Eram seis horas da manhã quando o telefone tocou interrompendo o meu sono. Já é um hábito meu manter o celular sempre ativado, pois nunca se sabe quando será preciso atender a um chamado de urgência de alguém em apuros.
Quando o telefone tocou e eu vi o nome escrito no visor do aparelho, já imaginei do que se tratava... Atendi com voz rouca, pois estou doente. Do outro lado, havia alguém chorando. A voz embargada tornava-se ainda menos inteligível pelo estado de embriaguês. Sim, meu amigo estava bêbado! Saindo de uma festa, desencontrado de sua alma, sentia-se sozinho no meio da multidão.
“Amigo!”, disse ele, “Eu acabei de pregar para os seguranças da festa. Sei que estou bêbado, mas falei do amor de Deus e da misericórdia de Jesus. Agora estamos todos aqui chorando: eu, porque não deveria ter vindo a esse lugar, esse ambiente não pode me acrescentar mais absolutamente nada, simplesmente não faz parte de mim. Eles porque, mesmo sóbrios, estão esvaziados de significados, estão vivendo sem um propósito, sem conteúdos e valores que possam ressignificar suas consciências e trazer-lhes vida ao ser”.
Não havia muito o que eu pudesse fazer àquela hora da madrugada, isso sem contar que eu estava com febre. Dei-lhe algumas orientações e voltei para a cama. Não consegui mais dormir... Levantei e liguei a TV. Em certo canal, um “apóstolo” estava pregando a palavra de Deus. “Que loucura”, pensei! Nada do que ele dizia era Evangelho, tudo estava torcido para atingir seus propósitos: enganar os incautos, iludir os desesperados e alienar os desiludidos. Em suma: “quebrar o caniço esmagado e apagar o pavio que ainda fumega”.
Mudei de canal. Essa gente me dá náuseas! Caiu num filme do “Harry Potter”. Era bem melhor! Prefiro o feiticeiro de “verdade” ao de mentira... Fiquei vendo as imagens na tela, mas minha mente não estava ali... No meu íntimo fazia conjecturas: “O que é menos danoso ao ser: um falsário sóbrio ou um bêbado verdadeiro? É melhor ouvir a mentira do Profeta, que fala sem ter ingerido álcool, ou a verdade do Pierrô que passou a noite “enchendo a cara?”.
As perguntas se amontoavam em mim... Lembrei do meu filósofo favorito, Nietzsche: “O fantasioso nega a verdade para si mesmo; o mentiroso apenas para os outros”.
Triste o povo que não tem profetas para admoestá-lo! Em meio à aridez humana de nossos dias, “quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma”, prefiro ouvir as “loucuras” do bêbado às “verdades” do “santo”. Não obstante, ambos estão errados: o primeiro em seu proceder; o segundo em suas intenções.
Do fundo do coração, todavia, acho mais fácil a pregação do Pierrô surtir efeito, pois traz em si a palavra carregada de paixão, sem distorções ou manipulações, ainda que o “pregador” não esteja em um de seus melhores dias, do que o sofisma eloquente do Profeta mal-intencionado, que fez “alquimia” das Escrituras com vistas a iludir aqueles que nada sabem sobre a Verdade e, por isso, acabam, como embriagados, se satisfazendo com o veneno que lhes é despejado goela abaixo.
Aquele telefonema do Leandro quebrou em mim muitos paradigmas. Obviamente estou usando um nome fictício. É que o Leandro converteu-se há pouco tempo, não virou ainda celebridade do mundo “gospel” dando testemunhos bombásticos em igrejas. De todo coração, espero com fé que isso jamais venha a acontecer.
Sim, esse meu amigo vem de uma história de vida complicada. Era um cara rico que, de repente, se viu sem nada, perdeu tudo: casa, dinheiro, amigos, dignidade, esposa e filhos. A culpa maior é dele e ele sabe disso. Não reclama, não usa de autoindulgência, não faz racionalizações; tem feito como Davi: “Pequei contra Deus!”.
É meu amigo, no circo que a religião se tornou em nossos dias, prefiro ver pierrô bêbado a profeta sóbrio. É que o primeiro, se só disser besteira, ainda pode divertir. O segundo, todavia, falando apenas heresia, faz-me contorcer de dó, primeiro pelo agravo que comete contra Deus, e segundo pelo assassi-nato contra as Sagradas Escrituras.
Carlos Moreira
3 comentários:
Eu prefiro o papo do bêbado. Ele tinha consciência de que não era para estar ali, mas estava lá, bêbado falando sobre Deus e impactanto as pessoas lá.
Sabe de uma coisa: será que ele era realmente para não estar lá naquele dia? Minha razão diz que sim, mas o meu espiritual pensa que Deus nos usa como ele quer. E se esta era a única forma de os seguranças ouvirem sobre Deus e refletirem sobre suas vidas?
E o que eu estou fazendo aqui digitando este post caindo de sono por causa dos sedativos, aliado a ter chorado muito porque minha mãe está muito doente...
Melhoras para você.
Patrícia
Obrigado pastor, por ajudar a esta comunidade!
Vemos seu esforço, em meio a tanta luta pessoal, como o verdadeiro agir de Deus.
Abraço.
caro Pastor Carlos,
Eu recebi um email de uma grande amiga com um texto que você escreveu. Achei o texto tão bom que publiquei no meu blog. Se não for do seu agrado, eu retiro. É só dizer.
Segue o link:
http://windoffreedow.blogspot.com/
grande abraço e a Paz do Senhor Jesus Cristo.
Fabiana Dias
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