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20 julho 2013

Quando Deus Faz o Bem lhe Fazendo “Mal”



Então Deus olhou para a Terra e só havia “João”. Todos eram iguais, todos banais, cada qual vivendo sua própria sina: levantar, comer, trabalhar... Sim, por vezes a existência é puro enfado, o trágico espaço que se resume entre a boca e o prato.

Mas em meio a tanto “João”, Deus conseguiu ver a Jó! Ele era homem reto, íntegro, singular, que se desviava do mal e amava o bem. E Deus pensou: “Dá gosto de ver esse Jó! Quero Lhe retribuir por tudo que tem existencializado. Tratarei Jó como filho muito querido e, junto a Mim, Lhe ensinarei quem eu Sou e ainda deixarei que viva para poder saber quem ele é.

E foi assim que Deus permitiu que as dinâmicas próprias da vida visitassem a Jó. Como aguaceiro que desaba sem aviso prévio, ele foi alcançado por infortúnios, calamidades, perdas inigualáveis. A estação outonal havia chegado trazendo seus matizes próprios, fazendo as folhas despencarem dos galhos das árvores, despindo a vida de tudo o que ainda pudesse representar alegria e esperança.

Como bem sabemos, o dia da tragédia é sempre solitário, é o dia onde Deus parece ter se tornado indisponível. Jó perdera tudo quanto possuía: gado, terras, empregados, e até o que mais amava, os próprios filhos, carne da sua carne. Agora, todavia, restava-lhe render o coração em gratidão àquEle que havia dado e também havia tirado. Se Jó fosse um “João” qualquer, talvez tivesse esperneado, blasfemado... Mas Jó ficou apenas maravilhado, extasiado com a violência do amor com o qual estava sendo amado, um tipo de paixão que está para além de conjecturas e explicações.

Como já se esperava, todavia, Jó entrou em conflito, percebeu-se paradoxo. Mesmo não sendo um “João”, somatizou dores, mixou no ser esperanças e medos, viu explodir em sua pele úlceras e cóleras. Ainda que fosse Jó, tornara-se necessário reconhecer que não era de aço, mas apenas de osso.

Agora sim, Jó havia sido reduzido a nada! Ele encontrava-se exatamente em meio ao caos do qual Deus se locupleta para criar o absurdo de ser. E foi em meio ao inusitado, ao inexplicável, “do meio do redemoínho” da vida, que Deus “saltou” para mostrar a Jó  que apenas Ele é quem pode todas as coisas, e que nenhum de Seus planos será frustrado. Assim, devolveu-lhe o Senhor em dobro tudo o que dantes tinha, pois mais foram os bens de Jó em meio a dor, do que as perdas que sofreu, ainda que por amor.

A história de Jó nos revela que Deus é livre para fazer aquilo que deseja. Ele poderia, para abençoá-lo, tê-lo prosperado ainda mais. Poderia ter lhe dado mais terras, gado, filhos e riquezas. Contudo, quando tencionou torná-lo grande, alguém melhor, quando imaginou algo que pudesse, de fato, fazer diferença em seus dias, algo para levá-lo a conhecer não apenas de ouvir falar, escolheu a dor, a perda, a angústia e a solidão.

Deus não teve medo de provar a Jó, não ficou com crise de consciência, nem muito menos com receios de que ele seguisse outro caminho. Ele sabia que Jó não era como os outros, ele não era um “João”. Sabia que a vida poderia lhe trazer tanto o bem como o mal, sem que isso alterasse o desejo de seu coração de conhecer a Verdade.  

A história de Jó é a arquetipia existencial de todos nós. Ela é o drama que está para além do certo ou errado, do bem e do mal. Na “novela” de Jó, a existência se catastrofiza do nada para, logo em seguida, voltar ao mesmo “lugar”. O que fica da “tragédia” de Jó é a certeza de que não importam as circunstâncias, pois Deus sempre tramará algo que, ao final, redunde em bem para nosso ser e paz para nossa alma. 

Num mundo habitado por gente que nada mais é do que um “João”, quero ser Jó. Desejo viver a experiência de me perder em mim mesmo para poder ser achado em Deus e assim encarnar a poesia do salmista que me desafia a semear no chão da vida lágrimas de esperança e, a partir delas, colher frutos de misericórdia.

Carlos Moreira

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