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25 fevereiro 2011

Crer no Chico é Chique


Introdução

Tratado como culto ou religião, o espiritismo é um conjunto de doutrinas que admitem a possibilidade de comunicação com os “espíritos” através de pessoas sensitivas – médiuns. Do ponto de vista da “ciência” estuda a origem, natureza e destino destes “espíritos” e sua relação com o mundo material. Analisado pelo viés filosófico, as manifestações além túmulo tem como objetivo desenvolver nos seres humanos conceitos morais que desdobram-se em proposições ético-comportamentais as quais tem, como fim último, levá-los a entender de onde vieram, para onde irão e, por exemplo, o porque da dor e do sofrimento.    

O grande sistematizador do espiritismo foi o pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail que adotou, mais tarde, o pseudônimo de Allan Kardec. Poliglota, estudioso do magnetismo de F.A. Mesmer, Kardec fez parte do cenário cultural e intelectual francês do século XIX. Suas experiências com os “espíritos” iniciaram-se em 1855. A partir de então, passou a freqüentar sessões semanais e a fazer anotações e catalogações dos fenômenos que presenciava.     

Mas foi só em 1856 que Kardec obteve uma “comunicação particular” com um “espírito” que dizia ter vivido com ele há vários séculos atrás nas antigas Gálias, sendo eles druidas – pessoas encarregadas do ensino jurídico e filosófico dentro da sociedade celta. E foi assim que, logo em seguida, em 18 de abril de 1857, Kardec lançou o Livro dos Espíritos, um dos mais importantes até hoje dentro da doutrina. Na verdade, ali nascia a religião espírita.

Expansão e “Acomodação” Social

No início do século XX, a doutrina já era bastante popular no Estados Unidos, onde, curiosamente, foi assimilada pela maior parte da elite econômica dos grande centros. Usando práticas até então desconhecidas, como seções mediúnicas em mesas, demonstrações de ectoplasma – vestígios materiais da presença de espíritos – e até magia, o espiritismo passou também a atrair a atenção da classe média, que começou a interessar-se pelos seus métodos.

O surgimento no Brasil se deu no final do século XIX. Sua maior popularidade, todavia, foi atingida na primeira metade do século XX. O espiritismo brasileiro desenvolveu algumas características bem peculiares, entre elas o sincretismo com as religiões afro-brasileiras, o que acabou por constituir-se numa ponte de mediação entre as classes mais abastadas, que discriminavam tais práticas, e até o próprio Estado.

O escritor espírita francês Leon Denis afirmou certa vez: "espiritismo não é a religião do futuro, mas o futuro das religiões". No Brasil, a frase poderia ser considerada “profética”. Com o passar dos anos, o número de espíritas e simpatizantes da doutrina cresceu substancialmente. Hoje já é possível encontrar um sem número de centros e associações espíritas espalhados por todo o território nacional.

Assim como nos EUA, no Brasil a doutrina espírita encontrou acolhida entre as classes mais desenvolvidas, sobretudo a classe média. Um dos motivos para tal adesão é o fato – talvez único – de que o espiritismo não é uma religião excludente nem fundamentalista, pelo contrário, extremamente liberal, ou seja, ele pode ser praticado conjuntamente com outras crenças sem qualquer problema. Por isso, é muito comum você ouvir pessoas responderem sobre sua filiação religiosa da seguinte forma: “sou católico e espírita ou, sou adepto do candomblé e do espiritismo”.

Outro fator que explica a penetração nas classes mais privilegiadas se dá também pelo fato de que elas são mais instruídas. As doutrinas espíritas lidam com questões tais como: vida pós-morte, volta do mundo dos mortos, levitação da alma fora do corpo, materialização de “espíritos”, clarividência, psicografia, dentre outros “fenômenos”, alguns supostamente tidos como cientificamente comprovados, os quais exigem um maior grau de esclarecimento para serem compreendidos.

Todavia, de todas as questões tratadas pelo espiritismo, talvez a que mais atraia a classe média seja a que estabelece a doutrina da reencarnação. De acordo com esse pressuposto, todas as pessoas vivas são reencarnações de outras que já morreram, ou seja, apesar de estarem vivas novamente em um novo corpo, receberam o mesmo espírito que havia estado encarnado em alguém anteriormente.

Assim, por sucessivas reencarnações, os “espíritos” vão evoluindo, tornando-se mais capazes e com uma maior densidade mediúnica por terem purgado, na existência anterior, o mal que fizeram através do corpo em vidas passadas. Desta forma, “espíritos” reencarnados são o resultado da evolução não somente espiritual, mas também ética, moral, social e material de alguém.  

Ora, confrontada com a “doutrina cristã”, sobretudo a herdada do catolicismo ibérico, recheada de dogmas e crendices e que preconiza a pobreza e o sofrimento na Terra como desejo de Deus, e projeta os usufrutos da prática religiosa só para a eternidade, à doutrina espírita se torna muito mais atrativa e palatável, pois, por intermédio dela, os benefícios da religião são para o aqui, o agora e o depois.

Atenção: A Luz Vermelha Acendeu faz Tempo...

Segundo dados da revista Época, “o espiritismo vem crescendo no Brasil, principalmente entre jovens da classe média. A Doutrina cresceu cerca de 40% entre os últimos dois Censos. Os dados do IBGE mostram que esse crescimento se deu principalmente nos estratos mais ricos e escolarizados da população. A renda dos Espíritas é 150% superior à média nacional, e 52% deles ganham acima de 5 salários mínimos. Entre os espíritas, 77% têm entre 8 e 15 anos de escolaridade, dez anos em média a mais do que os católicos”. Revista Época.

Os números do censo de 2010 quanto à prática do espiritismo ainda não estão disponíveis. Todavia, oficialmente, o IBGE afirma, com base em dados de censos anteriores, que existem no país cerca de 2,2 milhões de espíritas, ou seja, 1,3% da população. Não obstante este número, diversas pesquisas de institutos e outros meios de comunicação apontam para algo em torno de 20 milhões de seguidores, sendo que a grande maioria destes enquadram-se naquele grupo dos que mantém ainda uma segunda religião. 

Outro dado importante diz respeito à distribuição demográfica. Os espíritas brasileiros concentram-se nos estados mais ricos da federação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília e Rio Grande do Sul. Só para se ter uma idéia de sua influência, em 2010 foram comercializados treze milhões de livros espíritas no Brasil; somente o médium Chico Xavier teve, nos últimos anos, cerca de 35 milhões de livros vendidos. Esses números acentuam-se cada vez mais impulsionados pela mídia escrita, pela televisão e, mais recentemente, pelo cinema.

Também é fator de grande influência sobre a população a adesão, cada vez maior, de celebridades que, publicamente, divulgam praticar alguma doutrina espírita. É o caso, por exemplo, da modelo Raica, do tenista Guga e da atriz Cléo Pires. É justamente esse tipo de publicidade que atrai cada vez mais os jovens para a prática da religião.
 
E os Cristãos, por que tem Tanta Dificuldade com a Doutrina Espírita?

São basicamente 3 as razões que levam o cristianismo a perder, sistematicamente, espaço para a doutrina espírita entre ateus e agnósticos e, não raro, entre seus próprios adeptos. A questão está na constituição daquilo que ele tem como base de toda a sua sistematização, ou seja, seus 3 pilares: ciência, filosofia e religião. Nestes 3 pressupostos, nós levamos uma “surra” dos espíritas.

Do ponto de vista científico, mesmo sabendo que o espiritismo trata questões místicas e metafísicas como científicas, o que é um equívoco, nós agimos de forma ainda pior. Mesmo hoje, existem setores da igreja que teima em manter a eterna resistência de aproximação da ciência. No mundo contemporâneo, esta tem sido uma das principais causas para a não adesão de novos fiéis. Tristemente, o axioma – fé e ciência são incompatíveis – é discurso certo em muitos dos púlpitos de nossa nação.

Ora, este paradigma já deveria ter, há muito, sido superado! Hoje a ciência auxilia a religião em diversas questões e, lamentavelmente, é ela que vem se aproximando da fé, e não o contrário. Estabelecer posições radicais, fundamentalistas, dogmáticas, só serve para nos manter aprisionados a idade das trevas! O protestantismo, historicamente, sempre teve compromisso com o avanço, mas, nos últimos dois séculos, parece ter involuido drasticamente quanto a esta questão.

Do ponto de vista filosófico, a impressão que temos é que a igreja ficou estagnada no século XIX. Parece que filosofia e religião é outra combinação inconjugável para os cristãos. É sabido, entretanto, que a filosofia vem retomando na sociedade contemporânea a importância que um dia teve no mundo antigo e na idade média. Afastar a igreja da filosofia só faz emburrecê-la e embrutecê-la. A filosofia, diferente da religião, está muito mais interessada nas perguntas do que nas respostas, ou seja, ela é questionadora, gosta de perscrutar, de inquirir, de avaliar. Você não acha que, em meio a tudo o que estamos vivendo, isto não seria um exercício maravilhoso em nosso meio? Isto para não lembrar que toda a doutrina cristã está impregnada pela influência filosófica de vários povos, sobretudo dos gregos.

Nossa maior tragédia, todavia, situa-se no campo religioso. É aí onde tomamos mais “pancada”. O cristianismo de nossos dias é verborrágico, ou seja, é falatório puro. Nosso discurso não consegue, nem de longe, se equiparar as nossas práticas e nisso, os espíritas nos dão um “banho”. Além do mais, tem toda esta aberração trazida pelo neopentecostalismo que transformou a igreja evangélica num show de horrores. Citando o professor André Pessoa: “No segundo século da era cristã, os pais apostólicos discutiam entre si sobre a possibilidade ou não de haver salvação fora da igreja. Hoje, a questão inverteu-se e talvez seja mais correto perguntar se há possibilidade de alguém salvar-se estando dentro da igreja”.

Escrevi, em recente artigo, o seguinte: “Quisera eu que a apologética de nossos dias fosse contra o axioma Católico da não possibilidade de haver salvação fora da Igreja de Roma. Isso seria como tirar pirulito de bebê. Hoje lutamos contra nós mesmos, é o chamado fogo amigo, mas melhor seria chamar de fogo estranho! A coisa é tão grave que indulgências e simonias tornaram-se um mal quase imperceptível junto do que temos praticado: banho de água ungida do Jordão, mapeamento genealógico das maldições hereditárias, correntes de fé, processos de regressão para cura interior, chave untada com óleo santo, banho de sal grosso, profetadas dos "santarados",  pirotecnias milagrosas, cantores “gospel”, show dos endemoninhados – com direito a entrevista, barganhas de todo tipo, espólio das carteiras e dos bens dos “dizimistas”, elementos judaicos no culto – bandeira de Israel, Estrela de Davi, Shofa, e tantas outras maluquices que daria para escrever um livro só com as bizarrices encontradas em “nossos” “templos” e “cultos”.  

Conclusão
Eu acredito que ainda há tempo para a igreja acordar e olhar para estas questões de forma séria e, sobretudo, pragmática. Se isto não for feito, todavia, veremos a doutrina espírita avançar cada vez mais em nosso país e continuar a “exportar” seguidores e práticas pelo mundo a fora. Por isso, reverter este quadro poderá ser desafio para a próxima geração, e não mais para a nossa...

É sabido que Chico Xavier era homem simples, sem vaidades, adepto da caridade, da solidariedade, do bem servir ao próximo. O Chico nunca foi um homem de posses, mas, ao contrário, doou em vida tudo o que recebeu para obras assistenciais e de caridade. Seria bom que alguns de nossos “apóstolos”, “missionários”, “bispos”, “astros gospel”, e outras “entidades” fizessem o mesmo, pois Jesus, a quem dizem seguir, não tinha onde reclinar a cabeça, e Paulo, afirmou: “tendo o que comer e com que nos vestir estejamos satisfeitos”. O Chico, justiça seja feita, nunca foi chique; mas os seus seguidores são...

Hoje, ser espírita é estar associado à vanguarda, a elite, a uma religião com caráter mais universal, que é tolerante, flexível, embasada, "conectada", que se preocupa com o próximo, com as obras de caridade, com as questões ambientais, políticas, ou seja, é uma religião que está alinhada com as preocupações e dilemas do homem contemporâneo. E nós, onde estamos? Ou seria melhor perguntar: e nós, em que século paramos?

Carlos Moreira

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