Hoje é o
último dia do ano, 31 de dezembro. Como de costume, estou na empresa,
trabalhando. Às 12:00h., os funcionários serão liberados, pois precisam de
tempo para chegar em suas casas e se preparar para as festividades da passagem
do ano. Mas eu virei à tarde... Cumprirei um antigo ritual...
No último
dia do ano tenho o costume de fazer um balanço de tudo. Sento-me no sofá que há
no meu gabinete e fico meditando sobre as coisas boas e ruins que aconteceram.
Enquanto isso, no player do computador, uma seqüência especial de músicas
embala os meus devaneios...
Sozinho na
sala começo a me sentir entorpecido, lentamente. Fico absorto, vou me
desconectando do mundo. Para um executivo de tecnologia, trata-se de coisa
difícil, pois minha rotina é outra. Acostumado às demandas do mercado, tenho
sempre de tomar decisões, estar conectado o tempo inteiro. Mas, neste dito momento,
pode tocar o telefone, pode bater a porta, pode soar o skype ou apitar o e-mail,
pois nada, absolutamente nada vai me remover daquele sofá. Parei! Estou fechado
para balanço.
No meio empresarial, como se sabe, esta prática é muito comum. As empresas fecham, mesmo que internamente ainda haja trabalho, pessoas contando estoques, outras
liberando produtos para queima de saldo, uns lendo relatórios da contabilidade,
outros do patrimônio, acionistas analisando gráficos, distribuição de lucros,
ou de prejuízos – quem sabe – fato é que, para tudo, tudo mesmo, e fecha.
Quero lhe
afirmar algo: você também precisa parar! Entorpecido pela festa, absolvido por
comemorações, abraços, canapés e champagne,
você perderá a grande oportunidade de fazer uma reflexão. Nela poderá observar
seus equívocos, a forma grosseira como, por vezes agiu, algumas injustiças que
cometeu, mentiras, falsidades. Creia-me, um pouco de tempo será suficiente para
trazer a tona sua insensatez, dissimulações, sua falta de prioridade com
situações graves, sua frieza com pessoas queridas, seu descaso com a dor
alheia, sua distância, até mesmo de Deus. Sim, meu amigo, preciso lhe dizer,
nem que seja por um pouco de tempo, no último dia do ano, você precisa parar!
“Examinemos e
submetamos à prova os nossos caminhos, e depois voltemos ao Senhor”. Lm.
3:40. A frase solta não tem grandes significações... Não fosse a referência
bíblica, poderia passar como conselho de auto-ajuda. Mais está envolta num
contexto complexo, e foi proferida por um profeta, homem de dores, em meio a um
canto fúnebre, uma lamentação, diante do desaguar das mágoas de sua alma que
foi alcançada pela tragédia.
O livro de Lamentações, de onde a frase foi retirada, é
atribuído ao profeta Jeremias. Ele tem como pano de fundo a destruição da
cidade de Jerusalém pelo rei babilônico Nabucodonosor, cerca de 589 a .C. Seu texto, quase que
exclusivamente, é um texto reflexivo, não obstante poético, que expressa uma
dor visceral, o sofrimento de um homem que vê “sua” profecia se cumprir
cabalmente.
O escritor do livro de Lamentações descreve, em detalhes, os
acontecimentos que se sucederam a catástrofe da queda da Cidade Santa: a fome, a
sede, as matanças indiscriminadas, os incêndios, saques, além do exílio forçado
do remanescente vivo para uma terra estrangeira. É o retrato da humilhação, do
desespero e da angústia. Mas também do arrependimento, da súplica por perdão,
de um sincero sentimento, ante a perda de todas as coisas, de fé e restauração.
É diante deste cenário que o profeta adverte: “examinemos e submetamos à prova os nossos
caminhos...”. Sim, façamos o que nos diz o profeta: examinemos os nossos
caminhos! O que você fez este ano? O que deixou de fazer? Como ocupou o seu
tempo? Em que envolveu o seu coração? São perguntas pertinentes, ainda que
inquietantes, “pois onde estiver o teu
tesouro, ali também estará o teu coração”.
Comparado a 2009, você saiu-se melhor? Tornou-se alguém
melhor? Seu caráter foi aperfeiçoado? Seu coração dilatado? Sua consciência
expandida? Sua alma está pacificada? Ou você deixou que as trevas invadissem
teu interior, que crostas de ódio e rancor se alojassem nos recônditos do teu
ser, que raízes de amargura crescessem para dentro de ti e, entrelaçadas a tua
alma, produzissem dor e medo, ansiedade e solidão?
É tempo de examinarmos essas coisas e “voltarmos ao Senhor”. Nada está perdido. Mesmo o mais grave erro
ainda pode ser concertado. Sim, talvez leve tempo, quem sabe anos, mas há
esperança! É provável que você precise pedir perdão a algumas pessoas... Faça
isso! Talvez, pensando numa nova perspectiva, tenha de tomar decisões
difíceis... Tome-as! Não sei se será preciso rever alguns planos, ou construir
novos caminhos... Mas ouse, tente, faça diferente!
A existencialista Simone de Beauvoir afirmou “Se vivermos durante muito
tempo, descobriremos que todas as vitórias, um dia, se transformam em derrotas”. Quero lhes confessar algo: não gostaria de viver o bastante para ver
toda a minha vida como um grande equívoco! Seria insuportável, para mim,
perceber, ao fim da caminhada, que meus dias foram gastos inutilmente, que tive
uma vida fútil e frívola, seca e oca, desprovida de propósitos e significações.
Pelo contrário, minha esperança
está em viver o que diz o salmista: “ensina-me a
contar os meus dias de tal maneira que alcance um
coração sábio”. Você sabe
por que ele não pede para aprender a contar os anos? Porque o tempo, conforme Ovídeo,
é o devorador de todas as coisas. Contar anos pode nos levar a perder de vista
a possibilidade de, a qualquer tempo, mudar as velas do barco em direção a
novos ventos.
Por isso, é melhor aprender a
contar os dias, pois, assim sendo, será mais fácil e mais simples fazer as
devidas correções nas rotas, nos mapas, mudar o rumo da nau, buscar outros
oceanos, velejar por outros mares. Termino, pois, com Ivan Lins e sua belíssima
poesia: “cortaram as amarras e os nós, deixando pra trás o porto e o cais, berrando
até perder a voz, em busca do imenso, do silêncio, mais intenso, que está,
depois dos temporais”. Feliz Ano Novo!
Carlos Moreira
Carlos Moreira
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