Sou um homem em busca de mim mesmo; ainda não me encontrei, mas continuo procurando. De uma coisa tenho, porém, certeza: não sou o que fui até agora. Pertenço à outra “pátria”.
Não sou o homem mesquinho, ciumento e às vezes violento que demonstro ser.
Não sou o homem apressado e agressivo que alguns dos meus gestos e as minhas palavras fazem perceber.
Também não sou a alma glacial que alguns julgam. O meu coração não é gelado, apenas sei que os sentimentalismos nos quais muitas pessoas estão envolvidas são artifícios usados para fugir de uma realidade que não as agrada.
Não sou nada disso, nem mau e nem bom. Não sou moral e nem imoral. As convenções me enojam. Sou apenas um ser transcendente, incompleto e que assume com todas as letras a própria incompletude.
Pensando bem o que de fato sou ainda está por nascer, sou apenas um feto existencial agora mais perto da concepção. Sou apenas uma criança que começou a sair do ventre da mãe. Só uma pequena parte de mim veio à luz até agora.
Só serei de fato o que nasci para ser quando o outro morrer; por enquanto ele luta desesperadamente para continuar entronizado no meu mundo interior, mas os seus dais estão contados. Só na morte há vida!
Sinto-me estranho em mim mesmo e nada que me é externo poderá me satisfazer. Alienígena em meu próprio corpo, eis o que sou. Preciso me emancipar, romper os grilhões da mediocridade, voar mais alto.
Ainda me preocupo demais comigo mesmo, ainda cobro demais dos outros. Devo deixar os outros em paz! Não fui constituído juiz das pessoas e das coisas, apenas nasci para percorrer o próprio caminho a mim destinado. Se os outros andarão pelas minhas veredas é um outro problema.
Não suporto mais viver desse jeito: “independência ou morte!”. Não suporto mais ser escravizado pelas demandas do cotidiano. Os cartões de crédito, os flanelinhas, o individualismo, a fome de dinheiro, a injustiça (inclusive a minha), tudo isso me oprime e me consome. Nada disso me pertence!
O meu ser está dilacerado, estou aos pedaços, todas as minhas ilusões foram destroçadas (graças a Deus!), inclusive as que dizem respeito a mim mesmo. O mundo que me aprisiona não irá mais me conter, começo a ficar livre. Sou uma ferida que anda.
Eu sou livre, nasci para ser livre. Não quero mais o “ouro de tolo” pelo qual os homens matam uns aos outros. Não receberei mais os presentes que me são dados com lisonja, mas que querem me destruir, me anular como ser existente.
Preciso arrumar as malas e ir embora desse mundo mesquinho que entrou em mim sem que eu percebesse, somos incompatíveis. Não posso continuar sendo escravo dos sentidos e morrer abraçado com a herança miserável que recebi desde o meu nascimento. Chega, não agüento mais!
Estou sendo tragado pelo infinito, sinto que estou me desmaterializando! Desde ontem que não sou mais o mesmo; percebi isto quando fui dormir ainda muito cedo. A minha morte já havia sido anunciada antes. É que o infinito vai nos tomando aos poucos, assim como se bebe um copo d’água.
André Pessoa via Século XXI
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