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21 outubro 2010

Sarando as Feridas


Os “marcos” são mais facilmente esquecidos que as “marcas”. Eu explico: os acontecimentos negativos da existência humana como perdas, medos, traumas, traições, tem infinitamente mais capacidade de “MARCAR” a vida das pessoas do que as vitórias, alegrias ou desejos realizados, os “MARCOS”. E estas “marcas” que aparecem, invariavelmente, em nossa história, em maior ou menor escala, por vezes se constituem em feridas tão profundas que impedem o agir transformador do Espírito Santo e, por conseguinte, bloqueiam o apaziguamento de nossa consciência e a pacificação de nosso ser.

Nem o poeta me deixa mentir quando diz: “tristeza não tem fim, felicidade sim”. A poeira da existência impregnada na alma humana desconstrói sonhos, desmonta a esperança, torna a nossa alma um calabouço sombrio, uma masmorra de solidão, uma terra devastada, árida, não obstante ávida de encontrar paz e bem. Neste estado de ser e sentir, nesta estação outonal, respirar dói e tudo se torna enfado e canseira. Laura Limeira me ajuda a dizer isto em forma de poesia: Somando as perdas e ganhos da minha vida, descobri muitas marcas em mim... Marcas no meu olhar, pela tristeza que vi, quando, ingenuamente, acreditei em tudo, e vivi... No rosto, pelo esquecimento do sorriso, e por tanta lágrima derramar... Na dor da solidão por enfrentar, e calar sozinha, nem sei como, tanta emoção... Marcas na alma, hoje estraçalhada, diante de tantas insídias... Muitas são essas tais marcas da vida, que, iguais tatuagens, já não saem mais...”.

A pesquisadora norte-americana Judith Viorst, no seu livro Perdas Necessárias, ensina-nos que viver é aprender a perder. Sem este aprendizado, não se pode crescer. Perdas são uma das “marcas” geradas pela existência. “Elas envolvem não só a morte de pessoas queridas, mas incluem também a perda consciente ou inconsciente de nossos sonhos, expectativas impossíveis, ilusões de liberdade e poder, ilusões de segurança e a perda do nosso próprio "eu" jovem”, porque envelhecer é como perder-se de si mesmo.

E aqui surge uma indagação: haverá uma solução para isto? Pode Deus agir de tal forma que todo este embaraço e peso que carregamos faça apenas parte do passado sepultado e cravado na cruz? Será mesmo possível materializar as verdades do Evangelho em realidade para a vida? Ou são verdadeiras as palavras de Thomas Quincey: “não existe o esquecimento total: as pegadas impressas na alma são indestrutíveis”.

Em 1905, em Viena, uma paciente cega, paralítica e bulêmica sofria, sem saber as causas, e sem perspectiva de cura, desta “doença da alma”. Foi neste contexto que um médico neurologista, nascido na Checoslováquia, foi designado para acompanhá-la. Após 10 anos os sintomas da doença desaparecem. A paciente estava clinicamente curada. Nascia ali a psicanálise. A história verídica é de Ana O. – a paciente – e o médico era Sigmund Freud. Nossa história, não raro, foi marcada duramente por fatos que desencadearam transtornos profundos em nossa psique e acabaram por produzir imagens doloridas, traumas, medos e culpas que se acumularam no limo da nossa alma. Hoje, mesmo sem querer, eles são como fantasmas e, não raro, vêm nos assombrar.

Eu quero lhe trazer uma passagem bem conhecido das Escrituras para me ajudar a analisar, ainda que de maneira figurada, estes processos que geram feridas emocionais e os mecanismos que podem ser utilizados para curar almas adoecidas. O texto é Ezequiel capítulo 47 versos de 1 a 9. Trata da visão do profeta de águas que saem de dentro do Templo, descem pelo vale, onde a vegetação e toda a vida aquática e pantaneira estão destruídas, e deságuam no mar morto. Aquele cenário que ali estava era mais do que real, mas também era um “holograma” espiritual do que se passava com a nação de Israel. Ele metaforizava o estado emocional e espiritual daquele povo que havia sido desterrado de maneira violenta para a Babilônia cerca de 70 anos antes. Muitos dos anciões que voltaram para a reconstrução dos muros e do Templo, por conta do decreto de Ciro, Rei da Pérsia – livros de Esdras e Neemias – haviam sido vítimas da barbárie dos Assírios. Suas almas estavam impregnadas com as imagens de lares destruídos, mulheres e crianças assassinadas, das portas de Jerusalém queimadas, da destruição do Templo, da morte dos príncipes e do escárnio sofrido pelo Rei Zedequias, que teve seus olhos vazados e, amarrado a grilhões de bronze, foi levado escravo entre os peregrinos. Este desfecho trágico era a conseqüência das consecutivas advertências de Deus contra os desvios do podo e podem ser vistos também na profecia do livro de Jeremias capítulo 37.

Agora vamos imaginar este retorno. O caminho é espinhoso, regado por lágrimas de desilusão e desespero. Essa gente está com as entranhas incrustadas de dores e de perdas. Suas almas foram assoladas pela tragédia, suas mentes guardam imagens fortes, duras, seus corações estão petrificados pela dor, seus olhos estão encharcados de lágrimas, de miséria e cólera. Questão: de onde foi que aquele povo tirou forças para reconstruir aquela cidade? Sim, porque ali estava uma gente destroçada, humilhada, subjugada, sem destino, sem esteio, sem chão, e agora se viam diante do desafio de recomeçar, no mesmo local, diante das ruínas que haviam deixado para trás. Como conseguiram? De onde tiraram forças?

Bem, eu creio que esta visão de Ezequiel simbolizava o prenúncio profético do que mais tarde iria acontecer. A visão de águas saindo de dentro do santuário prefigurava a maneira de Deus agir para curar o interior das pessoas. Olhe para este texto para além das realidades aparentes, pois a visão bem pode ser tratada como uma metáfora ou uma alegoria do autor, sem que isto represente perda para a aplicação espiritual do texto. Estudando filosofia, e entrando pelos caminhos da psicologia, você vai se deparar com estruturas chamadas de arquétipos. Quem melhor estudou sobre isto foi Carl Jung, quando tratou do inconsciente coletivo. O cenário metafórico da visão de Ezequiel é o arquétipo do que estava impregnado no inconsciente coletivo daquela geração de moribundos sobreviventes. Ali havia uma imensa carga de energia psíquica reprimida, pois aquela gente havia sido desterrada da vida. Por outro lado, também existia ali a premente necessidade de algo que pudesse materializar a fé necessária para curar as suas almas e levantá-los para a empreitada da reconstrução. É aí que entra a visão do profeta.

Eu não sei como está a sua vida. Não sei se você foi ou é vitima de abusos, de perdas, de dramas que marcaram profundamente sua alma e que te impedem de levar uma vida normal, equilibrada, que se manifesta numa espiritualidade sustentável, numa fé sadia. Não sei se o que lhe aconteceu lhe impede de exercer alguma atividade profissional, de constituir família, ou outra coisa que se torna limitante em sua existência. Mas quero lhe deixar algumas sugestões para sarar as feridas que, por vezes, a vida acaba por produzir.

Em primeiro lugar, utilizando-me alegoricamente do texto, quero lhe dizer que TODA CURA SÓ SE VIABILIZA NA VIDA QUANDO OCORRE DE DENTRO PARA FORA DO SER. Veja o verso 1 do capítulo 47: “Depois disso me fez voltar ao templo; e eis que saíam umas águas por debaixo do limiar do templo, e desciam pelo lado meridional do templo ao sul do altar”. Nós sabemos pela doutrina Neotestamentária que hoje somos o templo do Espírito Santo. O que o texto está explicitando, e também apontando de forma profética, pois mais tarde o próprio Jesus diria no Evangelho de João que aquele que nele cresse do seu interior fluiriam rios de água viva, é que a cura vem de dentro para fora, ou seja, não é um processo de reconstrução, mas de regeneração. Restabelecer este “santuário” tem implicações em ressignificar à fé, reimplantar uma nova consciência e transformar o coração de pedra em coração de carne. Este processo é algo que só pode ser feito e discernido espiritualmente. Sei que a escuta terapêutica e, por vezes, o tratamento medicamentoso é necessários para sarar dores e feridas na alma das pessoas. Mas nada pode ir tão fundo quanto estas ações, pois elas são demandadas pelo próprio Deus.     

Em segundo lugar, conforme os versos 3,4 e 5 do mesmo capítulo, O PROCESSO DE CURA DEMANDA UM MERGULHO EM NOSSAS “CAMADAS EXISTENCIAIS”. Vejamos: “Saiu aquele homem para o oriente, tendo na mão um cordel de medir; mediu mil côvados e me fez passar pelas águas, águas que me davam pelos tornozelos. Mediu mais mil e me fez passar pelas águas, águas que me davam pelos joelhos; mediu mais mil e me fez passar pelas águas, águas que me davam pelos lombos.Mediu ainda outros mil, e era já um rio que eu não podia atravessar, porque as águas tinham crescido, águas que se deviam passar a nado, rio pelo qual não se podia passar”. Aqui temos uma soma de elementos metafóricos. O rio representa a nossa própria vida, cheio de percalços e surpresas, de águas tranqüilas e corredeiras. E o “anjo” faz um convite ao profeta para que ele “mergulhe” neste rio, ou seja, para que entre nas águas, paulatinamente, consecutivamente. Um mergulho existencial, que passa pelos “caminhos” da vida, pelas escolhas, pelas decisões, pelas cenas doloridas, pelos momentos de tristeza, de solidão, de agonia, de desespero. E quanto mais o rio vai se aprofundando, menos o profeta tem controle de si mesmo. A cada passo, a cura vai chegando aos ambientes interiores, pois o Espírito vai revelando aquilo que produziu a doença e vai aplicando o bálsamo que produz a saúde. Há um momento, contudo, que todo o controle é perdido, pois o “anjo” leva o profeta aonde ele quer. Este anjo é uma figura do próprio Jesus, uma teofania, uma alegoria que aponta que Deus deseja que entreguemos a partir de agora o nosso caminho em suas mãos e deixemos que Ele a partir de então passe a nos conduzir.

Em terceiro e último lugar, conforme o verso 9 e consecutivos, A CURA SÓ SE MATERIALIZA QUANDO O QUE ESTAVA MORTO GANHA VIDA NOVAMENTE. “por onde quer que entrar o rio viverá todo ser vivente que vive em enxames, e haverá muitíssimo peixe; porque lá chegarão estas águas, para que as águas do mar se tornem doces, e viverá tudo por onde quer que entrar este rio. Junto ao rio, às ribanceiras, de um e de outro lado, nascerá toda sorte de árvore que dá fruto para se comer; não fenecerá a sua folha, nem faltará o seu fruto; nos seus meses, produzirá novos frutos, porque as suas águas saem do santuário; o seu fruto servirá de alimento, e a sua folha, de remédio”. Estas águas que saem do santuário são o lavar restaurador e regenerador do Espírito Santo em nossas vidas. Elas se materializam simbolicamente através do batismo e, a partir de então, Deus nos concede o poder de sermos feitos Seus filhos, membros de Sua família. Tudo o que estava morto ao nosso redor começa a ser chamado a vida novamente. Por isso Paulo nos afirma: “se alguém está em Cristo é uma nova criação. As coisas velhas já passaram, tudo se fez novo”. Quando as torrentes de águas do Espírito de Deus chegam ao “mar morto” de nossas vidas toda sequidão, toda podridão, tudo o que estava destruído e sem vida tornará a existência, será revigorado, será renovado na força do Seu poder. E a árvore que o texto aponta prefigura a nossa própria vida, gerando frutos em abundância, sendo utilizada para trazer cura às nações da Terra.     

Talvez você já tenha corrido atrás de muitas coisas em busca de cura. Não sei se já freqüentou templos de “igrejas”, ou fez parte de religiões e filosofias, tudo em busca de salvação. Mesmo assim, talvez, suas chagas ainda estejam expostas, doloridas, inflamadas, e você continua desejando ardentemente encontrar uma “folha” que produza um “ungüento” capaz de lhe trazer alívio, cura e paz. Pois eu quero lhe afirmar que o que você procura é Jesus! Ele, por vezes, não está nos “templos” das “igrejas”, nem presente no compêndio das muitas religiões criadas pelos homens, mas é incapaz de desprezar um coração contrito ou abandonar um espírito quebrantado. Se você realmente deseja ser curado, chegue-se a Ele, diga-lhe sem cerimônias: “preciso de ti”, e receba a cura. É apenas isto... Sim. Simples assim. Pois aquele que ama a Deus viverá apenas pela sua fé.

Carlos Moreira

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