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03 janeiro 2011

O "Show" não Pode Parar!


Um dos filmes que mais marcou a minha adolescência foi “All That Jazz”. Interpretado pelo ator Roy Scheider, foi exibido no Brasil com o título “O Show não Pode Parar”. Na verdade, trata-se de um relato semiautobiográfico da vida de Bob Fosse, escritor, diretor e coreógrafo, vencedor, dentre outros prêmios, do Oscar.

Em “All That Jazz”, Joe Gideon é um produtor que está montando uma peça para a Broadway. Em sua cansativa rotina, ele sempre começa seus dias ligando o toca-fitas – tempo bom – pingando colírio nos olhos e tomando comprimidos de dexedrina. Em seguida, entra no banho, olha-se no espelho e repete a famosa frase: “It’s show time folks!” – “É hora do show pessoal!”.

Como acontece em outros musicais de Fosse, o bom e atento espectador perceberá que a ideia central do filme é mostrar que, na sociedade contemporânea, todos nós vivemos de certa forma no “mundo do espetáculo”, baseado na fantasia, na encenação.

Fico pensando se não foi esse o sentimento de Jesus quando ele observou as dinâmicas produzidas pela religião de Israel, em particular, ao analisar os contornos e entornos do que se passava no interior do templo de Salomão.

Vejamos o texto: “Jesus entrou no templo e expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e lhes disse: Está escrito. "A minha casa será chamada casa de oração mas vocês estão fazendo dela um covil de ladrões.”, Mt. 21:12-13.

Talvez você esteja se perguntando: mais o que esta passagem de Mateus tem a ver com o filme “All That Jazz”? Eu lhe respondo: tudo!

Nessa passagem, Jesus entra em Jerusalém e se depara com o “show” montado no lugar onde era feito o sacrifício e realizadas as orações. Era o shopping da religião, onde tudo podia ser comprado, desde souvenirs e quinquilharias sagradas, até animais, comidas e plantas para se fazer ofertas.
Isso sem falar no câmbio do dinheiro estrangeiro, feito com pesado ágio. Sem dúvida, ali funcionava um grande centro de negócios, operado em pequenas barracas, que promovia um comércio farto e rentável.

Mas Jesus ao ver a perda da significação de propósito daquele lugar, ao constatar a cauterização a qual chegara a consciência da nação de Israel, ao perceber o endurecimento do coração daquela gente, partiu para cima da “moçada” com azorrague nas mãos distribuindo tabefe para todo lado e repetindo: “a minha casa será chamada casa de oração”. O barraco foi grande, não ficou nada de pé.

Eu acredito que a grande tristeza do Galileu foi ver que aquele tipo de religião era calcada em exterioridades, em ritos ocos e dessignificados. Era uma liturgia esvaziada de propósitos, com a oferta sendo banalizada, o desrespeito para com o altar, que significava a oferta, a entrega do que sobejava, a dádiva sem esforço, o arrependimento epidérmico, sem consequências ou desdobramentos, a contrição de ocasião, o sacrifício do ideal no altar da conveniência. Tudo tão semelhante com o nosso tempo...

Mas, no dia seguinte, o que você acha que aconteceu? Que os “traficantes do sagrado” estavam de joelhos no Templo? Que os “mercadores da religião, aos prantos, atiravam-se no átrio? Que os “feiticeiros da fé”, com pano de saco e cinza sobre a cabeça, faziam oblações? Nada! No dia seguinte, tudo já estava de pé novamente, refeito, e o comércio já havia voltado a operar normalmente, do mesmo jeito de antes, afinal de contas, o “circo” tinha de continuar operando!

O que sei é que, quando a vida vira rotina, precisamos escolher entre começar um novo ano, uma nova etapa, rever escolhas, valores, princípios, prioridades, ou voltar a repetir tudo de novo, as mesmas práticas e, como no filme, declarar: “É Hora do Show Pessoal!”.

Sim, não se iluda, a religião entorpece o ser, deixa dormente os sentidos, embebeda a consciência, engana o discernimento. Creia-me, até o sagrado pode se tornar enfadonho, algo mecânico, que come o ser por dentro e só deixa trevas e morte.

Entra ano, sai ano, e a vida da grande maioria das pessoas continua a mesma. Pactos são feitos, promessas, correntes, campanhas, “salamaleques” dos mais diversos, mandingas evangélicas, “boacumba”, e nada muda! Não muda o caráter, não mudam os valores, não mudam o “olhar”, a consciência, o coração, as atitudes.

Muito pelo contrário, a vida segue da mesma forma, pois tudo é parte de um grande circo, de uma encenação. É um embuste, um estelionato, a fé arrotada pela boca, à letra morta, contudo contradita pelas ações, pois não houve arrependimento – metanoia!

Por isso, vamos lá! Comecemos tudo de novo! Levantemos a lona do circo para entrarmos no “picadeiro” da existência! Acendam-se os holofotes, liberem os “palhaços da vida”, as “marionetes da religião”, os “saltimbancos anarquistas”. Deixem que comece o espetáculo, abram as cortinas para que entre em cena o disfarce nosso de cada dia. E não nos esqueçamos do principal:

“o Show não Pode Parar!”.

Carlos Moreira


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