“Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno”. 2ª. Co. 4:18
Não sei se já te deste conta, mas teu dever é tornar-te
um peregrino, um ser errante numa terra que não é tua, um andarilho da
existência, alguém que deixa pegadas que se apagam enquanto ainda se caminha.
Por isso, não crie raiz, fuja de toda fixidez, esteja sempre
pronto para ser “colhido do chão” da terra, pois tu e tudo é transitório,
temporal, passageiro e fugaz. Lembra-te de que estais aqui apenas de passagem,
um sopro e já não mais serás...
E eu penso comigo: coisa espantosa é o homem! Tão ambíguo,
tão contraditório. Num momento é... no outro, já deixou de ser. Surpreende-me
como consegue contrastar em si mesmo grandeza e miséria, luz e escuridade,
paixão e ódio, vida e morte.
Eis aí vai o homem! Pensa que é, mas ainda não se tornou o
que há de ser. O que será está mais a frente, está no futuro. Não te enganes ao
pensar que ele trilha irremediavelmente rumo à morte, pois, na verdade, caminha
a passos largos para nascer! Ou não sabes que é morrendo que se vive, pois a
morte abre a porta, não a fecha, liberta-nos de quem fomos para vestir-nos de
quem somos.
Portanto, olhe para a "morte" como tua amiga e aprende a
esperá-la. Ela porá fim a todos os teus dilemas, te libertará de todas as tuas
algemas, e, por fim, vencerá até mesmo o tempo. Sim, pois como disse Platão,
"o tempo é a imagem móvel da
eternidade imóvel". Mas lembre-se: para se ganhar o direito de "morrer" é preciso, antes, aprender a viver...
Entende, então: só quando não mais fores é que poderás
ser... Como bem citou Manoel de Almeida “sinto
tamanha saudade de algo que nunca partiu, porque também nunca chegou”. Hoje
ainda és informe, mas amanhã serás matéria eterna; hoje és parte, amanhã serás
todo; hoje és pecado, amanhã serás redenção!
Sei que há em ti essa ânsia de transcender, de ir além, mar
a dentro, céu a fora. É que tu almejas por aquilo que ainda virá, a “Nova
Jerusalém”! Por isso sê paciente, espera só mais um pouco, não desistas de ti
mesmo! Saibas que “embora exteriormente
estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia”.
Portanto, conforma-te homem. Se ainda não te decifrastes, não
te devores! Aprende que existir é paradoxo, é absurdo, mas ao mesmo tempo é
também paixão e beleza. Por isso te trago a poesia de Erikah Azzevedo: “eu sou o "eu vivo", num querer
transcender toda a essência do meu viver... e sou o "eu posso" , num
querer ser num além mais de mim. Eu sou o que sou, e ser... me consome!”.
E assim eu te digo: abraça a tua impotência, consola-te por
teres limites, entende que ainda estás preso ao corpo, sois pó que tomou forma:
finito, tolhido, rascunho. Aceita, então, que a Graça te basta, pois és o agora
e o ainda não!
Por fim, aquieta-te, pacifica as tuas guerras e descansa sob
o solo sagrado do teu coração. Acolhe, portanto, o fato de que, neste momento,
vês “... apenas um reflexo obscuro, como
em espelho; mas, então, verás face a face. Agora conheces em parte; então,
conhecerás plenamente, da mesma forma como és plenamente conhecido”.
Carlos Moreira
Carlos Moreira
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