O “Drama do Gondim”, que diz ter abraçado a teologia apofática, não é novo, não é, sequer, dele, apenas, não tem qualquer originalidade, é o drama do homem diante do inexplicável, do êxtase do absurdo de um Deus que ama a quem dele se aproxima com fé, sem questões outras, crendo no imponderável, fazendo a dúvida sucumbir e a razão desvanecer ante a imensidão do amor que se manifesta na Graça.
De certo, diverte-me tanta polêmica com a questão do Gondim, debates inflamados, “teólogos” monolíticos defendendo sua ortodoxia calcificada, agressões espontâneas, paixões ideologizadas. O sábio do Eclesiastes daria gargalhadas de nossas questiúnculas, tomaria um bom vinho e apreciaria a nossa barbárie pseudo intelectual.
Escrito há 3.000 anos atrás, o texto do sábio oriental já apresentava os devaneios de quem não tem medo de pensar e inquirir a existência em busca de, ao menos, algumas poucas respostas. No capítulo 9, versos 2 e 3, ele nos expõe o drama humano, numa afirmação basilar, que carrega o desconsolo de todos nós. Afirma o pensador: “Todos caminham rumo a um mesmo destino, tanto o justo quanto o ímpio, o bom e o mau, o puro e o impuro, o que consagra sacrifícios e louvores e o que não os oferece. O que acontece com o homem bom, ocorre também ao pecador; e o que faz juramentos passa pelas mesmas circunstâncias que aquele que evita jurar. Este é o mal que paira sobre tudo o que se realiza debaixo do sol: todos nós estamos expostos ao mesmo destino”.
A perplexidade do autor do extraordinário texto sapiencial é a minha, a sua, a nossa! Quem ousar olhar para além do muro, quem abrir o entendimento para degustar outros saberes e não se afogar numa teologia minimalista, vai se deparar com a mesma questão, pois a dualidade do texto bíblico por ora nos revela um Deus que intervém na história, muda planos, usa circunstâncias, altera destinos, subverte a lógica, realiza o milagre, ao mesmo tempo em que, em outras situações, permite que o caos se estabeleça, que o inusitado nos surpreenda, que o pior plano seja executado, que a razão sucumba, que o justo morra, que a questão se revele irremediável e inamovível.
E tem explicação? Tem não! Deus não é para ser explicado, é para ser crido, o justo não viverá pelo método, mas pela fé, isso é tão elementar que avançar um milímetro para além é blasfêmia e arrogância.
Deixa, então, o Gondim crer no que ele quiser, eu prefiro a sua honestidade de confessar sua incapacidade de crê na cartilha protestante reformada do que a hipocrisia travestida de segurança dogmática dos que defendem a providência de um lado e se contorcem em angústias noturnas do outro, sem conseguir explicar o óbvio da vida. Queria ver essa gente diante da calamidade de enterrar um filho, ou ao receber a notícia do câncer metástico, que confere ao enfermo três meses de vida, se ainda encararia a “providência” da mesma forma. Na prática, minhas convicções teológicas não conseguem, sequer, explicar porque nasce o são e o cego, quanto mais questões singulares da vida, posto que a tragédia do outro é sempre suportável para quem assiste a calamidade da calçada da arrogância teórica.
Assim, podemos chamar de teologia apofática ou teologia da negação aquela que apregoa um Deus que não pode ser definido ou explicado, como bem disse Karl Barth, isso acontece por que ele é o “Totalmente Outro”. A teologia autofágica, por sua vez, é aquela que se basta, que come a si mesma, que se alimenta de um deus criado, um deus a semelhança do homem, com a razão humana, com as inquietações e angústias dos seres humanos, um deus para consumo da religião, ensimesmado, malicioso, cheio de cabrestos morais, ranzinza, neurótico, empestado de ódio pela criação, vingativo, que precisa mostrar seu poder mandando maldições e despejando saraiva e fogo sobre a humanidade perdida.
Certo, mesmo, estava o sábio do Eclesiastes, que num texto de apenas 12 capítulos questiona Deus, faz asseverações realistas, permite-se realizar conjecturas absurdas, contraria a teologia vigente, assume contornos epicuristas, apropria-se de questões ateístas, veste-se com a dúvida, flerta com a loucura, toma um porre de desrazão e conclui, como não poderia deixar de ser, dizendo: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: teme a Deus e guarde os seus mandamentos”, ou seja, ainda que todas estas inquietações me habitem, pois sou feito do barro das contradições, Ele continua sendo bom, Ele continua sendo Deus!
Portanto, creia-me, o Todo Poderoso está no mesmo lugar de sempre e o seu amor ainda é a razão de tudo ser e existir. O mais, meu bro, é masturbação filosófico-teológica de quem, na verdade, nunca quebrou uma unha e não sabe que o chão da vida é feito de perdas, dramas e dores... CM
Carlos Moreira
0 comentários:
Postar um comentário