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08 maio 2012

Prisões que não Possuem Grades



“Quem dormiu no chão deve lembrar-se disso... Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze”.
Graciliano Ramos

Memórias do Cárcere é uma obra póstuma de Graciliano Ramos publicada em 1953. Preso na época do “Estado Novo” sob a falsa acusação de ligação com o Partido Comunista, o escritor foi deportado para o Rio de Janeiro, onde permaneceu encarcerado por cerca de dois anos.

No livro, Graciliano se ocupou em tornar público, depois de muita hesitação, acontecimentos da vida na prisão. Escrito dez anos após sua libertação, traz em si uma narrativa amarga, não obstante verdadeira.

Já li comentários de que pessoas que foram presas, sobretudo injustamente, jamais voltaram a ser as mesmas. O cerceamento da liberdade traz impactos tão violentos à psique que o indivíduo não consegue mais se reencontrar com sua essência, impõe-se a um autoexílio rumo aos porões do ser, acaba soterrado sob densas camadas de lembranças tenebrosas.  

Eu sei que há prisões que possuem grades, e dessas é muito difícil escapar. Mas há outros tipos de prisões, que vão para além de impor ao corpo a reclusão em um cubículo onde ele permanecerá confinado. Sim, essas masmorras são imateriais, sem grades, sem paredes, são calabouços que aprisionam não só a vontade, o desejo de liberdade, mas o ser e os sonhos.

É fato que tenho encontrado no passadiço da vida muitas pessoas aprisionadas em tais “labirintos”. É gente que, sem perceber, tornou-se refém de sofismas, projeções, carmas, manipulações e toda sorte de situação que produz autoengano e acaba dando forma a uma imagem distorcida de si mesmo. Essa, por sua vez, projetada na tela da existência, reproduz um holograma monstrificado de quem enganosamente se pensa ser.

Não é raro me deparar com pessoas vivenciando tais dinâmicas. É gente que se tornou refém de cônjuge, de sogra, de filhos, tudo pelo estabelecimento de vínculos afetivos adoecidos, que acabam dando ao outro uma espécie de “licença para matar”, e, por assim dizer, produzem, pela via da culpa e do medo, todo tipo de escravidão e subserviência.

Há aqueles que estão presos a determinismos infundados, não raro fruto de comentários recorrentes feitos por pessoas próximas, alguns dos quais se enraizaram na alma desde a infância. É gente que se sente assombrada por um carma, conduzida inexoravelmente por um trilho de onde não se pode sair. No fundo, é como se o indivíduo estivesse fadado a parar sempre na mesma “estação” e seguir sempre pelo mesmo caminho.

Também é comum encontrar os que se viciaram psicologicamente no fracasso, que sentem prazer nas impossibilidades. Trata-se da negatividade alça-da ao platô mais profundo do ser, são pessoas som-brias, que vivem de olhar pelo “retrovisor”, sempre a se lamentar pelo que passou, ansiando pelo que poderia ter sido, mas não foi...

Não menos danoso é o grupo dos que passaram a viver de uma espécie de ração, que esmolam da vida, acomodaram-se em ser o que não são, estagnaram a consciência e amordaçaram o pensamento.
Pessoas assim deixam de acreditar no novo, pois acabam se acostumando com a mesmice, vivem apenas seguindo o fluxo, o curso, a rotina. Estão mortas, mas ainda não foram sepultadas, existem sem ser, sem saber vão, de arrastão em arrastão, vivem dos restos do ontem e dos fragmentos do hoje.

Finalmente, mas não menos triste, há os que adoeceram a ponto de dependerem de medicação para viver, drogas que se aplicam a distúrbios e doenças tais como ansiedade, depressão nervosa, distúrbio bipolar, psicose, pânico, dentre outras..

Nesse estágio há muita dor e desânimo, pois, além dos sintomas próprios de cada doença, ainda há os efeitos colaterais dos remédios, tão diversos quanto possamos imaginar. Eles, sem pedir permissão, mudam as pessoas, alteram gestos e gostos, sorrisos e olhares.

Seria pieguice e irresponsabilidade de minha par-te afirmar que a solução para todas estas coisas está na religião. Tolice crer que reunião de oração, jejum e leitura da Bíblia vão resolver o problema. Também incluo aqui bizarrices do tipo: sessão do descarrego, culto de libertação, de unção, do desencapetamento total e outras mandingas do meio evangélico. Nada disso tem sustentação nas Escrituras, sendo assim, não produz nem paz nem bem ao ser.

Acredito, entretanto, que a cura passa pela experimentação da verdade, ou, como disse Tolstoi, escritor russo do século XIX: “Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência”.

A maior parte dos problemas e dores humanas está associada a não percepção da Verdade, e aqui afirmo Verdade não como paradigma existencial, mas como Caminho a ser caminhado. A verdade nasce da experimentação de valores e princípios que mudam o ser, de dentro para fora, pela via da pacificação produzida pela Graça, em Fé e através do Amor, pela ação do Espírito Santo. Ela é capaz de realizar aquilo que nada nem ninguém pode fazer em definitivo: sarar a alma! Sim, como disse Jesus: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.

Há prisões que não possuem grades, mas que aprisionam muito mais do que aquelas que prendem os indivíduos, posto que é mais fácil libertar o corpo do que a alma. Como disse em um outro texto: “... eu não sei qual foi a porta que eu abri, mas, quando dei por mim, já estava aqui! Curioso, também, é que eu não sei como sair; as portas daqui só possuem maçanetas pelo lado de fora! Aqui é todo canto e lugar nenhum”.

Gostaria de ver todo aquele que se encontra “encarcerado” livre dessa prisão, das amarras que prendem a mente, a alma e o ser. Sei que só Deus pode livrar-nos disto, mas esta experiência tem de ser vivida por cada um, a seu tempo e do seu próprio modo. Deixo-te, então, com o que escreveu Clarice Lispector: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.


Carlos Moreira


1 comentários:

NOssa !!! Excelente post !! Muito profundo...Parabéns....foi como uma chave abrindo a porta do coração !

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