Durante a era clássica, Estado e Igreja criaram e mantiveram estabelecimentos de controle e exclusão com vistas a neutralizar “devassos”, “feiticeiros” e outros desviantes para que não tivessem contato com a sociedade.
Em seu livro sobre a “História da Loucura”, Michel Foucault nos expõe essa realidade dramática e revela que, entre os “desviantes”, estavam também ou loucos, portadores da desrazão e, por isso, necessitados de ser isolados dos demais. A regra, portanto, visava o extermínio social, algo como: já que não consigo lidar com isso, então melhor que eu ampute essa gente do viver civilizartório.
A decisão de ontem de um Juiz Federal sobre liberar profissionais da saúde mental a exercer a chamada “Cura Gay”, ou seja, o uso de métodos não reconhecidos cientificamente para buscar erradicar a natureza homossexual de pessoas assim assumidas, ao meu ver, estabelece grande retrocesso no trato com a situação e os direitos dos homossexuais, além de representar, ainda que sutilmente, a necessidade de confinar, senão numa cela, mas num “diagnóstico”, aquele que não é igual a mim.
A decisão representa um desejo presente no inconsciente coletivo brasileiro, impregnado por questões religiosas ultra-conservadoras, que afirma algo como: “Já que não podemos trancá-los, institucionalizá-los ou amordaçá-los, vamos tratá-los como doentes, assim enquadramos seu comportamento como patologia e reforçamos nossa tese de que essa gente se constitui seres com “defeito de fabricação”.
Na verdade, o que está posto lida com a questão da homossexualidade como comportamento, e não como orientação, algo totalmente diferente, pois o comportamento pode ser mudado, a orientação não, pois representaria uma violência contra a natureza do indivíduo.
Eu tenho a certeza de que, profissionais sérios de saúde que lidam com estas questões, uma vez procurados por alguém com dificuldades com sua sexualidade, farão o possível para ajudar sem que a causa tenha contornos ideológico-religiosos. Contudo, uma vez que o Estado legisla sobre algo, e dá certa "legalidade" ao tema, abre precedentes não só jurídicos, mas sociais e filosóficos, para que haja o recrudescimento da questão e um retrocesso em conquistas adquiridas com muita dor e sofrimento.
Assim, repudio a decisão, repudio a cassação, repudio o preconceito, repudio a tentativa de tornar igual quem é diferente, e repudio a tese religiosa de que Deus não ame o homossexual não existindo para ele a possibilidade da salvação. Em Jesus, não há héteros ou homossexuais, a Graça foi derramada sobre todos, para todos e quem a abraçar terá a chance de celebrar, no último dia, a Festa do Perdão!
Portanto, não estamos diante do auxílio a pessoas que não estão confortáveis com sua condição sexual, mas do uso de métodos de "regressão", através de instrumentos não científicos, que na esmagadora maioria dos casos se revelaram inócuos e só serviram para aumentar traumas e medos, com vistas a tornar o indivíduo "normal" segundo um olhar profundamente ideologizado.
Quem quiser deixar de ser gay que deixe, por livre e espontânea vontade, e que busque meios sadios para tal, quem quiser ser, assumindo-se como de fato é, que seja, e que a sociedade respeite a escolha de cada um, pois ser homossexual nem é doença, nem crime, nem atentado a nada ou ninguém.
Carlos Moreira
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