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10 janeiro 2014

Desgraçadamente Rico



Jesus nos fala sobre um homem infeliz no Evangelho de Lucas. Ele não era nem mendigo, nem enfermo, não padecia dos males comuns que matam os mortais. O problema do sujeito era excessos... Sim, ele sofria de um mal quase incurável: tornara-se insaciável.

A parábola nos relata a história deste amaldiçoado, um homem que tinha de um tudo, do bom e do melhor, mas sua alma não se saciava, era como pia que bebe água de torneira quebrada. De noite, ela sussurrava baixinho em seu ouvido: “é pouco, eu quero mais...”.  

Aquele tinha sido um ano especial por demais... Os celeiros estavam abastados, cheinhos até a boca, quase engasgados. E homem, em sua cadeira de balanço, olhava o resultado do seu penoso trabalho debaixo do sol. Era orgulho só! Dizia consigo mesmo: “Tudo isso fui eu que fiz”. Pitava o cigarro de palha, no entardecer do dia, e soprava a fumaça como chaminé de fábrica.

Mas havia em seu interior uma queimação, uma danação danada. Era comichão, dava tremelique e tudo o mais, suadez, cansaço e coriza. O homem olhava aquele amontoado de trigo no paiol e endoidecia: “É pouco!”, dizia, “Podia ter feito mais...”. Havia sobejos no campo, uma restinga de nada que se podia dar ao povo daquele lugar faminto, mas o peste não podia perder nem gota de suor.

Tenho observado a vida, apreciado um tipo de apetite que só se sacia com a terra da sepultura. Há homens que possuem tudo e são miseráveis de espírito, sim, são pobres, cegos e nus. Tristeza desgraçada é a alma não se fartar com nada, nem com ódio nem com amor, nem com pódios nem com dor. É como a garganta escancarada tentando beber a água do oceano inteiro, mas o mar todinho, para esse tal, não passa apenas de uma poça.

“Construirei celeiros ainda maiores e guardarei neles as minhas riquezas...”, afirmou o desenganado. E foi assim que desfez castelos, derrubou cercas, quebrou telhas, picotou o piso, botou tudo no chão, de riba até embaixo. Depois, sentou-se no alpendre, fez contas, planos, levantou paredes, alargou espaços, botou nova coberta e pintou tudo de encarnado, uma belezura que dava gosto de ver...

E foi assim que se foi o verão, cheio de canseiras e mesmices... Então descansou o desinfeliz! Com celeiros maiores, capazes de armazenar ainda mais trigo, ele agora dava-se por satisfeito. Mas até quando? "Não teria sido melhor fazer, pelo menos, um galpão a mais para eventualidades?", pensava. E se revolvia de um lado para o outro...

“Louco”, disse Jesus! Tens celeiros lotados e uma alma vazia. Possuis mais do que podes consumir e não tendo com quem repartir, de que te adianta tanta prosperidade? A riqueza só traz proveito se puder ser dividida. A produção de toda uma vida acaba apodrecendo nos celeiros do ser quando o fruto colhido se torna entulho de coisas no coração.

Carlos Moreira

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