caminho e outro, sempre de acordo com suas conveniências.

Contudo, na fala de Jesus, suas decisões iriam levá-lo “para onde não queres”. Tudo, absolutamente tudo que fazemos tem repercussões em nossas vidas. Não é a toa que Paulo nos exorta “aquilo que o homem semear, isto também ceifará”. É o princípio da semeadura e da colheita materializando em todos os contornos da existência os desdobramentos das atitudes humanas.

Eu creio que aquele dia foi um dos mais importantes na vida de Pedro. As palavras do Nazareno ecoaram em sua consciência e coração até o último momento de sua vida. Mais tarde, o pescador rude dos mares da Palestina se tornaria um “pescador de homens”, um baluarte da Igreja neotestamentária, um Apóstolo de Jesus Cristo. Sua vida e testemunho foram decisivos para que o Evangelho se espalhasse sobre a Terra e alcançasse os quebrantados de coração.

Reza a tradição da Igreja que Pedro glorificou a Deus morrendo em Roma, no circo do imperador Nero, crucificado de cabeça para baixo, para não se assemelhar em sua morte com o seu Senhor. Foi vestido por outro e levado, conforme afirmava o texto, para o encontro com a morte. Mas sua morte foi apenas o começo de sua verdadeira vida.

Eu já fui como Pedro, quando era moço, independente e impulsivo... Mas os anos estão se passando... Eles têm trazido lições preciosas para vida, porções de graça em doses homeopáticas. As dores e perdas experimentadas na poeira do caminho estão construindo em mim um ser melhor. O tempo da colheita está chegando, pois a semente semeada pelos que andam e choram sempre produz frutos de paz e justiça.

A esta altura da caminhada, aprendi a não esperar mais nada de ninguém, nem mesmo de mim... Estou agradecido por poder apreciar o orvalho que cai sobre a terra a cada manhã para cobrir a vida de misericórdia e perdão.

Ainda desejo construir relacionamentos profundos, com gente boa de Deus, pois os dias difíceis em breve chegarão. Dê-me também o Senhor sabedoria para fazer as escolhas certas, pois elas me conduzirão aos pastos verdejantes, e não ao vale da sombra da morte.

S o l a G r a t i a !

Carlos Moreira

Aonde está você?



Chove lá fora e aqui faz tanto frio. 

Me dá vontade de saber... Aonde está você, me telefona. 

Me chama, me chama, me chama...”


Lobão (músico e compositor)




Solidão é coisa doída. Dói na alma de quem sente como ferro sendo encravado na carne. E me veio a doideira: “Sentiria Deus solidão? Saudade? Melancolia? Essas coisas de gente dor de cotovelo, de consciência, de coração?”.

Sei não. Papo para teólogo, filósofo, da moçada que procura mistérios, que está mais interessada nas perguntas do que nas respostas.

Mas, no “Paraíso”, aberta a consciência de Adão e Eva, degustado o fruto da “árvore do bem e do mal”, descobertas as percepções do ser, o mundo já não era apenas feito de lírios e rosas, pois lá também estavam os cardos e abrolhos.

Sim, perdeu-se a inocência do amor desprovido de reclames, de compensações, de trocas, tudo ficou triste, frio, feio...

Aí Adão cantou: “Tá tudo cinza sem você, tá tão vazio, e a tarde fica sem porquês...”.

Mas foi Deus quem disse “aonde está você?”. A fala de Adão era pura amargura de alma, comiseração de “escolhido” caído, choramingo de neném abandonado.

Falta mesmo, saudade que doeu no peito, sentiu Deus, pois naquela tarde, daquele dia, o “encontro de sempre” foi diferente. Sim, foi diferente, e dali para a frente, jamais foi o mesmo.

“Aonde está você?”, diz o texto de Gênesis 3. “Me telefona. Me chama, me chama, me chama...”. Mas Adão estava surtado com as demandas da “queda”, buscava um jeito de pôr a culpa em alguém e já começara a construir as teologias da terra...

Era necessário, todavia, pôr tudo aquilo de volta no “Caminho”. Aí, a letra se fez verbo, o verbo ser fez carne, a carne se fez sangue, o sangue se fez vida, a vida produziu semente e a semente se espalhou pela terra.

Sim, por conta de tudo isso, não só o entardecer ganhou nova significação no coração humano, mas todo dia, toda hora, todo lugar, uma vez que “o vento sopra onde quer”.

Ontem tive um dia “danado”. Punk mesmo! Dia em que a gente sente que tudo ficou no meio de um grande nada.

À noite, quando deitei na minha cama, e as lágrimas rolaram pelo rosto, vi todos os meus dias diante dos meus olhos. Ao fundo, havia uma enorme retroescavadeira tentando me esmagar entre duas lâminas frias de aço.

Meus ossos estalavam e eu dizia com voz sôfrega: “Pare”. Mas mesmo todas as minhas forças contra ela eram nada.

Foi quando os castelos ruíram, os sonhos se partiram, e eu fiquei catatônico, olhando o teto esbranquiçado do quarto qual lousa de escola em primeiro dia de aula, onde tudo ainda está por se fazer.

Naquele instante, creia-me, me deu uma vontade louca de gritar: “Aonde está você?”. Era como se tudo fosse apenas nada...

A essa altura, eu já sei que por vezes o mundo fica cinzento, e a chuva cai nas ribanceiras da alma, alaga os córregos do coração, sufoca a fala, e até os pensamentos.

É que quando “Ele” sai de cena, a vida fica sem porquês... Eis a grande tragédia humana: o dia da indisponibilidade de Deus, o dia em que o telefone está ocupado, e você fica apenas repetindo: “Aonde está você?”...


Carlos Moreira

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