“O Homem que Virou Suco” é um dos melhores filmes brasileiros que eu já assisti. Lançado em 1981 e dirigido por João Batista de Andrade, traz em seu elenco atores fabulosos, destacando-se o extraordinário desempenho do ator José Dumont.
O roteiro da película, que ganhou vários prêmios, tem como pano de fundo a migração de nordestinos na direção da grande explosão industrial da região sudeste. No filme, Deraldo, um poeta popular recém-chegado do Nordeste a São Paulo, tenta a sobrevivência através da venda de suas poesias e folhetos. Confundido com um operário de uma multinacional que mata o patrão, passa a fugir da polícia e a envolver-se numa infinidade de acontecimentos que vão desnudando os dramas dos imigrantes que vivem numa metrópole. Ao final, Deraldo acaba lançando uma espécie de autobiografia – “O Homem que Virou Suco” – que trata da grande lição que ele aprendeu em sua resistência a sociedade opressora, que tenta esmagar o homem e eliminar suas raízes e convicções.
Pois bem, a ligação do filme com este texto tem a ver com um telefonema que recebi esta semana de um amigo que estudou comigo na Faculdade de Administração. Ele estava entusiasmado por ter, finalmente, se “convertido” a uma determinada “igreja”, mas sua fala era desconexa e bastante confusa, uma narrativa entrecortada o tempo todo por chavões religiosos. Lembro bem que, ao final de cada frase, repetia como um mantra as expressões: “Glória a Deus”, “Santo, Santo”, ou “Aleluia”.
A conversa durou cerca de 20 minutos. Nela ele me relatou a forma bizarra – maravilhosa para ele – como vinha vivendo os últimos 2 anos. A narrativa começou com a seguinte frase: “entrei para a lei de crente!”. Assustei-me profundamente! Eu lembrava bem do Flávio – vou usar este nome fictício para resguardá-lo. Era um cara bonachão, gozador, contador de piadas e tomador de cachaça, paquerador inveterado de mulheres. Como trabalhava numa grande multinacional e ganhava bem, era capaz de promover a qualquer um(a) que com ele saísse uma noitada de dar inveja a Giacomo Casanova, o grande sedutor Italiano.
Agora, entretanto, estava eu a falar com um sujeito que me parecia mais santo do que Jesus Cristo. Sua história, todavia, não é muito diferente da de outros tantos que tenho encontrado por aí: uns em gabinetes pastorais, alguns em consultórios psiquiátricos, e a grande maioria de volta a velha existência de onde um dia havia saído. Naqueles vinte minutos sufocantes, Flávio me contou um pouco de sua vida. Disse-me como havia passado em tão curto tempo por 9 denominações diferentes, indo da igreja histórica reformada ao neopentecostalismo. Mudou de ideologia religiosa como quem muda de bar. Em cada uma que ia, encontrava “problemas” que o levavam a ter de buscar uma outra.
E foi assim que começou a descrever sua triste peregrinação. “Mudei de uma “igreja” porque o louvor era fraco. Numa outra o problema era o pregador. Em uma, havia silêncio demais; já em outra, a gritaria era ensurdecedora. Numa falava-se língua estranha; na outra língua esquisita, pois eu não entendia nada sobre os conteúdos do sermão”. E assim, de “igreja” em “igreja” – ou de suplício em suplício – chegou, então, ao “paraíso”. Agora sim, um lugar perfeito. Nesta “igreja” a qual ele se “converteu”, uma vez que lhe ensinaram que até então ainda não havia se “convertido”, ele enfim encontrou-se. Mesmo achando curioso o fato de ter se convertido a “igreja” e não a Jesus, não quis interromper sua narrativa...
Pois bem, neste “santo lugar”, ou seria melhor dizer “santo dos santos”, havia de tudo o que ele sempre sonhara. “Seções de exorcismo”, “correntes de promessas”, “campanhas e batalhas”, “louvor gospel”, “profecias”, “revelações”, “visões”, um pacote completo do “sobrenatural” a serviço da comunidade. Agora sim, o “culto” dava-lhe plena satisfação. O “deus” que ali se “apresentava” era mais performático que Britney Spears. Por fim, disse-me algo estarrecedor: “amigo, tenho dado 35% de dízimo ao “pastor” e, na semana passada, para “glória de Deus”, doei o meu carro para uma grande campanha que estamos empreendendo”. Aí, para mim, foi o fim...
Fiz menção de que tinha de desligar, pois sabia que não havia qualquer condição de argumentar com ele absolutamente nada. Foi então que Flávio me disse: “irmão, estou passando por grande luta. Minha mulher acaba de me deixar, pois disse que eu fiquei maluco. Minha empresa me demitiu, porque eu andei faltando a umas visitas para ir fazer a “obra de Deus”, buscando assim o “reino” em primeiro lugar. Sei que tudo isto é obra de satanás – imagina?! – e quero que o irmão entre em batalha comigo”. Aí, então, eu disse a ele que seria bom nós conversarmos pessoalmente. É que a grande batalha que eu enfrento todos os dias é contra o trânsito da minha cidade.
Desliguei o telefone e pensei comigo: “eis aí mais um crente que virou suco”. Ele é o retrato de uma geração que está se desmaterializando psíquica, emocional e espiritualmente. Do desmantelo deste trinômio, outras desgraças acabam surgindo em seqüência. Para mim ficou claro que sua mente está totalmente cauterizada, pois ele parecia ter sofrido uma lavagem cerebral. O sincretismo de tantas “doutrinas” diferentes, criado a partir das várias denominações que freqüentou, construiu em sua consciência a configuração de um tipo de “evangelho” que nada tem a ver com Jesus Cristo. Sua matriz de valores é um aglomerado de conceitos tortuosos que mistura crendices, misticismo e “profetadas”.
Não tenho a intenção de ofender ninguém neste artigo. Se você pertence a uma “igreja” que tem essas características, caia fora de lá hoje, agora! E mais... Se alguém achar ruim, principalmente seu pastor, peça a ele para entrar em contato comigo! Terei prazer em conversar com ele... Meu querido(a), isso não é igreja, isso é macumba! É ambiente de mistura religiosa que sincretiza práticas medievais, doutrinas judaizantes, feitiçaria, religiões de mistérios e outras maluquices para espoliar gente inocente ou desesperada. Você não está lidando com profetas, mas com patifes! Não está tratando com homens do sagrado, mas com traficantes de ilusões, vendedores de barganhas com a “divindade”, intermediários de promessas ilusórias, feiticeiros da religião institucionalizada, gente perversa que age de forma pervertida.
Não acredite em nada do que estou falando. Eu posso ser um “agente de satanás” para afastá-lo do “verdadeiro caminho”. Contudo, eu lhe suplico: abra as Escrituras, releia os Evangelhos e as Epístolas, ore ao Espírito Santo para lhe esclarecer as verdades da fé e lhe dar discernimento espiritual e, em seguida, compare suas conclusões com as práticas que estão sendo executadas nestes terreiros religiosos. Tenho a certeza de que isso será suficiente para lhe revelar os contornos de quem serve a Deus, de quem serve a si mesmo e, não raro, de quem serve a satanás!
Flávio, meu amigo, ficou de encontrar-se comigo esta semana. Não sei se será possível fazer algo por ele. É que sua alma virou pasta e sua consciência suco. Ele perdeu as referências mais básicas da vida, o senso crítico e o poder de avaliar as coisas com isenção. Foi engolido pelo “sistema”. Talvez já tenha ido tão longe que terá por destino fazer parte das estatísticas. Irá, mais cedo ou mais tarde, parar num consultório psicanalítico, com vistas a tratar as profundas distorções geradas em sua psique, ou voltará ao tremedal de lama de onde um dia imaginou ter saído, tornando-se exposto, aí sim, a ser possuído por espíritos sete vezes piores que os que, eventualmente, o atormentavam.
A construção de uma espiritualidade sadia e sustentável não passa por mudanças exteriores, as quais são apenas capazes de criar uma “caricatura espiritual”, um “boneco da religião”, um ser com linguagem de gueto, crenças distorcidas e comportamentos bizarros. Ela também não está associada a sucessivas mudanças de igrejas, seja por que questão for. Ouça meu conselho: ache uma séria, e fique nela. Viva a fé com simplicidade, relacione-se com um pequeno grupo de discípulos, leia com regularidade as Escrituras, ore com freqüência, e você verá que estes “fantasmas” que, eventualmente lhe assombraram, desaparecerão.
Por fim, deixe que Deus opere em você as mudanças que se fazem necessárias. E lembre-se: Ele não descaracteriza ninguém, não muda sua beleza e singularidade, não avilta suas características básicas, não desconstrói sua alma, mas, em amor, pacientemente, ressignificará sua consciência para que você possa materializar uma espiritualidade conseqüente. Como bem disse Dom Helder Câmara “é preciso mudar mundo para ser sempre o mesmo”. Creia-me: as mudanças virão, mas não lhe tornarão alguém que você, de fato, não é.
Carlos Moreira
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