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07 dezembro 2018

A Supremacia Evangélica





Não se poderia esperar nada diferente depois de décadas de doutrinação baseada no positivismo de Augusto Conte – convertido a fé cristã – dos ensinos de Kenneth Hagin, Morris Cerullo e Benny Hinn, com a teologia da prosperidade, e da indústria de milagres e manifestações metafísicas de Macedo, Valdemiro, Agenor Duque, Estavan Hernandes e outras entidades do mundo religioso.

A nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a pastora Damares Alves, chegou para causar, e vem com toda essa bagagem que eu citei acima, ainda que ela, praticamente, não sirva para quase absolutamente nada com o qual ela vai lidar, sobretudo num estado laico.

Admira-me o Presidente Bolsonaro, que disse que não lotearia cargos, ter feito essa gentileza apenas para acalmar a bancada evangélica, insatisfeita com as indicações do Todo Poderoso – o da Terra, não o do Céu.

Em 2016, em pregação na Igreja Batista da Lagoinha – aquela que tem aqueles aloprados do show business gospel – a nova ministra disse o seguinte: “... As instituições estão todas piradas... Não restou à nação senão a alternativa de confiar nas denominações evangélicas... Chegou a nossa hora. É o momento de a igreja ocupar a nação. É o momento de a igreja governar. Se a gente não ocupar esse espaço, Deus vai cobrar da gente." (sic).

A profecia se cumpriu, aleluia! Ou seria, misericórdia? Até o diabo treme com uma declaração dessas. Sim, ela tem tudo a ver com a religião, mas não tem nada a ver com Jesus, com o Evangelho ou com o Reino de Deus. Se restou a nação confiar nas denominações evangélicas, como ela afirma, já estou pulando do barco, sei como essa engrenagem gira, o Congresso vira creche de criancinha junto dessa moçada, que além de usar de esperteza, fisiologismo, tramoia, charlatanismo e estelionato, tem a divindade a seu favor, um Deus só pra si, capaz de realizar coisas imponderáveis para agradar “seu povo”.

Dá tristeza? Dá. Mas causa muito maior indignação a distorção fraudulenta da mensagem e do ensino de Jesus. O mesmo Jesus que disse a Pilatos que seu Reino não era desse mundo, o mesmo Jesus que disse aos Fariseus que seu Reino não tinha aparência, nem opulência, nem cargos, nem tronos, nem poderes transitórios, nem planos expansionistas, nem instâncias de poder, nem propósito de dominação.

Jamais, em momento algum, Jesus imaginou que sua igreja teria o desafio de dominar a Terra, de governar nações, de reger política e economicamente os povos. A igreja nada mais é do que o encontro singelo e despretensioso de gente que foi reinventada pela graça, alcançada pela misericórdia, pessoas do bem em torno da mesa da comunhão para celebrar o amor e o perdão. Ela não passa de um ajuntamento transitório, não físico, não geográfico, não hierárquico, não normatizável, não institucionalizado, um ente espiritual, um corpo imaterial ligado a Cabeça, que é o próprio Senhor, um espaço de fomento de consciência para a vida e de envio de anônimos da existência para suportar os desvalidos, os desterrados, os invisíveis, os pobres, os famintos, os discriminados, todos os que estão nas cenas do cotidiano dos dias.

Ah, ministra, quanto equívoco em suas palavras, quanta distância há nelas em relação as palavras do Galileu. Não, Deus não vai cobrar nada de ninguém, muito menos que sua igreja ocupe os espaços do poder público, pois toda a dívida foi paga, tudo está consumado e cravado na Cruz. Não, não é nosso papel, como discípulos de Jesus, tomar o poder temporal dos homens, pois todo poder, conforme Paulo aos Filipenses, já foi dado a Jesus, não estamos atrás de tronos humanos, mas de paz, alegria e justiça, pois destas coisas é feito o Reino de Deus.

Espero, de todo o coração, um bom reinado a ministra, que suas ações possam redundar em benefício da sociedade, e não de sua igrejola ou denominação, pois para este fim ela foi colocada no cargo.

Quanto a “supremacia evangélica”, ainda não vimos nada... A última vez que esse firme passou, na idade média, a bola da vez eram os Católicos Romanos, e houve um apagão geral, trevas sobre tudo e todos. Muito em breve, todavia, como tanto se sonhou, o “Brasil será do Senhor Jesus”, teremos um “crente” no poder, e aí você vai ver a democracia virar teocracia, e por incrível que pareça, vai sentir saudades de Color, Lula, Dilma e Temer...


Carlos Moreira

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