Diz o livro
de Eclesiastes: “melhor é ir a
casa onde há luto do que ir a casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim
de todos os homens...”, ou
seja, quando estamos expostos à ambientes de morte acabamos refletindo melhor
sobre os aspectos que estão relacionados à vida. Por isso é melhor estar na
casa onde há luto, neste lugar de aflição e dor, de perda e de pranto, porque
nele nos depararemos com dimensões existenciais que não encontramos facilmente
em outros lugares. É lá que vemos de forma visceral sentimentos como a
solidariedade, o afeto, a compaixão, o quebrantamento e a misericórdia, sendo
esboçados espontaneamente, irrompendo do íntimo das pessoas, jorrando das
fontes do coração.
Diante deste
tipo de situação é impossível não nos questionarmos sobre a vida, sobre quem
somos, como temos vivido, com quem nos relacionamos, como gastamos o nosso
tempo. Eu não sei, mas talvez você desejasse ler algo que lhe catapultasse para
cima, uma “auto-ajuda evangélica”, mas eu acredito que morte é um tema mais do
que oportuno para ser tratado com os vivos. E digo-lhe isto porque a morte está
permanentemente presente em nosso cotidiano, pois vida e morte são coisas que
não podem ser separadas.
Não obstante
isto, segundo a psicóloga Maria Helena Bromberg, “cada vez mais as pessoas têm dificuldade em falar e vivenciar a morte;
os rituais de luto estão sendo segregados aos CTIs de hospitais e às salas de
velório, organizadas de forma a tornar o contato com o morto (e a morte) o mais
indolor possível”. A
sociedade de consumo tenta dar à morte – ampliando o tabu que a envolve – uma
nova embalagem, mais ascética e aceitável, tentando com isto contornar o seu
impacto, amenizar seu significado, reduzir os transtornos que ela possa
acarretar. O avanço da ciência e o tecnicismo dos nossos dias fizeram com que
crescesse no mundo contemporâneo uma cultura de negação da morte.
É justamente
isto que expõe o pensador Ernest Becker, a idéia de que o homem, a qualquer
custo, faz um movimento para evitar a morte, cujo medo é uma condição universal
humana. Max Scheler, o filósofo dos valores, diz que no ocidente todos nós
fomos educados pelas tradições científica, capitalista e filósofo-mecanicista a
compreender a morte como morte dos outros, um fenômeno externo que nada tem a ver
conosco. O escritor Philippe Ariés, numa análise mais histórico-antropológica,
fala-nos da evolução do comportamento humano constatando que a partir do século
XII, havia maior dramaticidade e individualidade na maneira de considerar a
morte. No século das Luzes, a morte começou a ser “colorida” com matizes
românticas. Mas só a partir da segunda metade do século XX foi que toda
referência ao tema começou a ser camuflada. A morte precisava ser escondida,
por isso foi banida do espaço familiar. Outro grande expoente no tema, a
psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, trabalha a idéia de que uma das razões para
fugir de encarar a morte, é que, hoje em dia, morrer é solitário, mecânico e
desumano. As pessoas são removidas de suas casas para hospitais e a família acaba
por afastar-se do enfermo, que fica cada vez mais desamparado e triste.
Meu olhar
simplista sobre a existência tem me levado a constatar que o medo que temos da
morte acaba por nos tornar irresponsáveis para com a vida. Nós vivemos como se
este conjunto do qual somos compostos, corpo, alma e espírito, fosse eterno.
Não pensamos na morte, não falamos da morte, sequer cogitamos morrer, a não ser
em ironias e anedotas. Evitamos funerais, hospitais, doentes terminais, e tudo
aquilo, ainda que de forma subliminar, nos remeta ao ocaso. Achamos que somos
de aço, mas, na verdade, somos apenas constituídos de osso. Benjamin Franklin
escreveu: “o homem fraco teme a
morte; o desgraçado chama-a; o valente procura-a; só o sensato a espera”.
Há um homem
na bíblia chamado Ezequias, rei de Judá, que viveu durante os anos do profeta
Isaías, por volta de 716 a .C.
Considerado como um dos reis mais piedosos era também reto e temente a Deus,
íntegro, fiel e irrepreensível. Talvez, por conta disto, é que Deus, na sua
infinita misericórdia, tenha lhe avisado, por intermédio do profeta, que sua
morte era iminente O texto na sua íntegra descreve a situação da seguinte
forma, “... põe em ordem a tua
casa, porque morrerás e não viverás”. Is. 38:1.
Inevitável
não pensar: se Deus me desse este aviso, se eu estivesse um dia deitado na
minha cama, na minha casa, como faço todas as noites antes de dormir, orando ao
Senhor, e Ele me dissesse para eu por as coisas em ordem porque eu iria morrer,
como é que eu reagiria? O que é que eu faria? Metódico como sou, provavelmente
elaboraria uma lista de coisas que precisariam ser providenciadas. No checklist
estariam ações do tipo: comunicar aos parentes e amigos; analisar e organizar a
situação financeira; preparar a empresa para minha súbita saída; despachar
pendências urgentes; e, por fim, talvez como um regalo, realizar, quem sabe,
algum último desejo.
E você, o
que faria ? O que estaria na sua lista? Você tem pendências? A quem avisaria? E
as contas, como estão? Tem algo para consertar? Alguém para pedir perdão? E o
trabalho? O compositor e cantor Paulinho Mosca, há alguns anos atrás, fez uma
música para uma minissérie da Globo chamada “O Fim do Mundo”, onde cantava: ”o
que você faria se só te restaste um dia ?”.
E é
justamente aí, na hora do desfecho, no fim do trilho, no último lampejo de luz,
que eu e você precisamos acordar e cair na realidade. É nesta hora, no momento
de rever como se viveu a vida, porque a morte veio bater a porta que, não raro,
um profundo vazio existencial toma conta de nós e um desespero sem precedentes
nos invade.
Seria
legítimo pensar: o que vou levar comigo quando o momento chegar? Separo roupa
de inverno ou de verão? Levo dinheiro, cheque, cartão de crédito? Coloco na
minha maleta escrituras de imóveis, contratos, algum carnê? Talvez o currículo
atualizado, com os recortes de jornais e revistas onde apareci? Carrego algum
pertence valioso ou algo de estimação? No dia da minha morte, levarei algo
comigo?
Como seria
bom que toda morte fosse como a morte de Ezequias, com conhecimento antecipado
e tempo de preparação. O problema é que a morte normalmente não dá aviso, não
manda recado e nem põe anúncio no jornal. Por isso lhe digo que há um grande
equívoco quando pensamos que nós não vamos levar nada desta vida. Esta é uma
frase que não reflete a verdade bíblica. Nós temos bagagem sim, e precisamos
ter consciência disto, pois, quando Ele nos chamar, não teremos tempo para
providenciar absolutamente nada.
Há três
coisas que você levará consigo no dia da sua morte. Por isso, quero tentar lhe
ajudar a prestar atenção na forma como você está arrumando a sua “mala”. Em
primeiro lugar, segundo Mt. 16:27, VOCÊ
LEVARÁ TODAS AS COISAS BOAS E RUINS QUE TIVER REALIZADO POR INTERMÉDIO DO CORPO.
“Porque o Filho do homem há de vir
na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então retribuirá a cada um segundo
as suas obras”. Nós que nos
dizemos “reformados” temos a empáfia de afirmar que não fomos salvos pelas
obras, mas pela fé. É verdade. Mas fomos, segundo Tiago, salvos para as obras,
pois sem obras, do que vale a nossa fé? Temo por aqueles que se afadigam em
muitos “trabalhos” eclesiásticos, pois esquecem-se que “o obedecer é melhor do
que o sacrificar”. Senhor, em teu nome fizemos isto, aquilo, e aquilo outro, e
mais ainda... E Ele vos dirá: “apartai-vos
de mim vós que praticastes a iniqüidade”. O pensador nos afirma: “possuis apenas aquilo que não perderás com a morte; tudo o mais é
ilusão”.
Em segundo
lugar, conforme 1a. Co. 13:8, VOCÊ
LEVARÁ O BEM E O MAL QUE TIVER VIVIDO EM TODOS OS SEUS RELACIONAMENTOS. “O amor jamais acaba; mas, havendo profecias,
desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará”. Relacionamentos são eternos! Jesus
deu a sua vida por pessoas, não por instituições ou por qualquer religião ou
filosofia. É por isso que “o próximo”, na Bíblia – o outro – aquele que está ao
meu lado, é tão precioso para Deus, seja ele mulher, esposo, filho, amigo,
irmão, ou o mendigo agonizante, o cego na beira do caminho, a prostitua acuada
no flagrante da multidão, o leproso excluído da sociedade. Não esqueça a
segunda parte do grande mandamento: “Amarás
ao teu próximo como a ti mesmo”!
Finalmente,
em último lugar, conforme 1a, Co. 15:10, VOCÊ
LEVARÁ CONSIGO TUDO AQUILO QUE VOCÊ SE TORNAR. Ricardo Gondim usa uma
alegoria interessante para tratar deste tema. Ele afirma que no último dia, no
último instante, tudo o que você é, tudo o que alcançou como construção no ser,
tudo o que está impresso em seu caráter se cristalizará, como se uma foto fosse
tirada de todas as suas dimensões existenciais, física, emocional, psíquica e
espiritual e, naquele momento, cessasse o relógio de sua vida aqui na Terra,
parassem todos os seus feitos. O filósofo diz: “quando morremos, deixamos atrás de nós tudo o que possuímos e levamos
tudo o que somos”. Não é a
toa que Paulo, aos Efésios, nos fala para caminharmos até chegarmos à dimensão
da “Estatura de Cristo”, e em Romanos, nos oferece o alvo que temos que atingir
uma vez que fomos predestinados para ser conforme a imagem do Filho. Você
nasceu desconfigurado em relação aos propósitos de Deus, mas através do novo
nascimento, depois de receber o Espírito, tem progressivamente sua consciência
refeita para se tornar aquilo para o qual foi um dia sonhado pelo Pai, para
produzir obras que dignifiquem o arrependimento.
O livro de
Eclesiastes nos ensina que a alma não cresce sem dor, e não se mantém sem
alegria. Viver uma vida abundante é justamente isto: não se alienar nem fugir
de dor alguma, mesmo que seja a dor da morte, mas, a partir de seus matizes,
produzir significados que construam um ser melhor, com uma nova consciência e
um coração pacificado na graça. Eu não sei o dia em que vou morrer. Aliás, não
estou preocupado com isto. Me contento com o que diz Emil Cioran: “a morte é a coisa mais segura e firme que a
vida inventou até agora“.
Ademais, Jesus me ensinou que, no caminho, o importante não é como se morre,
mas, sobretudo, como se vive.
1 comentários:
Charlito,
Falar de morte para quem está morto, é uma missão impossível aos olhos humanos. É preciso morrer e nascer em Cristo. Falar da morte para quem é Cristão, era para ser uma coisa natural e esperada, assim como Paulo fala, que morrer é lucro, pois Ele sabia exatamente para onde ele iria, iria desfrutar do eterno, estar junto de Jesus, ele tinha um propósito definido e o estava executando a todo custo e dor. Viver assim é muito mais fácil e morrer se tornaria muito menos pesado e esperado. Temos medo do desconhecido, por isso quero conhecer a Cristo Jesus e ter uma fé de que nada me acontecerá, pois em Cristo, viverei para Cristo e morrerei para Cristo, onde o Espírito foi dado a mim e voltará a Cristo. Quero aprender que é melhor obedecer a Deus do que sacrificar a minha vida.
Um grande abraço.
Wagner Campos
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