Então Deus olhou para a Terra e só havia “João”. Todos eram iguais, todos banais, cada qual vivendo sua própria sina: levantar, comer, trabalhar... Sim, por vezes a existência é puro enfado, o trágico espaço que se resume entre a boca e o prato.
Mas em meio a tanto “João”, Deus conseguiu ver a Jó! Ele era
homem reto, íntegro, singular, que se desviava do mal e amava o bem. E Deus
pensou: “Dá gosto de ver esse Jó! Quero Lhe retribuir por tudo que tem
existencializado. Tratarei Jó como filho muito querido e, junto a Mim, Lhe ensinarei
quem eu Sou e ainda deixarei que viva para poder saber quem ele é.
E foi assim que Deus permitiu que as dinâmicas próprias da
vida visitassem a Jó. Como aguaceiro que desaba sem aviso prévio, ele foi
alcançado por infortúnios, calamidades, perdas inigualáveis. A estação outonal
havia chegado trazendo seus matizes próprios, fazendo as folhas despencarem dos
galhos das árvores, despindo a vida de tudo o que ainda pudesse representar alegria
e esperança.
Como bem sabemos, o dia da tragédia é sempre solitário, é o
dia onde Deus parece ter se tornado indisponível. Jó perdera tudo quanto
possuía: gado, terras, empregados, e até o que mais amava, os próprios filhos,
carne da sua carne. Agora, todavia, restava-lhe render o coração em gratidão
àquEle que havia dado e também havia tirado. Se Jó fosse um “João” qualquer,
talvez tivesse esperneado, blasfemado... Mas Jó ficou apenas maravilhado,
extasiado com a violência do amor com o qual estava sendo amado, um tipo de
paixão que está para além de conjecturas e explicações.
Como já se esperava, todavia, Jó entrou em conflito, percebeu-se paradoxo. Mesmo não sendo um “João”, somatizou dores, mixou no ser esperanças e medos, viu explodir em sua pele úlceras e cóleras. Ainda que fosse Jó, tornara-se necessário reconhecer que não era de aço, mas apenas de osso.
Agora sim, Jó havia sido reduzido a nada! Ele encontrava-se
exatamente em meio ao caos do qual Deus se locupleta para criar o absurdo de
ser. E foi em meio ao inusitado, ao inexplicável, “do meio do redemoínho” da
vida, que Deus “saltou” para mostrar a Jó
que apenas Ele é quem pode todas as coisas, e que nenhum de Seus planos
será frustrado. Assim, devolveu-lhe o Senhor em dobro tudo o que dantes tinha,
pois mais foram os bens de Jó em meio a dor, do que as perdas que sofreu, ainda
que por amor.
A história de Jó nos revela que Deus é livre para fazer
aquilo que deseja. Ele poderia, para abençoá-lo, tê-lo prosperado ainda mais. Poderia
ter lhe dado mais terras, gado, filhos e riquezas. Contudo, quando tencionou
torná-lo grande, alguém melhor, quando imaginou algo que pudesse, de fato,
fazer diferença em seus dias, algo para levá-lo a conhecer não apenas de ouvir
falar, escolheu a dor, a perda, a angústia e a solidão.
Deus não teve medo de provar a Jó, não ficou com crise de
consciência, nem muito menos com receios de que ele seguisse outro caminho. Ele
sabia que Jó não era como os outros, ele não era um “João”. Sabia que a vida
poderia lhe trazer tanto o bem como o mal, sem que isso alterasse o desejo de seu
coração de conhecer a Verdade.
A história de Jó é a arquetipia existencial de todos nós.
Ela é o drama que está para além do certo ou errado, do bem e do mal. Na
“novela” de Jó, a existência se catastrofiza do nada para, logo em seguida,
voltar ao mesmo “lugar”. O que fica da “tragédia” de Jó é a certeza de que não
importam as circunstâncias, pois Deus sempre tramará algo que, ao final,
redunde em bem para nosso ser e paz para nossa alma.
Carlos Moreira
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