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31 dezembro 2010

Fechado para Balanço!


Hoje é o último dia do ano, 31 de dezembro. Como de costume, estou na empresa, trabalhando. Às 12:00h., os funcionários serão liberados, pois precisam de tempo para chegar em suas casas e se preparar para as festividades da passagem do ano. Mas eu virei à tarde... Cumprirei um antigo ritual...

No último dia do ano tenho o costume de fazer um balanço de tudo. Sento-me no sofá que há no meu gabinete e fico meditando sobre as coisas boas e ruins que aconteceram. Enquanto isso, no player do computador, uma seqüência especial de músicas embala os meus devaneios...

Sozinho na sala começo a me sentir entorpecido, lentamente. Fico absorto, vou me desconectando do mundo. Para um executivo de tecnologia, trata-se de coisa difícil, pois minha rotina é outra. Acostumado às demandas do mercado, tenho sempre de tomar decisões, estar conectado o tempo inteiro. Mas, neste dito momento, pode tocar o telefone, pode bater a porta, pode soar o skype ou apitar o e-mail, pois nada, absolutamente nada vai me remover daquele sofá. Parei! Estou fechado para balanço.

 No meio empresarial, como se sabe, esta prática é muito comum. As empresas fecham,  mesmo que internamente ainda haja trabalho, pessoas contando estoques, outras liberando produtos para queima de saldo, uns lendo relatórios da contabilidade, outros do patrimônio, acionistas analisando gráficos, distribuição de lucros, ou de prejuízos – quem sabe – fato é que, para tudo, tudo mesmo, e fecha.

Quero lhe afirmar algo: você também precisa parar! Entorpecido pela festa, absolvido por comemorações, abraços, canapés e champagne, você perderá a grande oportunidade de fazer uma reflexão. Nela poderá observar seus equívocos, a forma grosseira como, por vezes agiu, algumas injustiças que cometeu, mentiras, falsidades. Creia-me, um pouco de tempo será suficiente para trazer a tona sua insensatez, dissimulações, sua falta de prioridade com situações graves, sua frieza com pessoas queridas, seu descaso com a dor alheia, sua distância, até mesmo de Deus. Sim, meu amigo, preciso lhe dizer, nem que seja por um pouco de tempo, no último dia do ano, você precisa parar!

Examinemos e submetamos à prova os nossos caminhos, e depois voltemos ao Senhor”. Lm. 3:40. A frase solta não tem grandes significações... Não fosse a referência bíblica, poderia passar como conselho de auto-ajuda. Mais está envolta num contexto complexo, e foi proferida por um profeta, homem de dores, em meio a um canto fúnebre, uma lamentação, diante do desaguar das mágoas de sua alma que foi alcançada pela tragédia.

O livro de Lamentações, de onde a frase foi retirada, é atribuído ao profeta Jeremias. Ele tem como pano de fundo a destruição da cidade de Jerusalém pelo rei babilônico Nabucodonosor, cerca de 589 a.C. Seu texto, quase que exclusivamente, é um texto reflexivo, não obstante poético, que expressa uma dor visceral, o sofrimento de um homem que vê “sua” profecia se cumprir cabalmente.  

O escritor do livro de Lamentações descreve, em detalhes, os acontecimentos que se sucederam a catástrofe da queda da Cidade Santa: a fome, a sede, as matanças indiscriminadas, os incêndios, saques, além do exílio forçado do remanescente vivo para uma terra estrangeira. É o retrato da humilhação, do desespero e da angústia. Mas também do arrependimento, da súplica por perdão, de um sincero sentimento, ante a perda de todas as coisas, de fé e restauração.   

É diante deste cenário que o profeta adverte: “examinemos e submetamos à prova os nossos caminhos...”. Sim, façamos o que nos diz o profeta: examinemos os nossos caminhos! O que você fez este ano? O que deixou de fazer? Como ocupou o seu tempo? Em que envolveu o seu coração? São perguntas pertinentes, ainda que inquietantes, “pois onde estiver o teu tesouro, ali também estará o teu coração”.

Comparado a 2009, você saiu-se melhor? Tornou-se alguém melhor? Seu caráter foi aperfeiçoado? Seu coração dilatado? Sua consciência expandida? Sua alma está pacificada? Ou você deixou que as trevas invadissem teu interior, que crostas de ódio e rancor se alojassem nos recônditos do teu ser, que raízes de amargura crescessem para dentro de ti e, entrelaçadas a tua alma, produzissem dor e medo, ansiedade e solidão?

É tempo de examinarmos essas coisas e “voltarmos ao Senhor”. Nada está perdido. Mesmo o mais grave erro ainda pode ser concertado. Sim, talvez leve tempo, quem sabe anos, mas há esperança! É provável que você precise pedir perdão a algumas pessoas... Faça isso! Talvez, pensando numa nova perspectiva, tenha de tomar decisões difíceis... Tome-as! Não sei se será preciso rever alguns planos, ou construir novos caminhos... Mas ouse, tente, faça diferente! 

A existencialista Simone de Beauvoir afirmou “Se vivermos durante muito tempo, descobriremos que todas as vitórias, um dia, se transformam em derrotas”. Quero lhes confessar algo: não gostaria de viver o bastante para ver toda a minha vida como um grande equívoco! Seria insuportável, para mim, perceber, ao fim da caminhada, que meus dias foram gastos inutilmente, que tive uma vida fútil e frívola, seca e oca, desprovida de propósitos e significações.

Pelo contrário, minha esperança está em viver o que diz o salmista: “ensina-me a contar os meus dias de tal maneira que alcance um coração sábio”. Você sabe por que ele não pede para aprender a contar os anos? Porque o tempo, conforme Ovídeo, é o devorador de todas as coisas. Contar anos pode nos levar a perder de vista a possibilidade de, a qualquer tempo, mudar as velas do barco em direção a novos ventos.

Por isso, é melhor aprender a contar os dias, pois, assim sendo, será mais fácil e mais simples fazer as devidas correções nas rotas, nos mapas, mudar o rumo da nau, buscar outros oceanos, velejar por outros mares. Termino, pois, com Ivan Lins e sua belíssima poesia: “cortaram as amarras e os nós, deixando pra trás o porto e o cais, berrando até perder a voz, em busca do imenso, do silêncio, mais intenso, que está, depois dos temporais”. Feliz Ano Novo!

Carlos Moreira

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